Acórdão nº 03P3202 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Fevereiro de 2004

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO 1. No processo comum colectivo nº. 1829/02.0TAVNG da 1ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia, por acórdão de 14.05.2003, foi para além do mais, decidido: Condenar o arguido A, id. nos autos, pela prática, em autoria material e em concurso real de : a) - um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143º, 144º, alíneas b) e c) e 146º, todos do C. Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; b) - um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artº. 200º, nºs. 1 e 2, do mesmo diploma legal, na pena de cinco meses de prisão; c) Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de quatro anos e oito meses de prisão. 2. Inconformado recorreu o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo [transcrição]: «1) Tendo o Arguido sido condenado pela prática de crime doloso, ofensa à integridade física qualificada, não se justificaria a sua condenação pela prática do crime de omissão de auxílio, porquanto este se consumou naquele, dada a preterintencionalidade do agente na produção do crime doloso, não lhe sendo exigível cumprir com o dever de solidariedade social, uma vez que o resultado pretendido alcançar era, de facto, o de atentar contra a integridade física do Ofendido. 2) Verificou-se, ainda, exagero na condenação do arguido, o que constitui uma errónea aplicação das normas constantes dos artigos 70º e 71º do C. Penal. 3) A qual se reflecte no que diz respeito à medida da pena (4 anos e 6 meses), atendendo ao facto de o Arguido ser primário, não lhe sendo conhecidos antecedentes criminais, a sua idade e situação sócio-económica. Em consequência, deveria ser revogada a sentença, substituindo-se a mesma por uma outra que absolvesse o arguido da prática do crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200º, nº. 2 do C. Penal e que reduzisse a pena concretamente aplicada à pena de 3 anos de prisão, suspensa por três anos, satisfazendo-se, desta forma, as necessidades de prevenção geral, especial e de ressocialização. 3. Respondeu o Ministério Publico, concluindo pela procedência parcial do recurso, considerando-se que o arguido «terá somente cometido o crime de ofensa à integridade física grave qualificada pp. pelas disposições conjugadas dos artºs. 143º, 144º, als. b) e c), e 146º, do C. Penal», não lhe merecendo, por outro lado, qualquer reparo a medida das penas. 4. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Publico teve vista dos autos, promovendo a designação de data para audiência. Colhidos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento. Nesta, o arguido foi advertido, na pessoa do seu douto patrono, de, na eventualidade de ser absolvido pelo crime de omissão de auxílio, a factualidade correspondente poder integrar a circunstância da alínea d) do artº. 144º do CP. Cumpre agora decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO 5. Factos provados a) No dia 9 de Janeiro de 1998, pelas 15 horas e 30 minutos, o arguido, após ter ingerido bebidas alcoólicas ao almoço, sentou-se ao volante do veículo automóvel de matrícula 88, sua pertença, e conduziu-o pela E.N. nº. 1, no sentido Grijó-Carvalhos. b) Ao chegar ao Km 292,300 da referida via, situado na Feiteira, perto de uma paragem de autocarros ali existente, o arguido deparou com o ofendido B, seu vizinho, com quem tinha tido uma acesa discussão no inicio da tarde desse mesmo dia e de quem tinha apanhado, nessa altura, alguns murros. c) O mesmo caminhava, na altura, pela berma em sentido contrário ao do arguido, ou seja, no sentido Carvalhos-Grijó (Norte-Sul), a uma distância de, pelo menos, um metro em relação à faixa de rodagem. d) Apesar de ter a via à sua frente livre e aproveitando o facto do ofendido se encontrar completamente indefeso, o arguido, com o intuito de se vingar dos murros que lhe tinham sido infligidos, guinou o volante do automóvel para a direita, atento o seu sentido de marcha, tendo invadido a berma da estrada por onde circulava o ofendido B, atropelando-o com a frente direita da viatura. e) Em virtude do embate, o B foi projectado para o ar, tendo caído em cima do pára-brisas, acabando por se estatelar na berma da estrada, onde ficou imobilizado, após ter batido com a cabeça. f) Do embate acima descrito, resultou-lhe, directa e necessariamente, extensa ferida crânio-cerebral fronto-temporal à esquerda, fractura cominutiva fronto-temporal esquerda, com afundamento e contusão fronto-parietal esquerda e efeito de massa frontal, hematoma extradural temporal esquerdo, fractura da parede lateral da órbita esquerda e da asa esfenoidal do mesmo lado, e ainda fractura marginal da rótula direita, fractura da estilóide radial à direita, lesão ligamentar complexa do joelho direito, apresentando arrancamento tibial do LCA com pouco desvio de fragmento ósseo da cabeça do peróneo, tendo sido submetido a correcção cirúrgica da ferida crânio cerebral. g) Os ferimentos acima descritos determinaram ao ofendido um período de doença compreendido entre 9/1/98 e 31/3/2000, com afectação grave da capacidade de trabalho entre 9/1/98 e 30/6/98, tendo-lhe advindo, como lesões permanentes, epilepsia pós-traumática, cicatrizes lineares resultantes de intervenção cirúrgica situadas no hemicrânio esquerdo e área de depressão fronto-parietal de 6 por 8 centímetros. h) Em virtude das lesões atrás descritas, o ofendido ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente para o trabalho não inferior a 60%. i) Ao actuar como se descreveu, o arguido fê-lo com a intenção alcançada de utilizar a sua viatura automóvel, que sabia ser um meio capaz de colocar a vida das pessoas em perigo e do qual as mesmas não se podiam defender quando caminhavam pelos seus próprios meios, para ofender gravemente o B no seu corpo e saúde, retirar-lhe parte da sua capacidade de trabalho e provocar-lhe doença permanente. j) Apesar de se ter apercebido perfeitamente do estado de saúde em que se encontrava a vítima e do perigo de vida que a mesma corria, o arguido prosseguiu a sua viagem sem lhe prestar qualquer auxilio ou promover o respectivo socorro. k) Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis, não se inibindo de os concretizar . l) Pelas 17 horas e 3 minutos, o arguido foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue através do aparelho "Seres Ethylometre", tendo revelado uma T.A.S de 1,27 gl/litro. m) O...

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