Acórdão nº 03P2301 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelSILVA FLOR
Data da Resolução29 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Na 8.ª Vara Criminal de Lisboa, em processo comum registado com o n.º 77/00, da 2.ª Secção, por acórdão de 05-04-2002: a) O arguido A foi condenado pela co-autoria material de um crime de lenocínio previsto e punido pelo artigo 170.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei 64/98, de 2 de Setembro, na pena de 4 anos de prisão, pela autoria material de um crime de extorsão na forma tentada previsto e punido pelos artigos 223.º n.os 1 e 3, alínea a), com referência à alínea a) do n.º 2 do artigo 204.º e à alínea b) do artigo 202.º, 22.º e 23.º, todos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, e pela autoria material de um crime de ameaças previsto e punido pelo artigo 153.º, n.os 1 e 2, com referência ao artigo 132.º n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão. Em cúmulo jurídico destas penas parcelares foi condenado na pena de 5 anos de prisão; b) O arguido B, foi condenado pela co-autoria material de um crime de lenocínio previsto e punido pelo artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 64/98, de 2 de Setembro, na pena de 2 anos de prisão, pela co-autoria material de um crime de lenocínio previsto punido pelo artigo 176.º n.os 1 e 3, do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, e pela co-autoria material de um crime de lenocínio previsto punido pelo artigo 170.º n.os 1 e 2, do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei 64/98, de 2 de Setembro, na pena de 3 anos de prisão. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 7 anos de prisão; c) Os arguidos C e D foram absolvidos dos crimes de lenocínio de que tinham sido acusados; d) Foram declarados perdidos a favor do Estado: O veículo automóvel marca "Mercedes Benz" modelo 190, 2.5 Turbo, matrícula CZ; As quantias depositadas nas contas bancárias congeladas; Os preservativos, vibradores, dilatador anal e mais utensílios destinados a fins sexuais que se encontram apreendidos; A "Pensão ..." constituída pelos 1º, 3º e 4º andares do n.º ... da Rua Francisco Sanches, em Lisboa. e) E foram também declarados perdidos a favor do Estado: O veículo automóvel marca "Toyota", modelo Supra, matrícula DA; A moto Honda África Twin, matricula EV com capacetes, mala e luvas. Do acórdão recorreram para a Relação o arguido B e os interessados E e F. O primeiro peticionou a anulação do acórdão, por perda de eficácia da prova com repetição do julgamento, ou absolvição do recorrente e restituição dos bens declarados perdidos. Os interessados E e F pediram a revogação do acórdão, ordenando-se a restituição dos bens declarados perdidos a favor do Estado aos seus legítimos proprietários nos seguintes termos: uma fracção do prédio por inteiro, propriedade exclusiva dos recorrentes; metade das restantes fracções, pertencente à recorrente E; metade das contas bancárias, pertencente também à recorrente E. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 28-01-2003, concedeu provimento parcial aos recursos, revogando o acórdão recorrido na parte em que declarou perdida a favor do Estado a «Pensão ...», constituída pelos 1.º, 3.º e 4.º andares do n.º ... da Rua Francisco Sanches, em Lisboa, e mantendo o acórdão na parte restante. A interessada E e o arguido B recorreram em seguida para este Supremo Tribunal. II. A interessada E formulou na motivação do recurso as seguintes conclusões: 1.ª A declaração de perda a favor do Estado de metade das quantias existentes nas contas bancárias é ilegal pois não está preenchido um dos requisitos cumulativos previstos no art. 109.°, n.º 1, do CP cuja verificação a lei faz depender a possibilidade de perda, 2.ª O douto acórdão recorrido viola, então, o art. 109.° do CP. 3.ª Isto porque a Relação de Lisboa interpretou como havendo sério risco das quantias bancárias serem utilizadas para a comissão de novos factos, ilícitos típicos. 4.ª A natureza intrínseca e utilidade social das quantias existentes em conta bancária - ou melhor, do direito de crédito sobre o depositário não se coaduna com a possibilidade de práticas criminosas e, de um ponto de vista subjectivo, a manutenção do dinheiro na titularidade da Recorrente não é causadora de alarme social. 5.ª Não pode ser aplicada a perda das contas bancárias à luz do disposto no art 109.°, n.º 1 do CP. 6.ª As contas bancárias ou as quantias depositadas não são um produto do crime pois não criadas ou produzidas pela actividade criminosa do marido da Recorrente, antes se incluindo nas vantagens retiradas com a prática do facto ilícito típico previsto no art. 111.°. n.° l do CP. devendo ser esta a norma aplicável. 7.ª Aliás, a declaração de perda de quantias bancárias não se pode configurar, por impossibilidade jurídica, como perda de coisas mas sim como perda de direito de crédito. 8.ª Os direitos não são, pela sua natureza, perigosos. 9.