Acórdão nº 03P2394 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA GUIMARÃES
Data da Resolução30 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Perante tribunal colectivo, na Comarca do Entroncamento, Círculo Judicial de Abrantes, respondeu, em processo comum, o identificado arguido A, acusado, pelo Ministério Público, da prática em autoria material, de um crime de maus tratos, previsto e punido no artigo 152º, nº. 2, do Código Penal, de um crime de violação, previsto e punido no artigo 164º, nº. 1, do Código Penal, de dois crimes de ameaça, previstos e punidos no artigo 153º, nºs. 1 e 2, do Código Penal, de um crime de violação de domicílio, previsto e punido no artigo 190º, nºs. 1 e 2, do Código Penal, e de um crime de ofensas à integridade física, previsto e punido no artigo 143º, nº. 1, do Código Penal.

Os identificados B e C, assistentes nos autos, deduziram pedido cível indemnizatório contra o sobredito arguido (demandado), peticionando a condenação do mesmo no pagamento, ao B, da quantia de 2.994 euros, a título de danos morais e no pagamento, à C, da quantia de 12.483 euros, a título de danos morais, com relegação para execução de sentença do apuramento dos danos patrimoniais, alegadamente sofridos pela referida C.

No início da audiência de discussão e julgamento, o tribunal emitiu pronúncia sobre a alegada intempestividade do petitório civil (suscitada pelo arguido-demandando), tendo tal pedido sido admitido, mediante pagamento de multa, nos termos previstos no artigo 145º, do Código de Processo Civil. (cfr. fls. 550 a 554).

Realizado o julgamento, veio o douto Colectivo a acordar no seguinte (cfr. Acórdão de fls. 582 e seguintes, designadamente, fls. 620 a 622): a) em julgar procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público contra A e, em consequência, em condená-lo pela autoria material de um crime de maus tratos, previsto e punido no artigo 152º, nºs. 1 e 2 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, pela autoria material de um crime de violação, na forma consumada, previsto e punido no artigo 164º, nº. 1, do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão, pela autoria material de dois crimes de ameaça, previstos e punidos no artigo 153º, nºs. 1 e 2, do Código Penal, nas penas de sessenta dias de multa e de cento e vinte dias de multa, pela autoria material de um crime de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190º, nºs. 1 e 3, do Código Penal, na pena de noventa dias de multa, pela autoria material de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido no artigo 143º, nº. 1, do Código Penal, na pena de quarenta e cinco dias de multa e, em cúmulo, na pena única de cinco anos de prisão e duzentos e vinte dias de multa à taxa diária de cinco euros; b) em declarar parcialmente procedente por provado o pedido civil deduzido por B e, em consequência, em condenar A a pagar-lhe a importância global de dois mil quatrocentos e noventa e sete euros, a título de danos não patrimoniais; c) em declarar parcialmente procedente por provado o pedido civil deduzido por C contra A e, em consequência, em absolvê-lo do pedido a liquidar em execução de sentença e referente a danos patrimoniais e em condená-lo, a título de danos não patrimoniais, a pagar-lhe a importância global de oito mil novecentos e noventa e três euros; d) em condenar A a pagar as custas criminais e as custas dos pedidos civis na exacta proporção do decaimento, a que acresce a taxa de justiça criminal que se fixa em cinco Ucs e 1% da taxa de justiça nos termos previstos no artigo 13º, nº. 3, do decreto-lei nº. 423/91, de 30 de Outubro; e) em condenar B e C a pagarem as custas dos seus pedidos civis na exacta proporção em que decaíram, fixando o valor do pedido ilíquido deduzido pela lesada C em dois mil e quinhentos euros; f) em decretar o perdimento a favor do Estado do revólver de marca "Amadeo Rossi", calibre .38, com o nº. N-438667; g) em ordenar a remessa de boletim aos serviços de identificação criminal e, bem assim, de certidão da presente decisão à Direcção Geral dos Serviços Judiciários (artigo 66º, nº. 5, do Código Penal); h) em ordenar que o condenado continue a aguardar os ulteriores termos processuais na situação em que se encontra, uma vez que, com a prolação da presente decisão, saem reforçadas as exigências cautelares do caso; i) em ordenar o depósito do presente acórdão, após a sua leitura, nos termos previstos no artigo 372º, nº. 5, do Código de Processo Penal.

Inconformado, recorreu o condenado arguido para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. motivação e conclusões, de fls. 637 a 663), com respostas do digno magistrado do Ministério Público (cfr. fls. 671 a 673) e dos assistentes B e C (cfr. fls. 674-675).

Mas, neste alto tribunal e sequentemente a parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto (cfr. fls. 681-681v), foi prolatado acórdão no sentido de "não conhecer do recurso e ordenar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Évora, por lhe caber o seu conhecimento - art. 428º, nº. 1 do CPP ..." (cfr. Acórdão de fls. 688 e seguintes, designadamente, fls. 695v.

