Acórdão nº 043448 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Janeiro de 2000 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLEONARDO DIAS
Data da Resolução19 de Janeiro de 2000
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Assento n.º 4/2000 Processo n.º 43448, 3.ª Secção. - Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O Ministério Público interpôs recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Junho de 1992, no processo n.º 381/92, 3.ª Secção, alegando que [ao decidir que - se depois de ter preenchido, assinado e entregue o cheque ao tomador, o sacador solicita, por escrito, ao banco sacado que não o pague porque se extraviou (o que sabe não corresponder à realidade) e se, por isso, quando o tomador/portador lhe apresenta o cheque, dentro do prazo legal de apresentação, o sacado recusa o pagamento e, no verso do título, lança a declaração de que o cheque não foi pago por aquele motivo, o sacador comete um crime previsto e punido pelo artigo 228.º, n.os 1, alínea b), e 2, do Código Penal (CP) de 1982] ele se encontra em oposição, sobre a mesma matéria de direito e no domínio da mesma legislação, com o Acórdão da mesma Relação proferido em 26 de Fevereiro de 1992, no processo n.º 880, 1.ª Secção [já que este qualificou a mesma conduta do sacador apenas como crime previsto e punido pelo artigo 228.º, n.º 1, alínea b), do citado Código].

O acórdão de fl. 25 deu por verificada a alegada oposição de julgados e determinou o prosseguimento do recurso, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código de Processo Penal (CPP).

Cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 442.º do CPP não foram oferecidas alegações, limitando-se o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto a referir, no requerimento a fl. 29, que a do acórdão recorrido se lhe afigura ser a solução correcta.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

Os acórdãos (recorrido e fundamento) foram proferidos durante a vigência do CP de 1982 e respeitam, ambos, a factos ocorridos nesse período, mas antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro.

Assim, a questão coloca-se nos seguintes termos: Se, na vigência do CP de 1982, mas antes do início da do Decreto-Lei n.º 454/91, depois de ter preenchido, assinado e entregue o cheque ao tomador, o sacador solicita, por escrito, ao banco sacado que não o pague porque se extraviou (o que sabe não corresponder à realidade) e se, por isso, quando o tomador/portador lhe apresenta o cheque, dentro do prazo legal de apresentação, o sacado recusa o pagamento e, no verso do título, lança a declaração de que o cheque não foi pago por aquele motivo, o sacador comete o crime previsto e punido pelo artigo 228.º, n.os 1, alínea b), e 2, ou apenas o previsto e punido pelo artigo 228.º, n.º 1, alínea b), do CP de 1982? Solução do acórdão recorrido (transcrição parcial): «O documento através do qual o arguido comunicou ao banco o 'extravio' dos cheques não é falso. É antes um documento verdadeiro, escrito pelo arguido com o conteúdo correspondente à vontade do declarante. Nele não foi introduzida qualquer alteração nem o pensamento do seu autor foi adulterado. O que acontece é que o que nele está escrito não corresponde à realidade. Os cheques não foram extraviados, em contrário do que nele se afirma.

Ora, 'a falsidade documental resolve-se em desconformidade entre o documento e a declaração. Mas a declaração falsa, fielmente documentada, não significa documento falso e não é falsidade; o documento que está de harmonia com a declaração e, no entanto, contradiz a realidade não sofre de falsidade intelectual. O seu vício pode ser o de simulação, se se verificarem os pressupostos desta figura [...]' De modo que uma alternativa se põe: ou a comunicação feita pelo arguido ao banco teve a consequência de inserir falsamente nos cheques um facto juridicamente relevante sem que por tal aqueles títulos de crédito deixem de o ser e então está correcta a qualificação jurídica emanada da 1.ª instância ou terá de concluir-se que não há crime algum.

[...] [...] a questão não pode dizer respeito ao documento dirigido ao banco a comunicar o falso extravio.

Esse, como se viu, não é falso. A questão está, sim, em saber se essa comunicação inseriu nos cheques alguma falsidade juridicamente relevante [...] Se assim acontecer, o facto está claramente previsto no artigo 228.º, n.os 1, alínea b), e 2, do Código Penal.

Ora a inserção aludida na mencionada alínea b) difere de qualquer outra alteração das mencionadas na alínea a) por nesta última o documento ser afectado na sua materialidade, ao passo que naquela o documento permanece inalterável.

Esta inserção tanto pode ser coeva da emissão do documento como posterior.

O que tem é que ser juridicamente relevante.

[...] Por outro lado, não é necessário que o agente faça materialmente a alteração, podendo limitar-se a ordenar a sua execução [...] O banco sacado, que em princípio é obrigado a pagar os cheques, não o fará se lhe for comunicado o extravio, o que, naturalmente, beneficia o sacador.

Daí a relevância jurídica da comunicação.

