Acórdão nº 03P2642 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Outubro de 2003
Magistrado Responsável | SIMAS SANTOS |
Data da Resolução | 02 de Outubro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1.1. O Tribunal Colectivo de Felgueiras, por acórdão de 9.4.03, decidiu: Absolver o arguido ASM da prática de um crime de rapto [art. 160°, n.º 1, al. a)], de um crime de roubo [arts. 210°, n.º 2, al. b)] e de um crime tentado de coacção [art. 154°, n.º 1, 22°, 23° e 73°, todos do C. Penal] de que vinha acusado. Condená-lo, como autor de: - 1 crime tentado de roubo agravado dos arts. 210°, n.°s 1 e 2, al. b), 204°, n.º 2, al. f), 22°, 23° e 73° do C. Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; - 1 crime de furto simples do art. 203°, n.º 1, do C. Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão; - 1 crime tentado de extorsão dos arts. 223°, n.º 1, 22°, 23° e 73°, do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; - em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 1.2. O Ministério Público recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo na sua motivação: 1 - Sendo a privação da liberdade elemento comum aos crimes de sequestro de rapto, p. e p., respectivamente pelos art. 158° e 160°, do C.P., o que os diferencia é a exigência do dolo específico consubstanciado nas diversas alíneas do art. 160º, pelo que, o crime de rapto é um "mais" relativamente ao crime de sequestro. 2 - Acolhendo o Acórdão como provado que o agente privou de liberdade o ofendido para se apropriar de dinheiro deste, deveria tê-lo condenado como autor do crime de rapto, nos termos do art. 160°, n.º 1, al. a), do C.P., e não, como aconteceu, pelo crime de sequestro; 3 - Pretendendo o agente com a privação de liberdade da vítima, apropriar-se com violência de bens a esta pertencentes, e tendo na sua actuação atado as mãos desta e especialmente tapado a sua visão com um gorro que lhe pôs na cabeça e que em nada era necessário para concretizar aquela apropriação, verifica-se um manifesto excesso que autonomiza o crime de rapto ou de sequestro, relativamente ao crime de roubo, pelo que deveria o Tribunal, ao contrário do que fez, ter condenado o agente em concurso real de infracções por aqueles crimes. 4 - Tendo-se o agente, que já cumpriu antes pena de prisão pêlos crimes de e de extorsão, escondido dentro da mala do carro da ofendida, onde esperou por está ira a assaltar, apontando-lhe uma navalha ao pescoço enquanto a obrigava a conduzir, atando-lhe os pulsos, tapando-lhe a visão com um gorro, numa actuação que durou cerca de uma hora, tais factos, agravam substancialmente a sua culpa e ilicitude fixando-as a níveis bastante elevados dos tipos de crime preenchidos; 5 - Verificando-se ainda que o arguido agiu com acentuada culpa, - dolo directo, acentuada ilicitude e sendo prementes as exigências de prevenção geral e especial, deveria, ao contrário do que foi decidido, ser condenado em penas que se enquadrassem nos patamares superiores das respectivas molduras penais; 6 - Deste modo deveria o arguido ser condenado nas seguintes penas concretas, atenta a incriminação atrás defendida: a) - Pela prática de um crime de rapto, p. e p., pelo art. 160°, n.º 1, al. a), do C.P. na pena de 5 anos de prisão; aa) - Caso se entenda que os factos acolhidos integram, não o aludido crime de rapto mas sim o crime de sequestro, p. e p., pelo art. 158°, n.º 1, do C.P., na pena de 2 anos de prisão; b) - Pela prática de um crime de roubo, na forma tentada, p. e p., pelos art. 20°, n.ºs 1 e 2, al. b), 204°, n.º 2, al. f). 22ºe 23° todos do C.P., na pena de 7 anos de prisão; c) - Pela prática de um crime de furto, p e p., pelo art. 203°, nº 1, do C.P., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; d) - Pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, p. e p., pelo art. 23°, n.º 1, 22° e 23ª do C.P., na pena de 1 ano e 7 meses de prisão; E, em cúmulo jurídico, na pena de 10 anos de prisão se se entender, como defendemos, estar em causa o crime de rapto, ou 8 anos e 6 meses de prisão se for o crime de sequestro, Penas estas que se nos afiguram justas e proporcionais à culpa e ilicitude do arguido. 7°- Violou o Acórdão em crise o disposto nos arts. 374°, n.º 3, al. a), do C. P.P., 30.º, n.º 1, 71°, 158º, n.º 1, 160°, n.º 1, al. a), 210°, n.º 1 3 2, al. b), 204°, n.º 2, al. f), 22° e 23º, 203°, n.º 1, e 223.º, n.º 1, 22° e 23°, todos do Código Penal. Pelo que, revogando-se o Acórdão e substituindo-se por outro que estabeleça a incriminação e condene o arguido nos termos propostos, Farão VOSSAS EXCELÊNCIAS Justiça. 1.3. Não foi apresentada resposta. IINeste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público. Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, no decurso da qual o Ministério Público se pronunciou pela punição em concurso real pelo crime de rapto, com agravação das penas parcelares e única que se deve situar entre os 7 e os 8 anos e a defesa remeteu para os elementos dos autos. Cumpre, assim, conhecer e decidir. IIIE conhecendo. 