Acórdão nº 04B2543 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Outubro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução19 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" intentou, no Tribunal Judicial do Funchal, acção, com processo ordinário, contra o Estado Português, pedindo a condenação deste a pagar-lhe uma indemnização do montante de 60.000.000$00, acrescida de juros legais, desde a citação até efectivo pagamento.

Para tanto alegou, no essencial, que sofreu prisão preventiva durante 10 meses e 21 dias, prisão essa que se ficou a dever a erro grosseiro na avaliação dos pressupostos de facto de que dependia tal medida privativa de liberdade, o que lhe causou prejuízos de ordem patrimonial e não patrimonial.

O réu contestou pugnando pela improcedência da acção, para o que sustentou que a prisão do autor foi ordenada e mantida por actos jurisdicionais, formal e materialmente lícitos, não se verificando qualquer erro na apreciação dos pressupostos de facto e de direito que a determinaram.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador e condensado o processo, após a que se procedeu a julgamento, vindo, depois, a ser proferida sentença em que, julgada a acção improcedente, foi o réu absolvido do pedido.

Inconformado, apelou o autor, sem êxito embora, visto que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 26 de Fevereiro de 2004, decidiu, na improcedência da apelação, confirmar a sentença recorrida.

Interpôs, então, o autor recurso de revista, pretendendo, no provimento do recurso, se condene o recorrido a pagar-lhe uma indemnização a fixar de forma equitativa, ou então se ordene a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para que reconheça o direito daquele a ser indemnizado e fixe o montante indemnizatório.

Em contra-alegações pugnou o recorrido pela negação da revista.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

O recorrente findou as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. No dia 12 de Dezembro de 1998, o recorrente foi detido pela Polícia de Segurança Pública, acusado de ter na sua habitação um saco desportivo, contendo um produto supostamente estupefaciente (denominado Heroína) com o peso ilíquido de 100,45 gramas.

  1. E, na verdade, realizado o TESTE RÁPIDO TIPO B ao referido produto, pela Polícia de Segurança Pública, esta concluiu que era Heroína.

  2. De imediato, o recorrente protestou a sua inocência, tendo declarado desconhecer que dentro do referido saco existiam doses de heroína e identificou exactamente a pessoa e a morada certa da mesma, a quem aquele produto devia pertencer.

  3. Aliás, porque os senhores Agentes da PSP não tinham qualquer mandado judicial, foi o recorrente, totalmente à vontade, quem consentiu na busca dentro da sua própria casa.

  4. Apesar de tudo isso, foi ordenada a prisão preventiva do recorrente, no dia 13 de Dezembro de 1998.

  5. No dia 9 de Março de 1999 foi confirmada a prisão preventiva do recorrente.

  6. No dia 11 de Junho de 1999 foi mantida a prisão preventiva do recorrente.

  7. No dia 23 de Julho de 1999 foi novamente mantida a prisão preventiva do recorrente.

  8. O recorrente esteve preso, sem ter cometido qualquer crime, durante 10 meses e 23 dias.

  9. Após o primeiro interrogatório, o recorrente não voltou a ser ouvido ou teve conhecimento de qualquer diligência de investigação.

  10. Sempre que o advogado do recorrente se dirigiu aos serviços do Ministério Público ou da Polícia se Segurança Pública a saber o porquê da prisão daquele, a resposta era: "aguarde, está em segredo de Justiça".

  11. O recorrente acabou por ser libertado no dia 4 de Novembro de 1999, porque afinal o produto apreendido não era estupefaciente.

  12. Face a todas as circunstâncias que rodearam a prisão preventiva do recorrente, é por demais evidente que houve erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a aplicação dessa mesma medida de coacção e que continuou a existir nos sucessivos despachos que a mantiveram.

  13. Mesmo que assim não seja entendido, a verdade é que a simples subsistência por um longo período de privação de liberdade que, afinal, se veio a revelar injustificada ab initio, assume um carácter de gravidade, penosidade e anormalidade que dá ao recorrente o direito a ser indemnizado.

  14. Foi também isso o que aconteceu no presente caso.

  15. O recorrente sofreu imensos prejuízos não patrimoniais.

  16. O recorrente sofreu imensos prejuízos patrimoniais, na medida em que perdeu o trabalho e hoje está desempregado, sendo certo que é uma pessoa bastante jovem.

