Acórdão nº 04B3354 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Outubro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução19 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça IA Sociedade A intentou, no dia 16 de Abril de 1999, contra a B e o C de Vila Verde, acção declarativa e de condenação, com processo ordinário, pedindo a declaração da ilicitude da actividade dos réus de tiro aos pombos e a sua condenação a absterem-se de realizar identificado concurso de tiro aos pombos ou outro com a utilização de alvos vivos, nomeadamente pombos, e de matar, ferir ou deixar morrer, mormente à fome ou à sede os animais que se encontrem em seu poder, e a fixação de sanção pecuniária compulsória para a hipótese de não cumprirem a decisão que lhes seja desfavorável.

Os réus apresentaram contestação, excepcionando a incompetência do tribunal em razão da matéria e afirmando a licitude da actividade de tiro ao voo, e o C de Vila Verde pediu, em reconvenção, a condenação da autora na indemnização no montante de 2 560 000$, e juros à taxa legal pelos prejuízos decorrentes de não ter podido realizar o torneio agendado para o dia 3 de Abril de 1999 em razão de providência cautelar conexa com a acção.

Julgada, em recurso, improcedente a excepção da incompetência em razão da matéria do tribunal judicial, foi proferida sentença na fase da condensação do processo, no dia 29 de Agosto de 2003, que absolveu os réus quanto à acção e a autora quanto à reconvenção.

Apelou a autora e a Relação, por acórdão proferido no dia 11 de Março de 2004, negou provimento ao recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, derrogou parcialmente o despacho de 4 de Abril de 1994 no âmbito do tiro a alvos vivos; - a regra é a do respeito pelo direito dos animais, conforme decorre das excepções relativas à tourada e a caça; - são proibidas todas as violências injustificadas contra animais, ou seja, os actos consistentes em, sem necessidade, infligir-lhes a morte ou o sofrimento cruel e concursos, torneios, exibições ou provas similares que lhes provoquem dor ou sofrimento consideráveis; - ao admitir-se que os animais podem servir como alvo, por isso trazer para o atirador um acréscimo de dificuldade e de divertimento pessoal, recusa-se-lhes qualquer espécie de protecção ou valor próprio; - a prática de tiro aos pombos não tem subjacente qualquer tradição nem implica qualquer valor cultural, pelo que não há fundamento legal para fundamentar a excepção da sua permissão; - a única utilidade real na morte dos animais é o gozo pessoal dos atiradores, e a proibição do tiro com alvos vivos está prevista no artigo 1º, n.º 1, da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro; - a substituição de animais vivos por alvos artificiais não deturpa o desporto nem lhe retira eficácia nem realização de objectivos; - aceitar que a competição e a aferição da destreza e o acréscimo de gozo ou divertimento de alguns ou a tradição são suficientes para afastar a proibição da morte ou sofrimento de animais sem necessidade consagrada na Lei 92/95, de 12 de Setembro, é negar a sua existência; - a atribuição da utilidade pública à recorrida B, em despacho omisso quanto ao tiro aos pombos, não afecta a referida proibição da lei; - a interpretação da lei pelo acórdão recorrido no sentido da não proibição viola o texto e o seu espírito, pelo que deve ser revogado.

Responderam os recorridas, em síntese de conclusão: - a protecção dos animais não está prevista na Constituição e o artigo 1º da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, não contém enumeração taxativa das excepções a considerar; - nos termos dos artigos 202º, n.º 1, 205º, n.º 1 e 212º, n.º 3, do Código Civil, os animais são coisas móveis, sem direito à integridade pessoal ou física, pelo que podem ser apropriados; - a protecção dos animais não ocorre por via de lhes atribuir direitos, mas pelo dever das pessoas em relação a eles, e a atribuição àqueles do direito à vida e à integridade física só poderia operar por via de alteração da Constituição; - no plano teleológico, a expressão necessidade constante da lei não pode ser interpretada no plano puramente económico, antes se impondo-se a ponderação de valores jurídicos tutelados, em termos de a protecção dos animais ceder a valores hierarquicamente superiores, sem recurso a analogia; - a lei relativa à arte equestre, às touradas, à caça e à investigação científica não contém normas excepcionais insusceptíveis de aplicação analógica; - existe total semelhança entre a actividade do tiro ao voo aos pombos e as largadas nos campos de treino de caça - artigos 2º, alínea l), da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro, e 2º, alínea s), e 51º do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro; - no tiro ao voo aos pombos a sua morte ocorre imediatamente ou muito rapidamente, sem sofrimento prolongado e cruel, e não morrem pelo meio indicado pelos recorrentes; - o tiro aos pombos não é substituível pelo tiro aos pratos ou a hélices, existe há muito em Portugal, consta desde o século passado em programas de inúmeras festas populares de centenas de freguesias do País, é parte integrante do património cultural português; - a defesa do património cultural português, prevista na Constituição, e das tradições justificam as excepções da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, pelo que importa operar a extensão analógica do conceito de necessidade; - a vontade do legislador foi no sentido de manter a licitude da actividade de tiro aos pombos, tal como a pesca desportiva, apesar de nesta os peixes terem sofrimento cruel e prolongado.

IIÉ a seguinte a factualidade declarada provada nas instâncias: 1. A autora, Sociedade A, é uma associação zoófila, com estatutos aprovados pelo Alvará n.º 23/949, de 13 de Junho de 1949, cujos fins, entre outros, são os de impedir e reprimir tudo quanto represente crueldade contra os animais e assegurar o respeito pelos seus direitos.

  1. A ré B foi declarada pessoa colectiva de utilidade pública por despacho do Primeiro Ministro de 15 de Junho de 1978, e foi-lhe concedido o estatuto de utilidade pública desportiva pelo despacho do Primeiro Ministro de 18 de Março de 1994.

  2. A autora tem conhecimento de que as rés organizaram um concurso de tiro com chumbo, com utilização de pombos, e pretendem realizá-lo no dia 3 de Abril de 1999, nas instalações do segundo réu, prova integrada no calendário oficial de 1999 de tiro com alvos vivos.

  3. A entidade responsável pela organização dessas provas é a primeira ré, nos termos do seu regulamento, e a realização em concreto da prova caberia ao segundo réu, e seria o contributo material, humano e financeiro do último que poria de pé o referido torneio, e seria da competência da primeira a coordenação, orientação e supervisão da dita prova.

  4. Uma das actividades dos réus é a prática de tiro com chumbo, com utilização de alvos vivos - pombos, aos quais são arrancadas penas da cauda antes de serem libertos, e, no âmbito dessas provas, são mortos.

    IIIA questão essencial decidenda é a de saber da legalidade ou ilegalidade em Portugal da modalidade de tiro aos pombos, isto é, com alvos vivos.

    Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e dos...

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