3.1. Suscita o Ministério Público as questões: - Da qualificação jurídica da conduta do arguido que, face aos factos dados como provados, cometeu em concurso real os crimes de roubo e rapto, ou não se entendendo assim, de roubo e sequestro; - Da medida concreta das penas infligidas. Questões que irão ser conhecidas separadamente e por esta ordem. 3.2. Importa, porém, ter em atenção a matéria de facto assente pelo Tribunal recorrido. É ela a seguinte: 1) No dia 26 de Setembro de 2002, durante a tarde, cerca das 15 horas, o arguido ASM apanhou o autocarro da empresa ..", que efectua o percurso Felgueiras "Hospital Vale de Sousa" de Penafiel, tendo como destino esta cidade de Penafiel; 2) Uma vez chegado àquela localidade, o arguido ASM percorreu várias artérias e locais daquela cidade, durante essa tarde, e encontrando-se então junto ao edifício da Associação Empresarial de Penafiel, abeirou-se de um veículo automóvel de matrícula ...-10, marca "Citroën", modelo "Saxo", cor branca, pertencente à ofendida SHMC, a qual havia estacionado este mesmo veículo no respectivo parque de estacionamento ali existente, por volta das 20,30 horas, dirigindo-se subsequentemente para o interior do edifício, local onde dava aulas de formação profissional; 3) Uma vez junto a esse veículo, o arguido apercebeu-se que a mala se encontrava aberta e pela mesma penetrou no seu interior, a fim de se apropriar de alguma quantia ou objecto de valor que ali se encontrasse para fazer face à aquisição de produtos estupefacientes, pois que, na ocasião, era toxicodependente, mormente de heroína, e encontrava-se desempregado; 4) Não tendo encontrado qualquer quantia em dinheiro ou objecto de valor, o arguido decidiu, então, esconder-se na mala do citado veículo, esperando, de seguida, pelo regresso da ofendida SHMC, que já antes a havia avistado, a fim de a surpreender e apropriar-se de dinheiro desta; 5) Cerca das 23 horas, a ofendida SHMC regressou ao referido veículo, colocou-o em marcha e abandonou de seguida o local, dirigindo-se para a Estrada Nacional n.º 15, no sentido de marcha de Penafiel para Amarante; 6) Alguns minutos depois, o arguido saiu da mala onde se encontrava, através do banco traseiro, e impedindo com a sua mão esquerda na porta do condutor que a ofendida saísse do veículo, abordou-a, pelas costas, com um gorro na cabeça e empunhando, na sua mão direita, um dos canivetes que trazia consigo, apreendidos e examinados nos autos a fls. 168, que de imediato apontou à ofendida, ao mesmo tempo que lhe dizia para ter calma e que só queria dinheiro, perguntando-lhe designadamente se tinha 100 contos para lhe dar; 7) Como a ofendida lhe disse que não tinha esse dinheiro, o arguido passou o referido canivete da mão direita para a mão esquerda, mantendo-o encostado ao pescoço da ofendida, enquanto começou a revistar-lhe a carteira que então colocou sobre o banco do passageiro, para ver que dinheiro é que a ofendida trazia consigo, ao mesmo tempo que lhe perguntava se tinha cartões multibanco; 8) Confirmando então que a ofendida tinha cartões de multibanco, o arguido ordenou, sempre com o canivete encostado ao seu pescoço, que a ofendida prosseguisse a marcha do veículo em direcção a uma caixa de multibanco, a fim de levantar dinheiro da conta da ofendida; 9) Então, a ofendida conduziu o seu veículo automóvel no sentido de marcha de Estrada Nacional n.º 15 - Vila de Vila Meã, visando com tal atitude ser vista por alguém conhecido que a pudesse ajudar, pois que vive nessa localidade, enquanto dizia ao arguido que naquela localidade (Vila Meã) existiam caixas de multibanco onde ele poderia levantar dinheiro; 10) Porém, logo que soube, por intermédio da ofendida, que a mesma vivia em Vila Meã, o arguido obrigou a ofendida a efectuar inversão de sentido de marcha e a dirigir-se novamente para a Estrada Nacional n.º 15, retomando o sentido de marcha de Penafiel para Amarante, dirigindo-se para a cidade da Lixa; 11) Uma vez chegados a esta localidade, a ofendida, sempre sob ordens do arguido, conduziu o veículo para o recinto onde se realiza habitualmente a feira da Lixa, onde parou; 12) Nesse local, o arguido amarrou os pulsos da ofendida atrás das costas, com um objecto semelhante a uma corda, no banco do passageiro ao lado do banco do condutor, colocando-lhe depois o gorro de malha, de cor escura, que trazia na cabeça da ofendida, tapando-lhe a visão frontal, passando, de seguida, para o lugar do condutor; 13) Depois, o arguido conduziu o veículo da ofendida para o centro da Lixa, no intuito de localizar uma caixa automática de multibanco para proceder ao levantamento de dinheiro, acabando por imobilizar o veículo junto da agência do Banco ..., onde existe uma caixa de multibanco interior; 14) Todavia, acabou por desistir dos seus intentos, uma vez que se lembrou da possibilidade de naquela caixa existir um sistema de vigilância vídeo; 15) Face a tal dificuldade, o arguido resolveu regressar ao aludido parque da feira da Lixa, tendo nesse local dito à ofendida para colaborar, pois iria desamarrá-la e retirar-lhe o gorro, por forma a que fosse...
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