Acórdão nº 03P756 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Abril de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução29 de Abril de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Arguida/recorrente: A (1) 1. Os Factos No dia 26-02-01, entre as 08:00 e as 16:00, a arguida conseguiu introduzir-se nos vestuários do Serviço de Oftalmologia do Hospital de S. Teotónio, em Viseu, local de acesso reservado aos funcionários que ali trabalham. Lá dentro, puxou o "respiradouro" do armário adstrito à enfermeira B, forçando-lhe a abertura, e, assim retirou daí 23.000$00 e 10 francos suíços, que gastou em seu proveito. No fim de semana de 9 a 12 de Março, ela e o co-arguido, agindo em comunhão de esforços e propósitos, introduziram-se no Jardim Escola de Guimarães, Viseu. Para o efeito partiram o vidro de uma janela e causaram também estragos na porta das traseiras (cuja reparação importou em 15.000$00). Do interior do Jardim Escola, retiraram e levaram consigo um vídeo Goldstar, no valor de 50.000$00, uma máquina fotográfica Kodac, no valor de 25.000$00, dois comandos, um vídeo e outro de televisão, e ainda 5.000$00 em dinheiro, tudo recuperado na residência do arguido. No dia 13 de Março de 2001, entre as 16:00 e as 16:20, a arguida acedeu aos vestiários de Cirurgia 2 do Hospital de S. Teotónio, local reservado aos respectivos funcionários. Usando uma chave de fendas, forçou a abertura do armário afecto à auxiliar de acção médica C, de que retirou um telemóvel Ericson, no valor de 33.000$00, a quantia de escudos 8.000$00, que gastou, com o co-arguido, com quem vivia em comum, e, ainda, um livro de cheques, a que os dois deram o seguinte destino: logo, a arguida, pelo seu punho, no lugar da assinatura, copiando a da titular dos cheques pela constante do BI, imitou-a e preencheu os demais elementos manuscritos que constam do cheque de fls. 9 do inq.441/01, apondo-lhe a data de 12.03.2001 e ordem de pagamento de 25.000$00. De seguida, os dois arguidos deslocaram-se ao estabelecimento comercial "Astronauta", em Viseu. Conhecendo o gerente, o arguido dirigiu-se-lhe e, exibindo o cheque e o BI. da titular e dizendo que era da mãe da arguida, pediu que lho trocasse pelo valor nele aposto. O gerente, quer porque conhecia o arguido quer pelas demais referências que os arguidos lhe deram, nomeadamente a exibição do BI da titular do cheque, acedeu. De seguida, os dois arguidos deslocaram-se ao estabelecimento comercial "Marinor", em Marzovelos, Viseu, em veículo conduzido pelo arguido. Aí, dentro do veículo, a arguida, actuando de forma idêntica, assinou e preencheu o cheque de fls. 6 do Inq. 511/01, nele apondo a ordem de pagamento da quantia de escudos 10.000$00. Depois, entrou no estabelecimento onde comprou umas meias de inverno e uns "boxers". Pediu à dona se podia pagar com um cheque da mãe, apresentado o BI. da titular da conta sacada. Uma vez que os arguidos adquiridos, no seu conjunto, custaram apenas escudos 4.890$, a arguida em troca do cheque, para além daqueles artigos, recebeu, em moedas e notas 5.110$00. Deslocaram-se ainda - sempre no veículo do arguido - para o estabelecimento comercial "Algodões Ideal Santa Justa", em Viseu. Actuando de forma idêntica, a arguida procedeu à assinatura e preenchimento do cheque constante de fls. 18 do Inq. 562/01, nele inscrevendo a ordem de pagamento da quantia de 15.000$. Depois de assinar e preencher o cheque, a arguida dirigiu-se ao estabelecimento, onde foi atendida por D, chefe de loja, a quem adquiriu roupa interior para homem, no valor total de 12.000$. Por isso, ao entregar o cheque, para além de pagar as peças de roupa que adquiriu, ainda recebeu, de troco, a quantia de escudos 3.000$. Também neste estabelecimento disse que o cheque era da sua mãe e exibiu, como se fosse desta, o BI de C. Os dois arguidos dirigiram-se ainda ao centro Comercial Ecovil, em Viseu, onde entraram no estabelecimento comercial de sapataria de E. Aí escolheram um par de sapatos de homem no valor de escudos 13.000$. Tal como as situações anteriores, a arguida, antes de entrar no estabelecimento, procedeu à assinatura e preenchimento do cheque de fls. 22 do Inq. 562/01, nele titulando a quantia de 20.000$. E foi com esse cheque que procedeu ao pagamento dos sapatos e veio ainda a receber, de troco a quantia de escudos 7000$. De igual modo, disse que o cheque era da mãe e, para dar mais credibilidade a essa afirmação, exibiu, como dela, o BI de C. Ainda no Centro Comercial Ecovil, os dois arguidos dirigiram-se à "Boutique Estrela", de F, tendo a arguida previamente procedido ao preenchimento e assinatura do cheque constante de fls. 73 do Inq. 441/01, nele titulando a quantia de escudos 10.000$. Foi com esse cheque que procedeu ao pagamento de uma saia no valor de 6.400$ e recebeu, de troco, a quantia de escudos 3.600$. Neste local, a arguida actuou confiante nos resultados anteriormente obtidos. Todos os cheques mencionados foram devolvidos pelo banco sacado aos proprietários dos estabelecimentos onde foram entregues em troca de mercadorias e dinheiro, sem