  17. O Tribunal a quo absolveu o réu, considerando que o despacho que ordenou a prisão preventiva do recorrente, não padecia de erro crasso ou imperdoável.

  18. Mas não lhe assiste razão, já que o erro grosseiro diz respeito aos pressupostos de facto que levaram ao decretamento daquela medida.

  19. Nem se diga que a responsabilidade do sucedido está a montante ou a jusante, pois o tribunal não podia limitar-se à prova de um Teste Rápido, sem atender a todas as demais circunstâncias.

  20. Se o recorrente requeresse a presente acção contra o réu com base no comportamento dos Senhores Agentes, estes diriam e bem que não tinham ordenado qualquer prisão e seguramente seriam absolvidos. O recorrente foi preso por ordem do Tribunal.

  21. O recorrente em nada contribuiu para os danos que acabou por sofrer com a prisão preventiva de que foi vítima.

  22. Assim sendo, o acórdão deve ser revogado e atribuir-se ao recorrente o direito a ser indemnizado.

  23. Como o tribunal a quo não se pronunciou sobre o quantum indemnizatório devido ao recorrente, este tribunal deve declarar nulo o acórdão, ora posto em crise, nos termos do art. 668º, n° 1, al. d) do CPC.

  24. Como consequência, se este Tribunal entender que tem todos os elementos para conhecer do pedido, deve fazê-lo, ou, em alternativa, deve ordenar a baixa dos autos para que o tribunal recorrido conheça do pedido de indemnização, tudo nos temos do art. 715º do CPC.

  25. Relativamente aos danos patrimoniais, se este tribunal ou o tribunal recorrido, entenderem que não têm elementos suficientes para fixar o montante exacto da indemnização, deve, nesta parte, ser ordenada a sua liquidação em execução de sentença, uma vez que, sem margem para dúvidas, ficou feita a prova do prejuízo.

  26. E porque a prova dos prejuízos foi feita, além de que constitui um facto notório, nos termos do artigo 566º, n° 3, do CC, pode este tribunal, de imediato, fixar, de forma equitativa, uma indemnização a favor do recorrente.

  27. Ao absolver o Estado, o Tribunal a quo, violou, por erro de interpretação, os artigos 225º do anterior CPP, os arts. 22º, 27º, n°s 1, 3, al. b) e 5 da CRP e os arts. 562º e seguintes do CC.

    Ter-se-á em consideração que se mostram provados os factos seguintes: i) - No dia 12 de Dezembro de 1998, pelas 16 horas, o autor A foi detido pela PSP; o respectivo auto de detenção diz o seguinte: "por no exercício das minhas funções... ter durante o decurso de uma operação de busca domiciliária ao quarto do ora detido, sito na Rua da Conceição n° ..., direito, desta cidade, com o seu consentimento conforme Termo de Autorização que envio, localizado dentro de um pequeno saco que lhe pertencia tipo desportivo, cor verde, que se encontrava em cima de uma mesa em madeira, anexa ao seu leito, contendo no seu interior uma embalagem em plástico duplo e transparente com um produto supostamente estupefaciente de cor acastanhado e solidificado em grande parte do seu conteúdo, que se veio a confirmar através do Teste Rápido Tipo B, tratar-se de (Heroína), com o peso aproximado (ilíquido) de 100,45 Gramas (cem, vírgula quarenta e cinco gramas), o que daria para 1.205 doses individuais, as quais comercializadas no mercado ilícito, renderia a importância de cerca de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos)"; ii) - por seu turno, o auto de busca e apreensão é do seguinte teor: "...vim a apreender os seguintes artigos que passo a descrever: Um saco tipo desportivo, cor verde, de marca Jade Internacional, contendo no seu interior, uma embalagem de plástico duplo transparente com produto supostamente estupefaciente denominado (Heroína) com ilíquido de 100,45 gramas (cem vírgula quarenta e cinco gramas), um bilhete de viagem aérea emitido pela TAP, entre Funchal, Lisboa-Funchal; uma factura detalhada da Portugal Telecom; uma agenda de cor azul com alguns números de telefone; saco este que se encontrava em cima de uma pequena mesa em madeira junto do seu leito. Saliento ainda que lhe foi apreendida a importância de 12.060$00 (doze mil e sessenta escudos) que possuía na sua carteira de bolso por se presumir ser proveniente da venda de produtos...

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