Acórdão nº 04B4249 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução03 de Março de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A", L.da", "B" - Comércio de Automóveis, L.da", C e D intentaram, no Tribunal Judicial de Cascais, acção declarativa com processo ordinário contra o "Banco E, SA", peticionando a condenação deste: a) a pagar à 1ª autora uma indemnização global de 95.000.000$00, sendo 90.000.000$00 correspondente aos benefícios que aquela deixou de auferir em consequência da conduta do réu e 5.000.000$00 correspondentes a danos não patrimoniais causados pela actuação do réu; b) a pagar à 2ª autora uma indemnização global de 11.502.747$00, sendo 6.502.747$00 o montante correspondente aos danos patrimoniais causados à 2ª autora pelo Banco réu e 5.000.000$00 correspondentes a danos não patrimoniais causados à mesma autora; c) a pagar ao 3° autor uma indemnização global de 5.000.000$00, quantia correspondente ao computo dos danos não patrimoniais causados a este pela conduta do réu, por ofensa ao seu crédito e bom nome; d) a pagar ao 4° autor uma indemnização global de 5.000.000$00, quantia correspondente ao cômputo dos danos não patrimoniais que lhe foram causados pela conduta do réu, por ofensa ao crédito e bom nome daquele; e) a pagar aos autores os juros moratórios que a partir da citação e até integral e efectivo pagamento, à taxa legal de 10% ao ano, se vencerem sobre as quantias acima referidas.

Alegaram, para tanto, essencialmente, que: - a 1ª e a 2ª autoras dedicam-se ao comércio de automóveis, sendo os 3° e 4° autores os seus sócios gerentes; - com vista ao normal desempenho da sua actividade, a 1ª autora é titular de duas contas no BCP, as quais podem ser movimentadas através de assinaturas de qualquer um dos 3° ou 4° autores; - em 31/3/95, o 3° autor, carecendo de efectuar um pagamento a um funcionário da 1ª autora, contactou telefonicamente o balcão do BCP, a fim de obter informação quanto ao saldo da conta n° 83567344, tendo sido informado de que a conta apresentava um saldo positivo de 190.480$60; - com base nessa informação, emitiu um cheque no montante de 190.000$00, ao portador, e, ao tentar proceder ao seu levantamento, foi o mesmo recusado pela Agência onde tem sediada a conta, com a informação de que, caso o autor persistisse no levantamento, seria recusado o pagamento por falta de provisão; - o autor insistiu em que o montante lhe fosse entregue, e o gerente da dependência da Abóbada apôs no cheque o carimbo de falta de provisão; - o réu efectuou tal manobra com o intuito de assegurar a cobrança de juros, que se venceriam dias depois; - subsequentemente, o réu decidiu desencadear o mecanismo do Dec.lei nº 454/91, de 28 de Fevereiro, informando a 1ª e os 3° e 4° autores de que, caso não procedessem à regularização do referido cheque, se veria forçada a rescindir a convenção do convenção do uso de cheque, o que não tinha fundamento por, à data da respectiva emissão, o cheque apresentar provisão e não existir prejuízo para terceiro, por coincidirem a pessoa do sacador e do tomador; - o réu rescindiu a convenção do uso do cheque e, na sequência da comunicação feita pela ré ao Banco de Portugal, foram os autores incluídos na listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco; - por esta razão todos os bancos com quem os autores operavam rescindiram as convenções de uso de cheque relativamente aos autores; - os autores recorreram ao Banco de Portugal, que os removeu da listagem de utilizadores que oferecem risco; - durante 181 dias os autores viram-se por completo privados do direito de utilização de cheques, relativamente a qualquer entidade bancária, o que lhes causou inúmeros prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento ora requerem e cuja responsabilidade imputam ao Réu, por se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil, por facto ilícito.

Citado o réu, veio contestar, arguindo, além do mais, as excepções da irregularidade de representação da ré "B" por ter sido declarada falida, por sentença de 23/02/96 e de falta de interesse em agir por os autores já não constarem da listagem de utilizadores que oferecem risco.

