Acórdão nº 04B3062 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução04 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A", SA" intentou, no Tribunal Judicial de Esposende, acção com processo na forma ordinária contra "B, L.da" e "C - Companhia de Seguros, SA" peticionando a condenação destas no pagamento da quantia de 13.372.475$00, acrescida de juros (o pedido veio depois a ser ampliado).

Alegou para o efeito que celebrou um contrato de seguro com "D, L.da", o qual visava a cobertura do risco de danos traumatológicos sofridos pelos trabalhadores desta. Acontece que um trabalhador desta sua segurada veio a sofrer um acidente quando se encontrava no exercício das suas funções, pelo que a autora, honrando o contrato de seguro, satisfez a este as indemnizações devidas. Todavia, o sinistro foi causado culposamente por um trabalhador da 1ª ré, "B, L.da", pelo que esta está obrigada a reembolsar a autora, atento o direito de regresso de que esta beneficia. Acresce que a 2ª ré havia celebrado com a 1ª um contrato de seguro que cobria a responsabilidade civil geral desta, pelo que também responde pelo reembolso.

Contestaram ambas as rés, concluindo pela improcedência da acção.

A final foi proferida sentença que, em procedência parcial da acção, condenou as rés, solidariamente, a pagar à autora a quantia de 42.468,74 Euros (8.514.218$00).

Inconformadas com o assim decidido, apelaram as duas rés, tendo, na sequência, o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 10 de Março de 2004, decidido: a) julgar improcedente a apelação interposta pela ré "B, L.da", confirmando, nesta parte, a sentença recorrida; b) julgar procedente a apelação interposta pela ré "C - Companhia de Seguros, SA" e, em consequência, revogando correspectivamente a sentença recorrida, absolveu a ré do pedido.

Interpuseram, desta feita, a autora e a ré "B, L.da", recurso de revista pugnando ambas pela revogação do acórdão recorrido.

Contra-alegando defendeu a recorrida a manutenção do julgado.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

As recorrentes findaram as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): A ré "B, L.da": 1. O acórdão recorrido ao proferir a decisão sobre o recurso de apelação interposto pela co-ré C, sem que a recorrente tenha sido notificada das alegações de recurso, nem lhe tenha sido concedida a oportunidade de responder nos termos do nº 2 do art. 698º do C.Proc.Civil, é nulo, com fundamento em omissão de um acto prescrito na lei que influi no exame e decisão da causa, e na violação do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes previstos nos arts. 3º e 4º do CPC. (cfr. art. 201º, nº 1, CPC).

  1. Sem prescindir, e por mera cautela, a Base XXXVII, da Lei de Bases dos Acidentes de Trabalho, aprovada pela Lei nº 2.127, de 03/08/65, consubstancia uma responsabilidade por factos ilícitos, apreciada à luz dos arts. 483º e seguintes do Código Civil.

  2. A responsabilidade prevista naquela Base não pode ser apreciada à luz do art. 503º, nº 1, CC, sob a epígrafe "Acidentes causados por veículos", pois os interesses tutelados no art. 503º CC não abrangem os interesses tutelados pela Base XXXVII, da referida Lei de Bases.

  3. Ainda que se concebesse a aplicação do nº 1 do art. 503º CC ao caso em apreço, a responsabilidade da recorrente sempre seria excluída por força do art. 505º CC, dado que o acidente resultou de causa de força maior estranha ao funcionamento da máquina retro-escavadora.

  4. O acórdão recorrido interpretou erradamente a alínea h) do nº 1 do art. 4º (e não do art. 5º, como por lapso se refere no acórdão) das condições gerais do contrato de seguro celebrado entre a recorrente a co-ré C.

  5. A interpretação do acórdão recorrido sobre a referida cláusula contratual viola os princípios gerais de interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais, consagrados nos arts. 10º e 11º do Dec.lei nº 446/85, de 25/10, transformando-a numa cláusula nula, porque absolutamente proibida à luz dos arts. 15º e 18º do citado diploma.

    A autora "A, SA": 1. O recurso delimita-se à apreciação da parte do acórdão que julga procedente a apelação interposta pela "C - Companhia de Seguros, SA", revogando correspectivamente a sentença recorrida, e a absolve do pedido.

  6. A cláusula de exclusão da responsabilidade constante do artigo 5º n.º 1, al. h), das Condições Gerais da apólice de seguro "Responsabilidade Civil Geral" titulado pelo contrato de seguro celebrado entre a recorrida e a "B, L.da" não tem aplicação na situação em apreço nos autos.

  7. A recorrida não foi accionada com base em responsabilidade laboral, mas sim com base em responsabilidade civil geral.

  8. O direito da recorrente funda-se na sua sub-rogação nos direitos do sinistrado E.

  9. Tratando-se de sub-rogação, tudo se passa como se fosse a própria vítima a demandar o responsável civil.

  10. O acidente em apreço relativamente à "B, L.da" e à recorrida constitui um acidente de exploração, que deu origem à responsabilidade civil geral da segurada da recorrida, e, por via do contrato de seguro, à responsabilidade civil geral desta, e não de acidente de trabalho.

