Acórdão nº 03P1489 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução03 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Recorrente: "A" 1. A DECISÃO ADMINISTRATIVA IMPUGNADA Em 19Set02, o Conselho dos Oficiais de Justiça aplicou à oficial de justiça A a pena disciplinar (suspensa por um ano) de 20 dias de suspensão de exercício de funções: O relatório de fls. 321 a 343 (1) propõe que à visada seja aplicada a pena de 20 dias de suspensão do exercício de funções. Consta dos autos a deliberação deste Conselho (fls. 345), que considera que "o procedimento ainda não prescreveu, pelo que o processo deverá prosseguir os seus termos". Assim, e aderindo a todos os factos articulados no relatório de fls. 323 a 343, delibera o COJ que à arguida seja aplicada a pena, nos termos do artº. 131º, nº. 2, do Dec. Lei n.º 376/87, de 11/12, de 20 (vinte) dias de suspensão do exercício de funções (...) e que a pena aplicada lhe seja suspensa pelo período de um ano. 2. O RECURSO HIERÁRQUICO 2.1. No seu recurso hierárquico para o plenário do Conselho Superior da Magistratura, a arguida entendeu que «a pena aplicada na sua globalidade não tem qualquer suporte factual, não havendo, assim, qualquer fundamento para a punição»: Não deveria ser aplicada à recorrente qualquer tipo de penalização, pois que os factos de que vem acusada nem sequer estão devidamente provados e fundamentados nos autos, apenas se tendo ido atrás de suposições e meras conclusões. É que tais factos têm de ser limitadores da eventual punição da recorrente, mas devem ser atendidos, depois de devidamente provados na aplicação da pena disciplinar, sendo certo que, a recorrente não cometeu qualquer tipo de infracção disciplinar, não violou qualquer tipo de dever funcional a que está legalmente obrigada e não agiu com conduta reprovável ou censurável que possa merecer reparo. Ao não tomar em consideração tais elementos, declarando-se manifestamente a favor dos pressupostos errados de facto e de direito que serviram de suporte à punição da recorrente, a entidade recorrida não agiu em conformidade com o EFJ e actuou em flagrante violação de lei - art. 131 º do EFJ. Cuja consequência é necessariamente a de verificação de vicio de violação de lei e anulação da deliberação. Estando ainda a pseudo-fundamentação da deliberação alicerçada em falta de objectividade, obscuridade e insuficiência, o que manifestamente toma a mesma ferida de falta de fundamentação, deverá ser verificada a anulação da deliberação. Tal acto tem de ser fundamentado - artºs. 124º e 125º do CPA - e o facto de serem trazidos aos autos meras adesões a conclusões erradas e não fundamentadas por parte da entidade recorrida, fazem incorrer esta deliberação em vicio de forma por falta de fundamentação. A adopção de fundamentos que, por insuficiência, como se demonstrou, não esclareça concretamente a motivação do acto equivale à falta de fundamentação, implicando necessariamente a anulação do acto produzido. Como se sabe, não é à arguida que incumbe o ónus de provar a sua inocência perante os factos de que é acusada, mas ao titular da acção disciplinar que cabe provar, positivamente, a matéria da acusação, o que manifestamente não foi feito. Como em processo penal, a arguida não tem de demonstrar a sua inocência: esta presume-se. O que a acusação/deliberação faz é dar valor ao anacrónico princípio de que a arguida é culpada se não conseguir provar que é inocente, o que é completamente diferente e errado. Deverá, em primeiro lugar considerar-se a inconstitucionalidade dos normativos que regem a atribuição de competências para a avaliação de mérito e exercício do poder disciplinar por parte da entidade recorrida. Nestes termos impetra-se a este Conselho a declaração da nulidade e/ou anulação da deliberação com base na verificação da inconstitucionalidade e, se assim se não entender, dos vícios enunciados. 2.2. Mas o Conselho Superior da Magistratura, em 11Fev03, julgou improcedente o recurso: A veio recorrer dessa deliberação junto do CSM, nos termos de fls. 2 a 13, concluindo pela declaração da "inconstitucionalidade das normas ao abrigo das quais foi emitida, por manifesta violação do nº. 3 do artigo 218º da CRP ou, se assim se não entender, pela verificação dos vícios de violação de lei - artigo 131º do EFJ - com base em erro nos pressupostos de facto e de direito para a punição e, ainda, por violação dos artigos 124º e 125º do CPA, por verificação de vício de forma por falta de fundamentação, sendo esta exigida no caso concreto equivalendo a tal situação a obscuridade e insuficiência da mesma, declarando-se a final a nulidade ou anulabilidade do acto que ora se põe em crise". Da prova produzida e documentada nos autos resultam os seguintes factos: 1- A, exerceu interinamente funções de secretária Judicial do Tribunal Judicial de ..., de 8.9.1989 a 8.11.1991; a ela competia, além do mais, dirigir os serviços da secretaria, providenciando pelo normal andamento dos mesmos, assim como exercer a função de fiel depositário do arquivo, valores e objectos respeitantes a