pagamento, com a menção de "cheque extraviado". No dia 27.03.2001, entre as 17:00 e as 18:00, os dois arguidos deslocaram-se ao Centro de Saúde nº3, em Jugueiros, Viseu. Aí enquanto o arguido vigiava, a arguida dirigiu-se a uma dependência na cave, que serve de vestiário para as empregadas de limpeza, cuja porta se encontrava fechada, com a chave na porta e que arguida abriu para aí entrar. Essa dependência, na cave, é de acesso reservado aos funcionários do centro de Saúde, o que os arguidos bem sabiam, não tendo obtido autorização para o efeito. Das carteiras das empregadas de limpeza G e H retiraram, da primeira, um telemóvel Nokia, no valor de 30.000$ e ainda cerca de 4.000$ em dinheiro e, da segunda, todos os documentos pessoais e chaves do automóvel e da casa. A PSP veio, no dia seguinte, a recuperar a carteira desta última e do seu conteúdo só não foram recuperados o BI e duas cadernetas da CGD. Os arguidos actuaram com o propósito de fazerem seus os cheques e demais objectos que subtraíram, bem como as quantias e objectos que receberam em troca de cheques, bem sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade e sem a autorização dos legítimos proprietários. Sabiam também que ao entregarem os cheques como meio de pagamento, exibindo o BI. da titular da conta sacada e dizendo-a mãe da arguida, a sua conduta era idónea, como foi, a fazer crer às pessoas a quem os entregavam que deles eram legítimos portadores. Sabiam que iriam causar prejuízos patrimoniais aos comerciantes ou à titular da conta sacada. Tinham consciência de que os proventos assim alcançados constituíam benefícios injustificados. Nas circunstâncias em que actuaram em conjunto - Jardim Escola de Guimarães, preenchimento e entrega dos cinco cheques nos estabelecimentos e Centro de Saúde nº 3 em Jugueiros - fizeram-no combinados entre si, em execução de plano previamente traçado entre ambos (caso a caso) e em conjugação de esforços e intenções. Agiram voluntária, livre e conscientemente. Conheciam o carácter proibido e punível das suas condutas. 2. A Condenação Com base nestes factos, o tribunal colectivo do 3º Juízo Criminal de Viseu (2), em 20Maio02 (3), condenou A (4), como autora de quatro crimes de furto qualificado (5), um crime continuado de falsificação de cheques e um crime continuado de burla, nas penas parcelares, respectivamente, de 8 meses de prisão, 8 meses de prisão, 2 anos e 4 meses de prisão, 8 meses de prisão, 2 anos de prisão e 6 meses de prisão, e, pelo respectivo concurso criminoso (6), na pena conjunta de quatro anos e meio de prisão: Os factos (Hospital de Viseu - vestiários de Oftalmologia) integram os elementos tipo objectivo do crime de furto qualificado pela al. e) do nº1 do artigo 204º. Com efeito, tratava-se de compartimento dotado de porta fechada, de acesso reservado ao pessoal, especificamente destinados a guardar a roupa e objectos pessoais dos funcionários do hospital durante as horas de serviço. Os factos (Jardim Escola de Guimarães), introdução em estabelecimento de ensino, através de uma janela, depois de para o efeito ter sido partido o respectivo vidro, integram os elementos do tipo objectivo do crime de furto qualificado pela al. e) do nº 1 do art. 204º. Os factos (Hospital de Viseu - vestiários de Medicina 2.) integram também os elementos tipo objectivo do crime de furto qualificado pela al. e) do nº 1 do art. 204º, pois se tratou, mais uma vez, de compartimento dotado de porta fechada, de acesso reservado apenas ao pessoal, especificamente destinados a vestiário dos funcionários do hospital. O furto dos cheques não pode ser valorado autonomamente, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, uma vez que já foram considerados enquanto parte do todo constituído pela carteira onde se encontravam. No que concerne aos factos (preenchimento dos cinco cheques e sua utilização), vêm qualificados como integrando os crimes de falsificação e os crimes de burla, em concurso efectivo, mas, relativamente ao crime de burla de que foi vítima I (Marinor"), esta desistiu da queixa. Comete o crime de falsificação de documento "quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado ou obter alcançar para si ou para terceiro benefício ilegítimo...fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outrem para elaborar documento falso". Trata-se de um crime de perigo abstracto, uma vez que o perigo não constitui elemento do tipo, mas apenas a motivação do legislador (Comentário Conimbricense ao Código Penal, anotação ao art. 256º). No caso, os módulos dos cheques emitidos eram genuínos, uma vez que emitidos por quem de direito. No entanto, tais módulos dos cheques encontravam-se ilegitimamente na posse dos arguidos, uma vez que não eram seus donos nem titulares da conta a que os cheques diziam respeito, nem tão-pouco estavam autorizados, pelo titular, a deles fazer uso, uma vez que tinham sido subtraídos contra sua vontade. Os arguidos não "fabricaram" os ditos módulos. Mas abusaram da assinatura do legítimo titular...

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