Acórdão nº 04A1299 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Junho de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | AFONSO CORREIA |
Data da Resolução | 22 de Junho de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Dr. A, Advogado em Lisboa, instaurou, em 6 de Abril de 2000, acção declarativa de condenação, com processo comum e forma ordinária, contra: Brisa - Auto-Estradas de Portugal, S.A., sediada na Quinta da Torre da Agulha, S. Domingos da Rana, Cascais; e Companhia de Seguros B, com sede no Largo do Calhariz, em Lisboa, pedindo a condenação solidária das RR a indemnizar o A. - a título de danos patrimoniais, na quantia de 1.585.264$, acrescida de juros de mora já vencidos, à taxa de 7%, no montante de 23.958$, e os que se vencerem até ao pagamento da indemnização; - por danos não patrimoniais, no montante de 2.000.000$. Alegou para tanto - e muito em síntese - que no dia 9.08.99, pelas 23h55, o autor viajava na sua viatura, um Honda Civic, pela Auto-estrada do Sul, no sentido Sul/Norte, cerca do km 32. Seguia pela faixa da esquerda quando lhe surge, a meio desta, um animal da raça canina que atravessou desde a berma do lado direito. O autor ainda tentou evitar o embate no animal, mas não conseguiu, o que levou a seu veículo a entrar em despiste, embatendo no separador central das vias, do que advieram danos elevados no seu carro. O animal atropelado veio a ser localizado, ainda vivo e ferido, desconhecendo-se quem era o seu dono. Do lado direito da via, donde procedeu esse canino, encontrava-se a vedação em arame, cujo primeiro fio, a partir do chão, na zona do acidente, permite a passagem de um cão, sendo esta anomalia de falta de conservação da vedação da responsabilidade da concessionária Brisa, tendo esta transferido a sua responsabilidade civil, emergente da exploração da rede das Auto-Estradas, para a R. B. O autor sofreu danos patrimoniais em consequência de ter ficado impossibilitado de trabalhar durante nove dias, despendeu na reparação do veículo 426.401$, a título de franquia da sua companhia de seguros; e pagou à C, 98.935$ pelo aluguer de uma viatura de substituição; em consequência do embate o seu veículo ficou desvalorizado em 260.000$ e o A. sofreu danos não patrimoniais que avalia em 2.000.000$. A Seguradora B confirmou a existência do contrato de seguro mas afirmou desconhecer a fatalidade alegada que não era pessoal, nem tinha obrigação de conhecer. A Brisa invocou que patrulha a Auto-Estrada regularmente, com auxílio da Brigada de Trânsito da GNR, e ninguém detectou qualquer anomalia ou falhas nas vedações laterais no local e data do acidente. Não teve, pois, culpa na produção do acidente e não está, por isso, obrigada a indemnizar. O A. replicou, reafirmando o antes alegado. Saneado e condensado o processo, foi acrescentada a base instrutória na sequência de articulado superveniente, e em 21 de Junho de 2002 procedeu-se a julgamento, com gravação da prova produzida em audiência, após o que o Tribunal decidiu a matéria de facto perguntada no questionário, sem reclamações. As partes produziram alegações escritas sobre o aspecto jurídico da causa e o Ex.mo Juiz proferiu sentença que, na parcial procedência da acção e por entender que a Brisa agiu com culpa, condenou as RR a indemnizar o A. por danos patrimoniais (4.116,41 €uros) já apurados e no que em execução de sentença, com o limite de 2.992,79 €uros, se apurar, a título de perda de rendimentos de trabalho, e não patrimoniais (4.000 €uros), com juros de mora à taxa legal. Apelaram as RR, impetrando alteração da decisão sobre a matéria de facto e consequente revogação do decidido. E em boa hora o fizeram: a Relação de Évora, depois de alterar para não provado as respostas aos quesitos 14º e 15º (que se referiam ao facto de a vedação permitir a passagem de um cão entre o solo e o primeiro fio de arame, vedações que se encontravam frouxas e lassas) e responder restritiva e explicativamente aos quesitos 16º a 19º, considerou que "a Brisa colocou toda a sua diligência, quer para assegurar uma permanente vigilância das vias, quer um estado de conservação das respectivas vedações. Quem falhou na prova que se lhe impunha e como se propunha na sua petição inicial, foi o autor ao não conseguir demonstrar que havia o buraco a permitir a entrada de animais e que havia fios lassos na vedação, anomalia esta que imputou à R. Brisa, mas que, como se disse, não logrou demonstrar. Temos, por isso, de concluir que a concessionária cumpriu com as suas obrigações contratuais e que lhe não era imputável o aparecimento do canídeo na via e a sua não remoção até ao instante da colisão, pelo simples desconhecimento da existência e verificação de uma tal realidade fáctica. Por isso, não pode aqui relevar qualquer outra presunção de culpa e assunção/imputação de responsabilidade objectiva que recaia sobre a concessionária e a responsabilize pelos danos emergentes do referido evento". Pelo que revogou a sentença e absolveu as RR do pedido. Foi a vez de o A. pedir revista, insurgindo-se contra a alteração da matéria de facto que