Acórdão nº 03S3781 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelFERNANDES CADILHA
Data da Resolução09 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório. "A" instaurou em 13.4.98 a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B e C, pedindo se declarasse ilícito o seu despedimento e se condenassem aqueles a pagar-lhe 2.733.791$00, acrescidos de juros de mora vencidos no valor de 56.954$00 e dos vincendos até integral pagamento. Para tanto alegou, em síntese, que trabalhou como empregada doméstica para os RR., mediante a retribuição mensal de 100.000$00, entre 15 de Setembro de 1986 e 2 de Fevereiro de 1998, data em que foi despedida sem justa causa, e que assim tem direito a uma indemnização de 2.400.000$00, nos termos dos artºs. 29º a 31º do Dec.Lei nº. 235/92, de 24.10, para além dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, no valor de 333.791$00. Os RR contestaram, alegando que a Autora foi surpreendida no dia 29.01.98 a furtar a carteira de dentro da bolsa da R. mulher, assim se confirmando a suspeita de que a ela se deviam os desaparecimentos de dinheiro de que os RR vinham sendo vítimas há cerca de um ano, pelo que a Autora foi despedida com justa causa e não tem direito a qualquer indemnização, nem aos juros de mora peticionados, uma vez que os RR puseram à disposição da A. as restantes quantias. Terminam pedindo se julgue a acção improcedente e se condene a Autora como litigante de má fé em multa e indemnização a favor dos RR. Realizada uma tentativa de conciliação que não surtiu efeito, foi proferido o despacho saneador e, seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, através da remissão para os respectivos artigos, tendo no final da mesma sido proferido despacho a ordenar a notificação com cópias e que se procedesse à reprodução integral da matéria assente e da base instrutória. Os RR vieram dizer que apenas lhe foi enviada a matéria assente e a base instrutória por remissão, pelo que requereram nova notificação do despacho de fls. 40/42 com indicação da integralidade de tal matéria, o que foi indeferido. Os RR interpuseram recurso de tal despacho, que foi recebido como agravo, com subida diferida. Procedeu-se depois à audiência de julgamento, com gravação da prova determinada oficiosamente pela Mmª. Juíza, no final da qual foram dadas as respostas aos quesitos. De seguida foi elaborada a sentença com a seguinte decisão: "Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e condeno os RR a pagarem à Autora a indemnização de antiguidade no valor de Esc. 1.200.000$00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 2/02/98 até integral pagamento o bem como a quantia global de Esc. 33.791$00, relativa a retribuições e subsídios discriminados na alínea D) da matéria de facto provada. Absolvo os RR do demais peticionado." Inconformados, os RR interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que no entanto, não conheceu do mesmo, por o ter por extemporâneo (despacho do Mmº. Relator de fls. 187/189, confirmado pelo acórdão de fls. 217/221, após reclamação para a conferência). Irresignados, os RR agravaram para este Supremo Tribunal, que deu provimento ao recurso, deliberando que a Relação devia conhecer do objecto da apelação. E foi o que esta fez através do seu acórdão de 14.5.03, que decidiu assim: "Face ao exposto acorde-se: em negar provimento ao agravo; em julgar improcedente a apelação, confirmando-se as decisões recorridas". Mais uma vez inconformada a Ré B interpôs recurso de revista, cujas alegações concluiu desta forma: "1ª O douto Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento por errada apreciação, interpretação e valoração da matéria de facto dada como assente nas instâncias, em violação do artigo 712º do Código de Processo Civil; 2ª Com efeito, o douto acórdão recorrido, que absorveu a fundamentação da douta sentença, incorreu em erro manifesto, uma vez que aplica ao contrato de trabalho doméstico a noção de justa causa que o legislador estabeleceu para os demais contratos de trabalho no artigo 9º do Decreto-Lei nº. 64-A/89, de 27 de Fevereiro; 3ª Ora, estando em causa nestes autos o despedimento no âmbito do contrato de serviço doméstico, impunha-se ao julgador, aplicar o conceito de justa causa e valorá-lo nos termos dos nºs. 1 e 4 do artigo 29º do Dec.-Lei nº. 235/92, de 24 de Outubro, dispositivos que assim foram violados pelo douto acórdão em crise; 4ª Na verdade, o tribunal de 1ª instância decidiu e o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, ora recorrido, acompanhou, que incumbia à Ré Recorrente provar que a Autora furtou a carteira da Ré mulher e que furtou várias quantias em dinheiro, em montantes e em momentos não discriminados. 5ª Ora, entende a Recorrente inexistir para si esse ónus, tendo em conta não se estar no âmbito do processo criminal, nem no âmbito de aplicação do artº. 9º do Dec.-Lei nº. 64-A/89, mas, sim no âmbito do contrato de trabalho doméstico, gerador de relações profissionais com acentuado carácter pessoal que postulam um permanente clima de confiança. Havendo que tomar em consideração a especificidade económica dos agregados familiares e o regime especial da matéria em causa. Tal como se sublinha no preâmbulo do Dec.-Lei nº. 235/92, de...

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