Acórdão nº 03P1227 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução08 de Julho de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Os arguidos A e B foram julgados na 1ª. Vara Criminal de Lisboa (3ª. secção) e, a final, quanto à matéria crime, foi decidido: 1 - Condenar cada um dos arguidos A e B: 1.1 - Pela co-autoria comissiva, entre si e com C e D (homiziados e objecto de processo separado), no dia 17 de Março de 2001: 1.1.1 - De um (1) crime de homicídio, qualificado, consumado, previsto e punível pelos artºs. 131º e 132º, nº. 1, do C. Penal, (à pessoa de E), à pena de 21 (vinte e um) ANOS DE PRISÃO; 1.1.2 - De quatro (4) crimes de homicídio, qualificado, tentados, p.p. pelos artºs. 131º e 132º, nº. 1, 22º, 23º, nºs. 1 e 2 e 73º, nº. 1, als. a) e b), do mesmo diploma, [às pessoas de F, G, H e I, (feridos)], a quatro (4) correspondentes penas de 9 (nove) ANOS DE PRISÃO; 1.1.3 - De quatro (4) crimes de homicídio, qualificado, tentados, p.p. pelos mesmos normativos legais, [às pessoas de J, L, M e N (não atingidos/feridos)], a quatro (4) correspondentes penas de 7 (sete) ANOS DE PRISÃO. 1.2 - Pela autoria comissiva - imediata, singular -, na mesma ocasião, de um (1) crime de detenção e uso de arma proibida, p.p. pelo artº. 275º, nº. 3, do C. Penal, com referência aos normativos 1º, als. a) e b), e 2, da Lei nº. 22/97, de 27 de Junho, e 3º, nº. 1, al. a), do Dec.-Lei nº. 207-A/75, de 17 de Abril, à pena de 1 (um) ANO e 6 (seis) MESES DE PRISÃO. 1.3 - À pena conjunta - ou unitária - de 25 (vinte cinco) ANOS DE PRISÃO, em razão da unificação, em cúmulo jurídico, das referidas reacções penais. Foram ainda condenados a pagar importâncias indemnizatórias aos demandantes civis, também as custas criminais e cíveis e foi decretado o perdimento a favor do Estado do veículo automóvel "Renault Clio Williams", de matrícula nº. "EO", do respectivo espelho retrovisor, (apreendido separadamente) e das munições e fragmentos, cuja destruição se ordenou. 2. Do acórdão condenatório da 1ª. instância recorreram estes dois arguidos para o Tribunal da Relação de Lisboa. Porém, antes do processo subir a essa instância, sofreu algumas vicissitudes, que importa resumidamente descrever. Assim, no prazo de recurso e antes de apresentar a sua motivação, o arguido A requereu ao tribunal a transcrição pelos "serviços judiciais" da gravação dos actos de produção de prova (oral), invocando para tanto intenção de não prescindir de recurso em matéria de facto, e competir ao tribunal tal acto. Requereu, simultaneamente, o diferimento do início do prazo de recurso para momento subsequente ao envio da referida transcrição. De seguida e antes do juiz do processo se pronunciar, tal arguido apresentou a sua motivação de recurso, na qual, como questão prévia, indicou que foi violado o artº. 101º, nº. 2, do CPP e o artº. 20º da CRP, ao não ser dado ao recorrente acesso à transcrição da prova, para, dessa forma, melhor preparar o seu recurso relativo à matéria de facto, pelo que, só a partir desse momento, em que tivesse conhecimento das transcrições é que o prazo para interposição do recurso se deveria iniciar. A anteceder o despacho que admitiu os recursos interpostos pelos arguidos para o Tribunal da Relação, o Mmº. Juiz do processo, após exaustiva fundamentação e pronunciando-se expressamente sobre o dito requerimento do arguido A, indeferiu as suas duas pretensões, consignando que não competia ao tribunal efectuar a transcrição das gravações da prova. Esse despacho foi notificado ao arguido, na pessoa do seu Il. Mandatário e o mesmo não interpôs recurso. Após o despacho que admitiu os recursos dos arguidos para a Relação, o Mmº. Juiz do processo, em novo despacho, rectificou o despacho de admissão, na parte em que recebeu na totalidade o recurso desse arguido A, pois não atentou que o mesmo manifestava também o propósito de recorrer da decisão, inclusa no acórdão, de declarar perdido para o Estado o veículo de matrícula EO, quando é certo que ele próprio afirmava que a mesma viatura pertencia à sua companheira. Por isso, considerando que o arguido A não tinha legitimidade para impugnar a decisão de perdimento do veículo, "rejeitou" o recurso do identificado arguido na parte em questão. O arguido A reclamou desse não recebimento para o Exmo. Presidente da Relação de Lisboa, o qual não atendeu à reclamação. Finalmente, os recursos subiram ao Tribunal da Relação de Lisboa, tendo a 2ª. instância, por acórdão de 28 de Janeiro de 2003, negado provimento aos recursos e confirmado a decisão recorrida. 3. Do acórdão do Tribunal da Relação recorreram os dois arguidos para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões: I - No recurso do arguido A: 1. (QUESTÃO PRÉVIA - TRANSCRIÇÕES) Foi violado o disposto no Artigo 101º nº. 2 do Código de Processo Penal e o Artigo 20º da Constituição da República Portuguesa ao não ser dado ao recorrente acesso à transcrição da prova para, dessa forma, melhor preparar o seu Recurso relativo à matéria de facto. Só a partir desse momento, em que tivesse conhecimento das transcrições é que o prazo para interposição do recurso se deveria iniciar. 2. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa é nulo por violação da alínea c) do nº. 1 do Artigo 379º do C. P. P. por não se ter pronunciado sobre questões que devesse apreciar (transcrição da prova). 3. O arguido foi condenado na pena de 86 anos e 6 meses de prisão e, operado cúmulo jurídico, a pena de 25 anos de prisão. 4. O presente recurso versa a medida da pena e aquilo que o recorrente entende ter sido um errado enquadramento jurídico-penal face à matéria dada como provada. QUANTO À CO-AUTORIA 5. Os arguidos não actuaram de forma concertada nem existiu acordo prévio ou tácito, antes estamos perante autorias paralelas. Na verdade, o Colectivo não logrou provar: 6. a existência de acordo prévio; 7. a verificação de acordo tácito, resultante da vontade recíproca intervenientes; 8. dos 20 tiros disparados, quem os disparou e em que proporção; 9. a quem pertenciam as armas que encravaram; 10. quem atingiu a vítima mortal; 11. quem atingiu, ferindo-as, as restantes vítimas; 12. qual a arma utilizada pelo ora recorrente; 13. se o ora recorrente, como armou, apenas disparou para o ar; 14. se o ora recorrente sequer atingiu alguém; 15. se atingiu, quem? 16. A matéria de facto dada como provada é insuficiente para enquadrar o comportamento do recorrente na figura da co-autoria tendo o Tribunal Colectivo violado no disposto no Artigo 26º do Código Penal, padecendo o Acórdão do vícios contidos no Artigo 410º nº. 2, al. a) e b) do Código de Processo Penal. 17. Foi violado o disposto no Artigo 109º do Código Penal ao ter sido decretado o perdimento a favor do Estado do veículo automóvel Renault Clio Williams. Em consequência deve: o presente recurso merecer provimento, ser concedido ao Recorrente prazo para completar a sua Motivação, depois de notificado da transcrição da prova e sempre o Acórdão ora recorrido ser revogado e substituído por outro onde, imputada em concreto a conduta do arguido ora recorrente, seja efectuado novo enquadramento jurídico penal que determine a sua autoria (paralela) e nessa conformidade condenado apenas pela tentativa, reformulando-se novo cúmulo jurídico. Deve ainda ser mandado restituir o veículo automóvel apreendido a quem provar pertencer-lhe. II - No recurso do arguido B: 1 - O Tribunal a quo não responde de forma minimamente fundamentada à questão levantada pelo recorrente de saber se os factos provados em julgamento permitem concluir que houve intenção de matar por parte do recorrente e dos restantes arguidos e se esta intenção é ou não incompatível com a sustentabilidade da actuação em co-autoria, preferindo rejeitá-la liminarmente, pelo que o acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação, atento o disposto no artigo 425º, nº. 4, conjugado com o artigo 379º, nº. 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal. 2 - Acresce que, o Tribunal a quo, em sede de recurso, entendeu que o recorrente e os outros arguidos agiram em acordo, ainda que tácito, com vista à obtenção do mesmo resultado: tirar a vida às pessoas contra as quais dispararam. 3 - Ora, salvo o devido respeito, a matéria de facto provada e definitivamente fixada pelas instâncias, não autoriza as conclusões vertidas no acórdão recorrido quanto à questão da qualificação jurídico-penal da actuação do recorrente e dos restantes arguidos, nos vários crimes de homicídio, como co-autoria material. 4 - Na medida em que, não ficou provado que todos os arguidos, nos quais se inclui o recorrente, actuaram mediante plano previamente acordado e em conjugação de esforços e intenções, com vista à obtenção daquele resultado - os homicídios. 5 - Com efeito, a matéria de facto dada como provada é insuficiente para enquadrar o comportamento do recorrente na figura da co-autoria como decorre do estatuído no artigo 26º do Código Penal, quando qualifica como co-autor de um ilícito criminal quem o executa juntamente com outro(s), mediante acordo prévio. 6 - Atento o disposto neste dispositivo legal, para que se verifique a existência de co-autoria, é necessário que se provem dois requisitos cumulativos: uma decisão conjunta tendo em vista a obtenção de um resultado criminoso (elemento subjectivo) e uma execução igualmente conjunta (elemento objectivo). 7 - Ora, no caso sub judice, embora tenha sido dado como provado que o recorrente e os outros arguidos praticaram conjuntamente actos dirigidos ao mesmo fim - os homicídios, não ficou, como já se disse, provada a existência de um acordo prévio, expresso ou tácito, entre os autores dos disparos, com vista à obtenção daquele resultado. 8 - Não estando demonstrada a verificação do elemento subjectivo da co-autoria, a actuação do recorrente e co-arguidos configura antes autorias singulares paralelas. 9 - O Tribunal a quo ao entender que o recorrente e os outros arguidos terão agido em co-autoria material, fez uma incorrecta interpretação e aplicação do artigo 26º do Código Penal. 10 - Portanto, tratando-se...

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