  11. Pelo contrato de seguro "Responsabilidade Civil Geral" titulado pela apólice nº 94025865, a recorrida segurou o risco emergente da responsabilidade civil emergente da actividade de "construção civil e obras públicas, incluindo abertura de estradas, terraplanagens e escavações" em que incorresse a ré "B, L.da".

  12. A relação entre recorrente - na sua qualidade de sub-rogada nos direitos de E - "B, Lda." e a recorrida "C - Companhia de Seguros, SA" funda-se e expressa-se numa relação emergente da responsabilidade civil extracontratual geral.

  13. O sinistrado teria sempre direito de demandar a recorrida autonomamente, como o faria se não houvesse seguro de acidentes de trabalho, e nesse caso é manifesto que não poderia funcionar a cláusula de exclusão de responsabilidade da "C".

  14. Não há qualquer diferença entre essa situação e a situação em apreço nos autos; o sinistrado é o mesmo e teria sofrido os mesmos danos, provocados pela mesma pessoa e pelo mesmo facto.

  15. Se a recorrente exerce os direitos deste sinistrado, nos quais está sub-rogada, se actua como se dele próprio se tratasse não há legitimidade para se distinguir as duas situações. Ambas se reconduzem sempre a responsabilidade civil geral.

  16. Caso a cláusula de exclusão de responsabilidade fosse interpretada da forma constante do acórdão recorrido o contrato de seguro ficaria esvaziado de conteúdo e a cláusula de exclusão de responsabilidade transformar-se-ia num gigantesco buraco negro, onde se esvaziariam todas as garantias do contrato de seguro, ficando ferida de nulidade.

  17. A exclusão em apreço apenas se poderá referir a danos causados pela exploração da máquina aos trabalhadores da segurada da recorrida no caso em que se discuta responsabilidade laboral emergente de acidente de trabalho.

  18. Nos presentes autos encontramo-nos no domínio da responsabilidade civil extracontratual, fundada basicamente nos artigos 483º e seguintes do Código Civil, para onde remete a Base XXXVII da Lei nº 2.127.

  19. Nos termos do disposto no nº 4 da base XXXVII da Lei nº 2.127, de 3 de Agosto, a entidade patronal ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente fica sub-rogada nos direitos do sinistrado contra os responsáveis pelo acidente, nos termos da lei geral.

  20. A boa-fé na celebração dos contratos impõe que a recorrente não se tente furtar ao pagamento de uma indemnização com base num sinistro claramente coberto pelas garantias da apólice.

  21. O acórdão recorrido interpretou erradamente o artigo 5º, nº 1, al. h), das Condições Gerais da Apólice nº 94025865, celebrado entre a recorrida "C - Companhia de Seguros, SA" e "B, L.da" e as normas dos artigos 483º e seguintes do Código Civil e a Base XXXVII da Lei nº 2.127.

  22. A recorrida "C - Companhia de Seguros, SA" deve ser condenada a pagar à recorrente o valor em que foi condenada em 1ª instância e solidariamente com a sua segurada.

  23. O acórdão recorrido deve ser substituído por decisão que condene a Recorrida "C - Companhia de Seguros, SA", solidariamente com a sua segurada "B, L.da", a pagar à autora, ora recorrente, uma indemnização de 42.468,74 Euros, acrescida de juros de mora desde a data da citação das rés.

    Encontra-se definitivamente fixada a seguinte matéria fáctica: i) - a autora é uma sociedade que se dedica à actividade seguradora; ii) - em 1 de Outubro de 1995, entre " D, L.da" e a autora foi celebrado um acordo consubstanciado no escrito denominado apólice nº 10/17269 (junto de fls. 12 a 16, cujo teor se dá aqui integralmente reproduzido), pelo qual se declarou a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores da " D" indicados nas respectivas folhas de salários, entre os quais E; iii) - em 17 de Junho de 1996, "D" participou à autora um sinistro ocorrido em 14/06/96, cerca das 15 horas, com um trabalhador ao seu serviço, o referido E; iv) - à data do sinistro, a ré "B, L.da" e a "D, L.da" encontravam-se a realizar um trabalho de saneamento em Belinho, Esposende, tendo ambas vários funcionários a laborar nesse local e ao seu serviço, encontrando-se o F, ao serviço e sob as ordens da "D, L.da", a realizar um trabalho de remoção de terra que se encontrava junto de um muro para a estrada; v) - correu termos pelo Tribunal de Trabalho de Lamego, sob o nº 298/98, um processo de acidente laboral, relativamente ao acidente em apreço, tendo nesse processo a autora sido condenada a pagar ao E uma pensão anual e vitalícia de 540.811$00, a partir de 9 de Outubro de 1997, inclusive, a satisfazer em duodécimos e no domicílio daquele, uma prestação anual de valor igual ao montante do duodécimo da pensão anual a que o sinistrado tiver direito nesse mês e a quantia de despesas efectuadas por E e por ele reclamadas no valor de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
4 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT