Acórdão nº 04B3758 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução25 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A", representada por sua mãe B, intentou, no Tribunal Judicial de Melgaço, acção de investigação de paternidade contra C, D e E, pedindo que seja reconhecida como filha de F (marido e pai das rés).

As rés contestaram e, por excepção, suscitaram a questão da incompetência territorial do tribunal e a excepção absoluta de incompetência, entendendo que o tribunal português é internacionalmente incompetente para julgar a acção.

Na réplica defendeu a autora a competência territorial, não só do Tribunal de Melgaço, mas também a competência internacional dos tribunais portugueses.

No despacho saneador, foram julgadas improcedentes ambas as excepções.

Agravaram as rés desse despacho, sem êxito embora, uma vez que o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 5 de Maio de 2004, decidiu negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido.

De novo as rés agravaram, agora da 2ª instância, pretendendo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que considere os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para a presente acção, ou quando assim se não entender, julgue territorialmente competente o tribunal de Lisboa.

Em contra-alegações pugnou a recorrida pela manutenção do decidido.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações da revista formularam as recorrentes as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. O investigado F cujo óbito ocorreu em 27/08/2002, residia em França juntamente com as rés, aqui recorrentes, onde tinha a sua residência em 68 Rue de la Procession, 94470 Boissy, St. Léger, France.

  1. A Autora juntamente com sua mãe, desde Maio de 1998, residem em França, em Bonneuil-Sur-Marne (Val de la Marne) na Rua Arthur Honneger, 3, pois aí tem a sua vida organizada.

  2. A Autora foi concebida biologicamente em França, aí nasceu, aí foi registada na conservatória do registo civil, e aí passou a residir.

  3. A causa de pedir nesta acção é única e simples, ou seja, consiste no facto naturalístico da procriação biológica da menor pelo réu a quem a paternidade é imputada.

  4. O tribunal recorrido, ao considerar-se competente para a acção, violou de modo flagrante o comando ínsito no art. 65º, n° 1, alínea c), do C.Proc.Civil.

  5. Caso se admita que os tribunais portugueses são competentes para julgar esta acção, hipótese que se admite sem conceder, a acção terá que tramitar pelo tribunal de Lisboa, pois quer a autora quer as rés têm domicílio e residência em França.

  6. O tribunal a quo, ao considerar competente para a acção o Tribunal de Melgaço, violou o comando do art. 85º, nº 3, do CPC.

  7. A interpretação dada pelo tribunal a quo ao art. 65°, n° 3, alínea c), do CPC, viola os arts. 13° e 20º da Constituição.

Constitui, em primeira análise, o objecto do recurso, averiguar se, atentas as regras de competência internacional, são ou não os tribunais portugueses competentes para o julgamento desta acção.

Ora, "a competência jurisdicional é um pressuposto processual, isto é, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa através de uma decisão de procedência ou de improcedência. Como qualquer outro pressuposto processual, a competência é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor". (1) Dir-se-á, antes de mais, que depois das Convenções de Bruxelas e de Lugano de 16 de Setembro de 1988 (esta complementar daquela) (2), surgiu o Regulamento nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 (3), o qual substituiu entre os Estado-Membros aquelas Convenções (art. 68º, nº 1), e que, de igual modo, contém normas que definem a competência dos tribunais dos Estados comunitários, constituindo uma lei especial perante as normas reguladoras da competência internacional previstas nas leis internas: assim, sempre que o caso concreto cabe no âmbito de aplicação do citado Regulamento, as respectivas normas prevalecem sobre a regulamentação geral interna de cada Estado. Não sendo esse o caso, as normas nacionais mantêm a sua plena vigência (cfr. art. 4º da anterior Convenção de Bruxelas).

Todavia, o âmbito de aplicação do Regulamento nº 44/2001 que, no "art. 1º reproduz o preceito correspondente da Convenção de Bruxelas (e de Lugano) quanto ao campo material de aplicação" (4), é delimitado em função da matéria, dos sujeitos e do objecto, aplicando-se em matéria civil e comercial, com excepção, além do mais, das questões relativas ao estado e à capacidade das pessoas singulares (al. a) do nº 2 do art. 1º).

Uma vez que a presente acção se reporta, como é visível, ao estado das pessoas singulares - relação de filiação - está afastada da estatuição daquele Regulamento.

Certo que o Regulamento nº 1347/2000, do Conselho, de 29 de Maio de 2000 (5) veio...

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