ª Devendo aplicar-se a perda de vantagens obtidas por terceiro - ou, sem conceder e por mera cautela de patrocínio, a perda de produtos na titularidade de terceiro - será inconstitucional a perda de vantagens de terceiro de boa fé. 10.º Violando-se gravemente a consagração constitucional, prevista no art. 62.°. n.º 1 da CRP, ao direito de propriedade privada. 11.ª A Recorrente é terceira de boa fé, como se alcança do douto acórdão absolutório, por não ter tido qualquer envolvimento ou conhecimento merecedor de censura e consequente desprotecção da ordem jurídica. 12.º O Direito tutela os terceiros de boa fé, atribuindo-lhes vantagens, que de outro modo não seriam atribuídas, se o terceiro desconhecer um certo estado de coisas. 13.ª A Recorrente jamais teve conhecimento da exploração criminosa da pensão e dos proventos assim obtidos pelo seu marido. 14.º O art. 111.°, n.º 2 do CP, não admite a perda de vantagens de terceiros de boa fé (bem como o art. 110.°, n.º 2 do CP não permite a perda de produtos do crime que estejam na titularidade de terceiro que não tenha concorrido, de forma censurável, para a sua produção). 15.ª A proveniência ilícita das quantias existentes nas contas bancárias não prejudica os direitos de terceiro de boa fé, no que respeita à metade que lhe pertença em virtude do regime de bens da comunhão de adquiridos. 16.ª Nos termos dos arts. 1724.° e 1730.°, ambos do Código Civil, são bem comum do casal os bens adquiridos na constância do matrimónio. 17.ª Tendo a Recorrente uma pretensão tutelada pela lei civil e pela lei penal dada sua condição de terceiro de boa fé, a declaração de perda a favor do Estado de metade das quantias depositadas nas contas bancárias é ilegal, por violar o disposto no art. 111.º, n.º 2 do CP, é inconstitucional por violar o disposto no art. 62.°, n.º 1 da CRP. Em consequência: Deve o acórdão recorrido, na parte a que o presente recurso respeito, ser revogado, substituindo-o por um outro que não declare a perda a favor do Estado de metade das quantias bancárias. III. O arguido e recorrente B formulou as conclusões que em seguida se transcrevem: 1 O tribunal de 1.ª instância ao proceder à repetição do julgamento, em obediência ao douto acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, teve uma composição diferente, porquanto uma senhora juíza que participou no primeiro julgamento não veio agora a intervir na repetição, sendo interveniente uma senhora juíza que não constituía o tribunal colectivo inicial, pelo que foi violado o artigo 32-7 da Lei Fundamental e o art. 23 da Lei 3/99 de 13 Janeiro, conforme se pode constatar pela leitura das actas dos dois julgamentos, o efectuado em Junho de 2001 e a acta de fls. 2197. 2 O MM.º Juiz Presidente em 1.ª instância constatou, na repetição de julgamento e pela leitura da acusação que havia "mais um crime de lenocínio " por parte do recorrente, o que não se verificou no primeiro julgamento ... sendo certo que não concedeu prazo à defesa nem esclareceu do facto de ter agora "detectado mais um crime", não procedendo de acordo com o estatuído no art. 358 -3 do CPP e o art. 32-1 da Constituição da República, o que determina a anulação do julgamento e sua repetição por outro tribunal colectivo, face à violação do princípio do contraditório e dos direitos da defesa, tendo o tribunal proferido "decisão surpresa", proibida pelo ordenamento jurídico vigente. 3 O recorrente apresentou contestação com 32 artigos mas a decisão omitiu os factos provados ou não provados constantes da contestação o que configura a nulidade do art. 379 e 374 - 2 do CPP. Acresce que o acórdão da Ven. Relação é omisso no exame crítico das provas produzidas e a indicar as razões pelas quais considera ilícita a cedência de quartos a outrem. Verifica-se a nulidade do art. 374-2 do CPP. 4 A decisão sob recurso confunde «cedência/utilização de quartos a troco de l000$00» com lenocínio, pois não constitui ainda crime em Portugal ceder quartos a quem os procura e a troco de uma contraprestação. 5 O exercício da prostituição foi proibido em 19 Set. 1962 pelo Dec.- Lei 44 579 Governo do Prof. Salazar o qual foi revogado pelo Cod. Penal de 1982 que punia a exploração do ganho imoral da mulher prostituta, que agora não constitui crime, e o ordenamento jurídico português vigente não censura a entrega de contraprestação pela cedência de quartos a quem os procura e utiliza, para neles dormir ou praticar actos sexuais. 6 Impedir a prostituição/lenocínio com o encerramento/perdimento de uma pensão, constitui acto inovador que, a ser executado em certas zonas de Lisboa v.g Intendente, Avenidas Novas, Bairro Alto, Cais do Sodré conduzirá a que os actos sexuais, remunerados ou não, venham a ser praticados em vãos de escada, no pinhal da mata de Monsanto e nas ruas menos iluminadas e, quiçá, às portas do Instituto Superior Técnico, sem condições de higiene com a proliferação de doenças infecciosas e a falência de centenas de pequenas empresas hoteleiras. 7 A locação de quartos/negócio de exploração de quartos e exploração da prostituição/mulher prostituta ou crime de lenocínio são realidades...

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