Acórdão nº 03P784 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Março de 2003

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução20 de Março de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. O Colectivo da 1.ª Vara Mista de Sintra decidiu, após julgamento do arguido PJMP, devidamente identificado, julgar a acusação parcialmente procedente por provada e, em consequência, além do mais: - Absolver o arguido da prática de um crime de atestado falso, previsto e punido pelo artigo 260º, nº 3, do Código Penal; - Absolver o arguido da prática de um crime de apologia pública do crime, previsto e punido pelo artigo 297º, nº 1, do Código Penal; - Absolver o arguido da prática de dois crimes de uso de documento de identificação alheio, previstos e punidos pelo artigo 261º, do Código Penal; - Condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de burla qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 217º, n.º 1, e 218º, nº 2, alínea b), do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão; - Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual, previsto e punido pelo artigo 172º, nº 3, alíneas d) e e) e n.º 4, do Código Penal, na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão; - Condenar o arguido pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea a) e n.º 3, do Código Penal, na pena de quinze (15) meses de prisão; - Efectuando o cúmulo jurídico das penas referidas em supra, condenar o identificado arguido na pena única de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão; Inconformado, o condenado recorre agora ao Supremo Tribunal de Justiça a quem coloca as questões emergentes do seguinte rol conclusivo: 1 - As penas parcelares fixadas para os crimes de burla qualificada e abuso sexual de crianças, respectivamente de três e dois anos e meio, devem ser reduzidas por se revelarem excessivas tendo em conta os factos dados como provados e o ressarcimento ainda que parcial dos lesados. 2 - O arguido deve ainda ser absolvido do crime de falsificação de documento por se ter verificado o arrependimento activo. 3 - Consequentemente a pena de quatro anos e meio decidida em cúmulo jurídico deve também ser substancialmente reduzida. 4 - Decidindo-se como decidiu, o Tribunal violou as normas dos artigos 71º n.º 2, 24º, 72º n.º 2 alíneas c) e d) e 172º n.º 3, alínea e) assim como o n.º 4, todos do Código Penal. Termos em que com mais que resultarão do douto suprimento de V.Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o aliás douto Acórdão no que concerne às penas parcelares e consequentemente a pena em cúmulo jurídico. Respondeu o MP junto do tribunal recorrido defendendo o julgado. Subidos os autos, a Ex.ma Procuradora-Geral adjunta registou vista do processo. As questões a decidir são em suma estas: 1. São excessivas as penas parcelares aplicadas pelos crimes de burla qualificada e abuso sexual de crianças; 2. O arguido deve ser absolvido do crime de falsificação de documento «por se ter verificado o arrependimento activo». 3. Tudo a reclamar o necessário reflexo atenuativo no cúmulo jurídico. 2. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir. Os factos provados: A) 1. No dia 20 de Setembro de 2000, o arguido expediu um envelope dirigido com a indicação do número 011402 (correspondente ao número de cliente atribuído pelo arguido ao destinatário) e com o nome de destinatário "J", apartado 761, 8200 Albufeira, com a indicação do remetente, com o seu nome truncado, por ele forjado, de «JM, Estúdio Gravação e Filmagens, Contribuinte 804216532, Apartado ... - 2710 Sintra», contendo um catálogo de pornografia, que se encontra junto de fls. 8 a 11 dos autos, onde faz publicidade de imagens sexuais, entre elas de crianças e adolescentes com menos de catorze anos de idade e de filmes pornográficos com as mesmas, nos termos desse referido catálogo; 2. Nesse catálogo o arguido expôs imagens sexuais e pornográficas explícitas, com os preços de venda e as horas de duração, com "cupão de encomenda", número de cliente (o de fls. 8 é o "Cliente n.º 011402"), com o título-resumo do conteúdo de cada filme e com frases apelativas, como «Veja neste filme a descoberta sexual da adolescência, eles querem-nas, elas pretendem gozar sexualmente. Será que eles vão conseguir?» e ainda com notas indicando que se trata de cassetes « ... inéditas e de nossa exclusividade não se encontrando em mais catálogo nenhum, sob pena de procedimento criminal»; B) 1. Desde, pelo menos 1997 e até 19 de Fevereiro de 2002, o arguido muniu-se de computador, impressora, gravador-leitor de vídeo, disquetes e CD ROM de gravação, acesso à Internet e outras ferramentas deste género; 2. Através da Internet, e entre eles no sítio" www.BATEPAPO. com", de computador e de outros meios que não foi possível precisar , o arguido teve acesso a filmes e imagens pornográficas, onde abundavam imagens de crianças e adolescentes com menos de catorze anos de idade que recolheu para fazer catálogos como o referido em A); 3. No espaço Internet, a nível mundial, abundam imagens e filmes desse