Ora, essa comunicação, ao ser exarada no cheque, não correspondendo à realidade, faz constar dele uma falsidade. E embora não contendendo com os seus elementos essenciais, o documento continua a valer como cheque desde que obedeça aos requisitos da LUC, designadamente o seu artigo 1.º - não o afectando hoc sensu na sua materialidade, afecta-o na sua finalidade primária e que vai subjacente à emissão daquele título de crédito: o pagamento à vista (artigo 28.º da LUC), assim frustrando, não uma simples expectativa, mas um autêntico direito do portador, derivado do chamado princípio da incorporação [...] E assim, a oposição pelo banco da expressão 'extravio', embora não seja elemento de definição do cheque, não deixa de o afectar na sua função legal de título de crédito.

E se é certo que não se concebe um cheque sem um suporte material (o impresso em que constem os elementos do artigo 1.º da LUC), sempre terá de aceitar-se que, em sentido lato, aquela aposição de 'extravio' operada pelo banco se insere num 'cheque'.

Tudo para concluir que a actuação do arguido se subsume na previsão do artigo 228.º, n.os 1, alínea b), e 2, do Código Penal [...]» Diversa, porém, a do acórdão fundamento (transcrição parcial): «O CP vigente estabelece no artigo 229.º um conceito de documento para efeitos penais.

[...] Parece-nos que neste artigo cabe a declaração feita e assinada e endereçada ao banco sacado, dando conta falsamente do extravio do cheque, tratando-se de um documento particular a que alude o CP anterior.

Tal declaração dando conta do extravio não colide com o próprio cheque ou com os seus elementos essenciais.

O facto do 'extravio' foi aposto pelo funcionário bancário, em virtude da declaração escrita do emitente. E foi essa causa a razão do não pagamento e de modo algum influi no crédito do título que a lei lhe quis conferir, sendo certo que na data de recebimento da declaração feita pelo emitente aí findou o ciclo da vida do título.

Assim, houve falsificação da declaração aposta na carta, que, recebida pelo banco, impediu o pagamento do cheque. Deste modo o crime de falsificação integra-se no n.º 1, alínea b), e não no n.º 2 do artigo 228.º em causa, como tem sido o entendimento desta Relação em vários dos seus arestos.» Sobre a mesma questão, este Supremo Tribunal pronunciou-se no sentido: a) Do acórdão fundamento (Acórdãos de 29 de Novembro de 1989 e 2 de Maio de 1990, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, n.os 391, p. 277, e 397, p. 322, respectivamente, e de 14 de Maio de 1997, no processo n.º 36/96, 3.ª Secção); b) Do acórdão recorrido (Acórdãos de 26 de Março de 1992, 30 de Setembro de 1992, 28 de Outubro de 1992, 25 de Março de 1993, 27 de Outubro de 1993 e 30 de Novembro de 1993, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, n.os 415, p. 283, 419, p. 476, 420, p. 298, 425, p. 310, 430, p. 272, e 431, p. 280, respectivamente); c) De que se verifica, apenas, um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 24.º do Decreto n.º 13004 (Acórdãos de 23 de Outubro de 1991, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 410, p. 382, e na Colectânea de Jurisprudência, ano XVI, 1991, t. IV, p. 43, e de 7 de Julho de 1993, no processo n.º 43127, 3.ª Secção); d) De que se verifica um crime de burla, previsto e punido pelo artigo 313.º, n.º 1, do Código Penal de 1982 (Acórdão de 3 de Maio de 1989, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 387, p. 277).

I - Do crime de falsificação de documentos Código Penal de 1982: «Artigo 228.º [...] 1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo: a) Fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outrem para elaborar um documento falso; b) Fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante; c) Usar um documento a que se referem as alíneas anteriores falsificado ou fabricado por terceiros; d) Intercalar documento em protocolo, registo ou livro oficial sem cumprir as formalidades legais; será punido com prisão até 2 anos e multa até 60 dias.

2 - Se os factos referidos nas alíneas a) a c) do número anterior disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a letra de câmbio, a documento comercial transmissível por endosso ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 244.º, a pena será de prisão de 1 a 4 anos e multa até 90 dias.

3 - Se os factos referidos nos números anteriores forem cometidos por funcionário, no exercício abusivo das suas funções, a pena será de 1 a 6 anos e multa até 120 dias.

4 - Nos casos de pequena gravidade, o tribunal pode aplicar tão-só a multa até 60 dias na hipótese do n.º 1, até 90 dias na hipótese do n.º 2 e até ao seu máximo legal na hipótese do n.º 3 deste artigo.

5 - A tentativa é punível.

Artigo 229.º [...] 1 - Entende-se por documento a declaração compreendida num escrito, inteligível para a generalidade ou um certo círculo de pessoas que, permitindo reconhecer o seu emitente, é idónea a provar um facto juridicamente relevante, quer...

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