teria, ainda, violado caso julgado formado pela decisão de acção sumaríssima sobre o mesmo acidente, proposta pela Seguradora do A., como constante da sentença e auto de inspecção ao local; e deve repor-se a decisão de 1ª Instância, mesmo que se mantenha a factualidade agora apurada. Como se vê da alegação que coroou com estas Conclusões 1. A decisão do douto Aresto recorrido que alterou a matéria de facto fixada pela 1ª Instância e que - duma penada - revogou a sentença proferida por esta não resulta da prova documental produzida nos autos, nem da aplicação à mesma das normas legais que regem a matéria controvertida e não respeitou os limites definidos pela lei para exercer tal poder (artigo 712°, n° 2 do C.P.C.); 2. Efectivamente, da prova documental produzida nos autos decorre, com absoluta relevância para a boa decisão da causa, o seguinte: 2.1 - Transitou em julgado, em 4 de Outubro de 2001, a sentença da acção sumaríssima apreciada pelo 4° Juízo Cível de Setúbal, cuja respectiva certidão se encontra junta de fls. 319 a fls. 336, a qual teve por objecto o mesmo acidente de viação, a mesma 1ª R. e como autor a seguradora do veículo em causa e que foi condenatória da BRISA, SA., por culpa desta concessionária; 2.2 - Ocorreu, no âmbito do processo referido no ponto anterior, em 9 de Julho de 2001 (quase dois anos após o acidente), uma Inspecção Judicial ao local da colisão, conforme se verifica pelo respectivo auto junto como Doc. 1 às presentes Alegações, a qual permitiu apurar os factos nele mencionados, os quais confirmam a existência de irregularidades e deficiências nas vedações; 2.3 - A prova documental referida nos pontos 2.1 e 2.2 anteriores é composta por documentos autênticos, os quais têm forca probatória plena (artigos 369º e 371º do Código Civil) pelo que não podem ser colocados em crise - e, até, menosprezados - por depoimentos de testemunhas (colaboradores da 1ª R. Brisa, SA, os quais não têm idêntica força probatória; 3. - Ao depreciar a força probatória plena de uma sentença em concorrência com mera prova testemunhal, o douto Aresto recorrido gradua incorrectamente o valor das duas provas em causa, além de desrespeitar e adulterar as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no nosso sistema jurídico; 4. - Não foi aplicado pelo Tribunal recorrido o princípio da protecção do lesado que deve imperar no processo civil, fundamentalmente, no instituto da responsabilidade civil (mera culpa, responsabilidade pelo risco, etc.), onde se deve proteger o lesado, mesmo quando não se determinam as culpas; 5. - Não foi respeitado o princípio da imediação na produção de provas e mal andou o douto Acórdão recorrido quando, a fls. 768, se escreve: "Por outro lado, embora a testemunha D, num primeiro momento tivesse afirmado que vira arames lassos na vedação, a Instâncias do Senhor advogado de uma das RR., já na parte final do seu depoimento, veio a esclarecer que só fez essa constatação, cerca de um ano depois do acidente dos autos, no momento em que se deslocara ao local, no com um outro Tribunal que estava a julgar um outro acidente ocorrido nessa imediação ..."; 5.1 - Verifica-se, ao serem compulsados os autos, que aquilo a que a testemunha presencial do acidente D se reportava era a uma deslocação ao local da colisão, mas, no âmbito de um julgamento que ocorrera, por causa do mesmo acidente de viação, igualmente no Tribunal de Setúbal, onde o mesmo também testemunhou, como decorre de fls. 326 destes autos e do Doc. 1, folha 2, junto a estas Alegações, ou seja, a mencionada testemunha foi ouvida nos dois julgamentos ocorridos, a propósito do acidente do veículo GL; 6. - Da ofensa à excepção de caso julgado: 6.1 - Extrai-se da regra basilar do artigo 497°, n° 2 do C.P.C. que a excepção de caso julgado tem por finalidade evitar a contradição de julgados; 6.2 - Encontram-se reunidos todos os requisitos previstos pelo artigo 498° do C.P.C para que ocorra a excepção de caso julgado (perante a sentença transitada em julgado de fs. 319 a 336): - identidade do pedido (quanto à sua natureza, uma vez que o efeito jurídico que se pretende alcançar é o ressarcimento de danos sofridos por força de acidente de viação, sem culpa); - identidade da causa de pedir (nas acções emergentes de acidentes de viação o próprio acidente; - Identidade dos sujeitos (atenta a respectiva qualidade jurídica); 6.3 "Há identidades de sujeitos quando o autor na segunda acção, embora seja pessoa diversa, intervém também na qualidade jurídica de credor do mesmo devedor." (Acórdão do S.T.J. de 31.10.1967, disponível na internet, www.stj.pt, com o n° convencional SJ19671031 0619632); 6.4 - O caso julgado tem por fundamento a "mesma causa", nos termos do artigo 498° do C.P.C., o que impede a sua repetição, exigindo-se soluções idênticas para situações, igualmente, idênticas, pois, o que se visa evitar é que o tribunal tenha de contradizer uma decisão judicial anterior sobre determinada questão concreta que transitou em julgado, o que a lei considera inaceitável; 6.5 - Na acção sumaríssima...
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