processos; em 13.2.90, deu entrada na Secretaria Judicial de ... uma participação da PSP daquela vila, em que era queixoso B, acompanhada de uns autos de declarações e da importância de 47.525$00, quantia esta que vinha dentro de um envelope; aquela participação foi autuada como inquérito, o qual, uma vez registado tomou o nº. 81/90; em 2.3.90, o Escrivão de Direito C, fez entrega à recorrente da citada importância de 47.525$00, por termo nos autos; em 7.3.90 o Ministério Público ordenou o arquivamento do inquérito, não se pronunciando sobre o destino a dar à quantia apreendida, tendo sido aposto o "visto em correição", em 3.4.90; a recorrente, apesar de possuir, desde 2.10.89, um livro próprio para registo dos valores e bens apreendidos em processos crime, não registou no mesmo aquela apreensão; aliás, a recorrente, durante o tempo em que ali exerceu funções, apenas fez um registo, o relativo ao Inquérito nº. 108/90, em 1990, e oito em 1991, nada constando sobre o Inquérito nº. 80/90 (o dos autos); em Novembro de 1991, a recorrente deixou de exercer funções de Secretária na Comarca de ..., tendo sido substituída pelo Secretário Judicial D; este funcionário, ao tomar posse, não encontrou dentro do cofre qualquer envelope com a importância de 47.525$; em Dezembro de 1994, o queixoso nos referidos autos, B, deslocou-se ao Tribunal Judicial de ... para saber do destino dado aos citados 47.525$; compulsados os autos, verificou-se que aquela importância havia sido entregue à recorrente, a qual não providenciou pela sua guarda em lugar seguro (cofre ou outro), nem providenciou para que fosse depositada na CGD; entretanto, em finais de 1994 a recorrente foi contactada pelo funcionário E que lhe expôs a situação; em 13.1.95 o mesmo funcionário contactou pessoalmente a recorrente no intuito de resolver a situação, tendo-lhe esta passado a seu favor o cheque nº ..., sobre a sua conta pessoal nº ..., da ..., no valor de 47.000$; em 2.4.95, B apresentou um requerimento a solicitar a entrega da referida importância, tendo o Mmo. Juiz, em 3.5.95, indeferido tal pretensão, por não ter sido requerido levantamento de tal quantitativo no prazo de 3 meses; no mesmo despacho, declarou-se a importância perdida a favor do Estado Português e ordenou-se o depósito da mesma; em 13.5.95, depositaram-se 47.000$, relativos ao cheque passado pela recorrente, acrescidos de 525$00; a recorrente sabia que estava obrigada a depositar os dinheiros apreendidos na CGD, ou a guardá-los em local seguro, bem como a prestar contas de tal quantia, quando deixou de exercer funções no Tribunal Judicial de ..., o que não fez; não cumpriu os deveres inerentes ao cargo; possui mais de dez anos de serviço com bom comportamento; no Tribunal Judicial de ... era usual guardarem-se os valores e dinheiro no cofre, sendo que a chave estava acessível aos funcionários; no Tribunal Judicial de ..., ocorreram obras, tendo sido necessário mover o cofre e as estantes. Cumpre apreciar e decidir. Quanto à questão da eventual inconstitucionalidade. Como se sabe o Conselho Superior da Magistratura é um órgão administrativo. Poderá, então, a Administração deixar de cumprir leis por motivo da sua inconstitucionalidade? Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmam que "a solução tradicional (aliás, a mais conforme ao sistema constitucional) é a de que, em princípio, ela está imediatamente subordinada à lei, não podendo deixar de cumpri-la a pretexto da sua inconstitucionalidade" (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 924). Significa esta posição que o CSM, enquanto órgão da Administração não pode recusar a aplicação de normas infraconstitucionais com o fundamento de serem tais normas inconstitucionais. A CRP, no seu artigo 204º, atribui aos tribunais e não a outros órgãos a competência para apreciação da inconstitucionalidade das normas infraconstitucionais. Eventualmente apenas assim não será quando se estiver no domínio dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18º da CRP) e, ainda assim, apenas quando a inconstitucionalidade for flagrante e manifesta, op. cit., p. 924. Deste modo, resolvida fica a questão por este Conselho. Erro nos pressupostos de facto e de direito. Alega, de seguida, padecer o acórdão em reclamação de determinados vícios, concretamente erro sobre os pressupostos de facto, não ter sido devidamente ponderada a personalidade do arguido e verificar-se "ilegalidade da agravante da acumulação de infracções". Vejamos se assiste razão à reclamante. Pretende a reclamante ver alterada a matéria dada como provada e substituída por outra factualidade que ela entende ter-se provado durante o inquérito. O que a recorrente pretende é ver dados como provados outros factos que não aqueles que serviram de suporte ao acórdão recorrido. Não lhe assiste qualquer razão. Os factos dados como provados no acórdão em reclamação mostram-se devidamente fundamentados e não se vislumbram razões para alterar tal factualidade. Os factos dados como provados são aqueles...

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