Acórdão nº 03P2856 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2003
Magistrado Responsável | HENRIQUES GASPAR |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A", identificado no processo, foi acusado pelo Ministério Público, juntamente com outros cinco indivíduos, imputando-lhes a autoria material, por cada um, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, e Tabelas I-A e I-B, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. O arguido foi também acusado da autoria material, em concurso efectivo, por um crime de condução sem habilitação, previsto e punido no artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro.
Realizado o julgamento, o Tribunal Colectivo do Círculo de Cascais julgou a acusação procedente, e condenou o arguido A pelo crime de tráfico, previsto e punido no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de quatro anos e seis meses de prisão, e pelo crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido no artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de três meses de prisão. Em cúmulo jurídico, conforme o disposto no artigo 77º do Código Penal, o arguido foi condenado na pena de quatro anos e sete meses de prisão.
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Não se conformando com o decidido, o arguido A interpôs recurso para o Supremo Tribunal, que motivou, formulando, a final, as seguintes conclusões: 1ª. O arguido confessou os factos, tendo colaborado com os elementos das forças policiais nas investigações, fornecendo elementos concretos para o combate ao tráfico, e demonstrou encontrar-se arrependido das suas condutas sob censura; 2ª. Presentemente o arguido já não consome estupefacientes, fez voluntariamente um tratamento específico e está a ser acompanhado pela instituição "Desafio Jovem", sendo certo que, à data dos factos, consumia estupefacientes, haxixe e cocaína, desde os 18 anos de idade; 3ª. O arguido não teve tempo de ter grandes lucros com as transacções de droga, na medida em que se provou que se dedicava à aquela actividade desde data incerta, não posterior ao dia 28.1.2002 e foi detido aos 23.5.200; 4ª. O arguido tinha apenas 18 anos de idade à data dos factos, sendo modestas as suas condições sócio-económicas; 5ª. A circunstância de o arguido se encontrar preso preventivamente há mais de um ano, à ordem deste processo, fê-lo certamente reflectir sobre o crime que cometeu e os efeitos nefastos que o mesmo lhe trouxe; 6ª. Por outro lado, as necessidades de reprovação e prevenção encontram-se muito esbatidas, dado o longo período de prisão preventiva já sofrido pelo arguido; 7ª. Afigura-se que os elementos descritos acerca da personalidade do jovem arguido, fornecem sérias razões para se crer que existe adequação no recurso à atenuação especial da pena para possibilitar a sua reinserção social; 8ª. Essa atenuação deriva, assim e desde logo de ocorrer quer potencial, quer substancialmente, uma situação de poder beneficiar do regime penal para jovens delinquentes; 9ª. Crê-se, por todo o exposto, que existe forte e séria expectativa favorável de actuação futura do arguido no sentido de vir a ter a sua vida ordenada e conforme o Direito; 10ª. No caso concreto impõe-se, pelo exposto, o recurso aos princípios da proporcionalidade e equidade, em nome da justiça; 11ª. Disto resulta a plena aplicabilidade do regime estabelecido nos artigos 72° do Código Penal, e 31° do Decreto-Lei n.° 15/93; 12ª. Face a esse circunstancialismo, «pugna-se como criteriosa e adequadamente doseada» que ao arguido, pelo crime de tráfico p. e p. no artigo 21º do Decreto-Lei n.° 15/93, fosse aplicada a pena de 2 anos e nove meses de prisão; 13ª. Pelo crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no art. 3°, nº 2, do Decreto-Lei n.° 2/98, três meses de prisão; 14ª. Em cúmulo jurídico, na pena única de três anos de prisão; 15ª. Dado não convergirem particulares exigências de prevenção em concreto, não faz sentido o cumprimento efectivo de uma pena de prisão pelo arguido, sendo verosímil a sua reinserção social; 16ª. Parece, no caso sub judice, bastar a simples censura do facto e a ameaça da pena para afastar o arguido da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime; 17ª. Deve, por conseguinte, ser suspensa a execução dessa pena, pelo período de cinco anos (art. 48° Código Penal); 18ª. Ao entender diversamente, o acórdão violou, designadamente e por erro de interpretação, os artigos 71°, 72°, 73°, 74° do Código Penal.
Pelo exposto, o recorrente pede que seja dado provimento ao recurso, substituindo-se a decisão recorrida por outra que o condene, em cúmulo, na pena única de 3 anos de prisão, e suspenda a sua execução pelo período de cinco anos.
O Ministério Público, na resposta à motivação, aproxima-se da posição do recorrente, fazendo referência à aplicação do regime especial dos jovens adultos, e sustenta na conclusão da sua resposta, que «tendo em conta que o Colectivo da primeira instância deu como provado que o arguido, então com 18 anos de idade, tem uma filha de pouco mais de um ano de idade, confessou, mostrou arrependimento (...) e colaborou sempre com as forças policiais, não repugna ao Ministério Público, tal como afirmara nas alegações orais em sede de audiência de julgamento, que a pena de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes seja substancialmente diminuída de modo à sua execução ser suspensa pelo período de 5 anos e que seja condenado em multa pelo crime de condução sem carta, assegurando-se, assim, o objectivo principal das penas que é o da reinserção social do delinquente».
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Neste Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416º do Código de Processo Penal, considerou nada obstar ao conhecimento do recurso.
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Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, com a produção de alegações, cumprindo apreciar e decidir.
O Tribunal Colectivo considerou provados os seguintes factos: 1. Os arg°s A e B, tio e sobrinho respectivamente, dedicam-se desde data incerta, sendo o primeiro desde data não posterior ao dia 28.1.2002 e o segundo desde Maio de 2002, à compra, transporte, guarda e revenda de heroína e de cocaína no Bairro do Pinhal do Fim do Mundo, Galiza / São João do Estoril / Cascais.
Para tanto, permanecem nas ruas desse bairro, e o arguido A, por si ou através de indivíduos escolhidos para o efeito, entrega doses dessas substâncias aos consumidores que ali se dirigem para se abastecer e em contrapartida recebe dinheiro.
As operações de preparação e venda das drogas pertencentes ao arguido A e ao arguido B desenvolveram-se fundamentalmente a partir da barraca n° 136, situada na parte superior do bairro, e repetiram-se diariamente até ao dia 22.5.2002, data em que o primeiro foi detido. O arguido A vivia nessa barraca com a arguida C, a qual o auxiliava na guarda e nas vendas de drogas.
O arguido A, actuando no local referido (Barraca nº 136 do Bairro do Fim do Mundo), e pelo menos entre 28 de Janeiro e 22 de Maio de 2002, vendeu por várias vezes, a consumidores que procuravam droga, embalagens de cocaína e heroína, conforme verificação feita em diligências de vigilância: nove ocorrências de venda no dia 28 de Janeiro de 2002; oito no dia 29; duas no dia 30; duas no dia 7 de Maio; três no dia 9; três e recebimento de dinheiro (pagamentos) no dia 14; quatro no dia 16; e três no dia 22 do mesmo mês.
No dia 22 de Maio de 2002, pelas 15h30, a PSP dirigiu-se ao bairro e o...
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