No Tribunal da Relação de Évora, opinou o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no sentido da improcedência do recurso (cfr. parecer de fls. 702 a 709), vindo aquela Veneranda Instância, realizada audiência e assinalando no segmento final do aresto proferido que "Não assiste, assim, razão ao recorrente ao alegar que o acórdão recorrido não contem a fundamentação para prova dos factos acusatórios e que o tribunal se excedeu ao valorar a prova, pelo que se desatende a sua pretensão", a decidir "em negar provimento ao recurso e, por isso, manter na integra o acórdão recorrido" (cfr. Acórdão de fls. 747 e seguintes, designadamente, fls. 766).

Irresignado, é do referido aresto do Tribunal da Relação de Évora que, agora, trás recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, o arguido A.

E, após extensa motivação (cfr. fls. 776 a 804), formulou as conclusões seguintes (cfr. fls. 804 a 816): 1. O Arguido, salvo o devido respeito, não se conforma com a decisão constante do douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação, por considerar não só que de acordo com as regras da experiência comum, a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão tomada, como também existiu erro notório na apreciação da prova, e também não se conforma com o sentido em que o Tribunal recorrido interpretou e aplicou as normas aos factos.

  1. Crime de Maus Tratos - diz-nos o artigo 152º, nº. 2, do CP "A mesma pena é aplicável a quem, infligir ao cônjuge, ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos".

  2. Entende o Arguido que o douto Acórdão do tribunal recorrido não deu o melhor sentido à interpretação e aplicação das normas, nomeadamente do nº. 2 do artigo 152º do CP, aos factos provados e dados como assentes.

  3. Os factos dados como provados resultam apenas das declarações exclusivas da Assistente, e estão em constante contradição com os outros factos também provados, ou seja, 5. Após as supostas agressões, e a suposta violação, a Assistente continuou a viver com o Arguido como se nada tivesse acontecido, inclusive, 6. Apenas saiu de casa no dia 30 de Outubro de 2001, passados 33 dias após a ocorrência das agressões.

  4. Perante os factos dados como provados pelo douto acórdão recorrido e que resultaram na confirmação da decisão de 1ª instância, o Arguido apenas responde que esse juízo foi formulado sobre uma insuficiência dos factos provados para decisão final, conforme o disposto no artigo 410º, nº. 2, alínea a), do CPP.

  5. Resta relembrar outros factos provados e que são: a Assistente estava casada com o Arguido há mais de 14 anos, a Assistente era licenciada e exercia a profissão de professora de ensino secundário, auferindo mais do dobro do rendimento do Arguido.

  6. Factos esses que demonstram que não existia qualquer dependência económica ou emocional da Assistente em relação ao Arguido, e que lhe permitia sair de casa a qualquer momento.

  7. O que pode, hipoteticamente, consubstanciar um perdão pelas desavenças mantidas com o Arguido.

  8. "As ofensas corporais entre cônjuges só não são perdoáveis pelo ofendido, quando cometidas com malvadez ou por egoísmo (...)" (in Ac. da Relação de Lisboa, 04.07.1984, CJ, 1984, 4, 132) 12. Ainda, no mesmo Acórdão da Relação de Lisboa se pode ler "(...) não faria sentido que o perdão do cônjuge ofendido tivesse efeitos plenos no campo da manutenção da sociedade familiar, por não ofender gravemente esta, e não os tivesse no plano criminal, e obrigasse à punição penal de um cônjuge, em virtude de uma infracção que, para os efeitos fundamentais, é legalmente considerada como leve".

  9. Mais "Admitir o contrário seria, como muito bem nota o Exmo. Juiz recorrido, uma intromissão abusiva de um Estado Totalitário na vida da sociedade familiar, não adaptada à nossa tradição, ou ao nosso sistema jurídico, e que, nos tempos actuais, não existe em qualquer Estado minimamente civilizado".

  10. E ainda no mesmo Acórdão da Relação de Lisboa "Trata-se de uma agressão (...) da qual se desconhecem as condições da sua prática, excepto que o foi no decurso de uma desavença familiar, que não deverá ter sido muito grave, pois permitiu o perdão da ofendida e a manutenção da convivência conjugal".

  11. Não existiu qualquer crime de maus tratos entre cônjuges, conforme descrito e punido no artigo 152º do CP.

  12. "Para a verificação do crime de maus tratos a cônjuge, é necessário que a conduta agressiva revista um carácter de habitualidade (...)" (in Ac. da Relação de Évora, 23.11.1999, CJ, 1999, 5, 283).

  13. Não ficou provado que o Arguido tinha condutas agressivas habituais para com a Assistente.

  14. Crime de Violação - diz-nos o artigo 164º, nº. 1, do CP "Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos".

  15. Entende humildemente o Arguido que o douto Acórdão do...

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