tipo; mas são internacionalmente proibidas e os "sítios" onde se encontram, estão de um modo geral, "invisíveis" a quem "navegue" nesse espaço; 4. O acesso a esses sítios dessa pornografia, de um modo geral, só se torna possível, através de 'dicas', trocadas entre pessoas que naveguem na Internet e que forneçam, confidencialmente, entre elas, os códigos de acesso "secretos", através dos quais se tornam "visíveis" e captáveis tais imagens e filmes; 5. O arguido acedeu a tais imagens e filmes pornográficos, onde se incluíam muitas imagens de crianças e adolescentes com menos de catorze anos de idade, que o arguido foi guardando, em memória, no computador, em disquetes, CD ROM e cassetes-vídeo; 6. Para maior segurança, o arguido abriu, diversos "Apartados", através dos CTT, entre eles um em nome da sua esposa, ASSSRP, e dois em seu nome, sendo, destes, dois nos CTT do Cacém e um nos de Benfica, e outros sítios, como Sacavém e Lisboa; 7. Obtidas e guardadas as imagens e filmes, o arguido produziu o catálogo referido em A) com imagens de pornografia, nomeadamente com adolescentes e crianças com menos de catorze anos de idade; 8. Na imprensa escrita, nomeadamente jornais, o arguido foi publicando, ao longo do tempo, muitos e sucessivos anúncios, onde indicava, como contacto, um "Apartado", através dos quais, depois, fazia um negócio de catálogos e filmes pornográficos; 9. Feitas as encomendas pelos "clientes" ao arguido, através dos contactos deste nos anúncios da impressa diária escrita, o arguido recebia o respectivo dinheiro, e enviava o filme, e mais catálogos, sendo os pagamentos à cobrança, pelos CTT; 10. Em 19 de Fevereiro de 2002, o arguido tinha em seu poder, na sua residência, os seguintes materiais - instrumentos e produtos que utilizava para a recolha de imagens pornográficas e elaboração de catálogos: -1 (um) aparelho, gravador eleitor de vídeo sistema VHS da marca PANASONIC, Modelo NV-HD 100 EB, com o n.º de Série C3 KN 02230, em razoável estado de conservação e em bom estado de funcionamento; -1 (um) aparelho, gravador eleitor de vídeo sistema VHS da marca NORDMENDE, Modelo 989.301 K, com o n.º de Série A870.2530, em razoável estado de conservação e em bom estado de funcionamento; - 4 (quatro) cabos para ligação de aparelhos de vídeo a aparelhos de televisão, em razoável estado de conservação e bom estado de funcionamento; -1 (um) monitor da marca PHILIPS, modelo 1045, com as referências 7CM5209/30T e HD 009750402740, em bom estado de funcionamento, mas em mau estado de conservação; -1 (um) teclado sem qualquer marca visível, com as referências na base de modelo 5121 e FCC ID:E5XKBM104M10UC, em bom estado de funcionamento mas em muito mau estado de conservação; -3 (três) cabos de ligação para o computador, em razoável estado de conservação e bom estado de funcionamento; -1 (um) dossier de arquivo, da marca AMBAR, contendo capas plásticas, vulgarmente designadas por "micas", contendo 63 (sessenta e três) capas de cassetes vídeo, com vários títulos e apresentando imagens publicitárias de filmes pornográficos, e uma colagem de três recortes de jornal anunciando a venda de filmes pornográficos, de um apartado das Caldas da Rainha, exclusivamente com adultos; - 6 (seis) disquetes, que continham listagens de fichas de apresentação e contactos de vários indivíduos, cujo conteúdo constitui o ANEXO II, e que estão acondicionadas em suporte informático, no envelope designado por ANEXO I B; - 46 (quarenta e seis) disquetes, contendo fotos de cariz pornográfico de menores com menos de catorze anos de idade, cujo conteúdo constitui o ANEXO I, e que estão acondicionadas no envelope designado por ANEXO I-A; - 97 (noventa e sete) disquetes contendo imagens pornográficas de adultos em diversas práticas sexuais; - 14 (catorze) exemplares de montagens de imagem e texto concebidas para promoção e venda de filmes pornográficos; - 4 (quatro) fotocópias de fotografias de mulheres não identificadas; - 1 (um) conjunto de fotocópias a preto e branco, composto por duas folhas tamanho A4 e uma tamanho A5, apresentadas em forma de catálogo, para venda de filmes pornográficos de vídeo amador, com remetente de um apartado do Porto; -13 (treze) folhas tamanho A4, parecendo exemplares de capa de catálogo, em fotocópias, para a venda de filmes pornográficos, com texto e fotografias; - 2 (dois) exemplares de um estudo em montagem aparentando destinar-se à realização de catálogo com texto e fotografias, para a venda de filmes pornográficos; - 5 (cinco) folhas tamanho A4, com texto e fotografias promovendo a venda de filmes pornográficos; - 7 (sete) folhas tamanho A5, 5 (cinco) das quais com texto e fotografias, promovendo a venda de filmes pornográficos, e 2 (duas) das quais apresentando-se como cupões de encomenda dos respectivos filmes; - 5 (cinco) folhas tamanho A4, apresentando-se como cupões para colocação de anúncio para futuros encontros e contactos, duas delas preenchidas; - 2 (dois) recortes de papel para promoção na venda de filmes e de...

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