Acórdão nº 03P3157 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução13 de Novembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.1.

O Ministério Público acusou o arguido A, com os sinais nos autos, em 22. 4. 94, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelos arts. 23.° e 24.° do Decreto n.° 13004, de 27 de Dezembro de 1927, com a redacção dada pelo DL n.° 400/82, de 23 de Setembro, pelo art. 11º n.° 1, al. a), do DL n.° 454/91, de 28 de Dezembro, em conjugação com os arts. 313.°, n.° 1, e 314.°, al. c), do CP de 1982.

Os factos haviam ocorrido em 20.4.91, sendo certo que através de despacho datado de 8.3.96 o arguido foi declarado contumaz.

O Senhor Juiz do 2.° Juízo Criminal de Lisboa, por despacho de 25.10.02 [ comum singular n.°32.761/gl.D.LGB (67/95), 2° Juízo -2 Secção], decidiu: «1. não aplico, por os julgar inconstitucionais, os artigos 335º e 337º do CPP/1987, conjugados com o artigo 120.°, n.° 1, al. d) do CP/1982, na interpretação segundo a qual a declaração de contumácia pode ser equiparada à causa aí prevista, e 2. não aplico, por os julgar inconstitucionais, os artigos 335º e 337º do CPP/1987, com o artigo 119º, n. 1, do CP/1982, na interpretação dada pelo STJ no assento n.° 10/2000, 3. e, em consequência, declaro prescrito o procedimento criminal e cessada a contumácia e determino o oportuno arquivamento dos autos.

Notifique e, após, trânsito, dê publicidade legal (artigo 337º, n.° 6 do CPP).» Para tanto, aí se explanou: «Os factos tiveram lugar em 20.4.1991.

O arguido foi declarado contumaz a 8.3.1996 (fls. 106).

O arguido está acusado da prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelos artigos 23º e 24º, sem especificação de alínea, do Decreto n. 13.004, de 12.1.1927, na redacção do artigo 5 º do Decreto-Lei n. 400/82, de 23.9, e pelo artigo 11º do Decreto-Lei n.° 454/91, de 28.12 e artigos 313º, e 314º, ai. c) do CP. Contudo, a acusação foi recebida, mas o Tribunal alterou a qualificação do crime, considerando que apenas se indiciava um crime p. e p. pelo artigo 11º do Decreto-Lei n.° 454/91, de 28.12, conjugado com o artigo 217º, n.° 1 do CP.

O prazo de prescrição do procedimento criminal é de dez anos em face da acusação e de cinco anos em face do despacho de fls. 98. De uma maneira ou de outra, não se verificaram quaisquer factos que interrompessem ou suspendessem aquele prazo de prescrição, nos termos dos arts. 119.° e 120.° do CP/1982.

Com efeito, atenta a data dos factos, são aplicáveis os artigos 119.° e 120.° do CP/1982. As causas de interrupção e de suspensão da prescrição do procedimento criminal previstas naqueles artigos reportavam-se ao CPP/1929 e não podem ser aplicadas nem integradas analogicamente pelo CPP/1987, como tem decidido o Tribunal Constitucional (vd. Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.° 205/99, de 7.4.99 e n.° 122/00, de 23.2.00, in respectivamente DR. II Série, de 5.11.1999 e de 6.6.2000).

Decorre, pois, desta jurisprudência constitucional a manifesta inconstitucionalidade, por violação do artigo 29.°, n.°s 1 e 3 da CRP, da equiparação, já tentada nos tribunais, da causa de prevista no artigo 120.°, n.° 1, al. d) do CP/1982, com a declaração de contumácia (vd. CJ, volume 1, p. 149), por a omissão da contumácia entre as causas de interrupção da prescrição constituir uma "lacuna insusceptível de ser preenchida" (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Editorial Notícias, 1993, p. 710). Também não pode proceder a consideração da declaração de contumácia como uma causa de suspensão da prescrição, nos termos do assento n.° 10/2000, de 19.10.2000, que consubstancia uma aplicação analógica e retroactiva a factos anteriores a 1.10.1995 de uma causa de suspensão inexistente no CP/1982 (a declaração de contumácia).

O argumento usado na fundamentação do assento de que "a expressão usada «casos especialmente previstos na lei» não se quer referir a denominações, mas a situações, a certos conteúdos. É isto que interessa, e não o nome que se lhes aplica. Para efeitos iguais tem de haver soluções idênticas" consubstancia uma clara interpretação analógica, especialmente visível na última frase citada Ora, as causas de interrupção e de suspensão do procedimento criminal devem ser interpretadas restritivamente e constituem um catálogo apertado que se refere apenas aos institutos processuais vigentes à data da criação da lei que regulamenta a lei da prescrição, como manda a boa doutrina (cfr. Adolf Schonke e Horst Shroder, Strafgesetzbuch Kommentar, München, editora Beck, 1991. p. 945, e Eduard Dreher e Herbert Trondle Strafgesetzbuch Kommentar, München. editora Beck, 1995, p. 606), seguida uniformemente pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça alemão, o Bundesgerichtshof (BGH-Entscheidungen, vol. 4, p. 135, vol. 18, p. 278, vol. 26, p. 83, e vol. 28, p. 281). Esta doutrina e esta jurisprudência são particularmente significativas, porque o Código Penal português de 1982 reproduz praticamente o sistema alemão previsto nos § 78, 78 a. 78 b, 78c. e. 79, 79 a, e 79 b do Código Penal alemão, sendo ainda mais restrito do que este direito, por prever menos causas de suspensão e de interrupção. O intérprete português não pode, portanto, ignorar o elemento interpretativo sistemático e teleológico que inspirou o legislador português em 1982, sob pena de se estar a substituir ao legislador.

Coloca-se ainda o problema de saber qual das duas questões de inconstitucionalidade deve este Tribunal conhecer primeiro, o que não é irrelevante para efeitos da interposição do recurso desta decisão.

O conhecimento da inconstitucionalidade do artigo 120º do CP/1982 é prévio ao conhecimento da inconstitucionalidade do artigo 119º do CP/1982, uma vez que a interrupção é mais gravosa para o arguido do que a suspensão da prescrição. Deve, pois, este Tribunal conhecer primeiro da questão da inconstitucionalidade do regime das causas de interrupção da prescrição e depois da inconstitucionalidade do regime das causas de suspensão da prescrição, ficando deste modo salvaguardada a prioridade...

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