Por impugnação sustentou, em síntese, que: - abriu à "...", actual "A", dois créditos no valor de 25.000.000$00 e 10.000.000$00, para serem utilizados sob a forma contabilística de contas correntes, sendo que tais aberturas de crédito tinham como correspectivo para o réu, a cobrança de juros; - foi acordado que os juros eram debitados com determinada periodicidade na conta de depósitos à ordem n° 8356744, sendo que a empresa se comprometeu a manter a referida conta habilitada de molde a suportar pontualmente os débitos dos juros devidos e outros encargos e autorizou o Banco a proceder à respectiva movimentação nessa mesma conta, razão porque o Banco não carecia de qualquer autorização para efectuar movimentos nas contas e debitar os juros e encargos gerados por aquelas contas; - em 31/03/95, venceram-se juros emergentes das aberturas de créditos utilizados pela 1ª autora sob a forma de conta corrente, no valor de 380.500$00; - o autor C, não desconhecendo que em 31/03/95 se venciam juros emergentes das contas em apreço, em representação da "A", emitiu o cheque no valor de 190.000$00, num momento em que o Banco já havia iniciado as operações contabilísticas de liquidação dos juros por contrapartida do saldo existente na conta n° 83567344, motivo por que em 31/03/95 a conta em apreço não dispunha do alegado saldo credor de 190.000$00, razão por que o cheque foi devolvido por falta de provisão; - o documento n°3 junto com a petição inicial é um registo informático não actualizado pelos respectivos serviços em virtude do decurso da operação contabilística de liquidação de juros; - acresce que a rescisão de convenção por parte dos outros Bancos ocorreu, por a 1ª autora ter emitido um outro cheque, o qual veio a ser devolvido por falta de provisão, em 22/05/95; - impugna a demais factualidade alegada, defendendo que foram os autores, com a sua conduta, que motivaram a rescisão da convenção de cheque por todos os Bancos relativamente a eles.

Exarado o despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções de irregularidade de representação e da falta de interesse em agir, condensado e instruído o processo, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu de todos os pedidos que contra o mesmo foram formulados.

Inconformados apelaram os autores, com sucesso, já que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 29 de Abril de 2004, considerou parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença do Tribunal a quo e deliberando em sua substituição o seguinte dispositivo: "Acordam em julgar a acção parcialmente procedente, condenando o réu a pagar aos autores a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença".

Interpôs, então, o réu recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido com a manutenção da sentença proferida na 1ª instância.

Em contra-alegações sustentaram os recorridos a bondade do decidido.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações do recurso formulou a recorrente as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): I. Tendo ficado provado que "em 31/03/95 se venceram juros emergentes das aberturas de crédito" e que a recorrida "A", L.da" "autorizou expressamente o Banco a proceder à respectiva movimentação nessa mesma conta", tem de se concluir que o Banco estava autorizado a debitar os juros em 31/03/95, dentro do seu horário normal de funcionamento, que, conforme é facto público e notório, termina antes das 24 horas.

  1. Tendo ficado também provado que "o 3° autor sabia que no dia 31/03/95 seria liquidada determinada quantia de juros" (resposta ao quesito 89°), não é legítimo afirmar-se que só a partir das zero horas do dia 01/04/1995 o Banco poderia iniciar a operação de débito dos juros.

  2. O acórdão recorrido fez, pois, errada interpretação e aplicação da norma da alínea c) do art. 279° do Código Civil.

  3. Em qualquer caso, a "A", L.da" nunca poderia exigir, no dia 31/03/1995, a entrega da quantia de 190.000$00, nem opor-se a que, perante tal exigência, o Banco debitasse os juros nesse próprio dia, pois essa pretensão seria totalmente abusiva e ofensiva das mais elementares regras da boa fé, daí resultando que o exercício do seu eventual direito sempre teria de considerar-se abusivo e ilegítimo, nos termos do art. 334° do Código Civil.

  4. Dos factos provados resulta claramente que os autores, sabendo embora que no dia 31/03/1995 se venciam juros devedores e que a conta não poderia ter saldo superior a 190.480$60, procuraram evitar que o Banco pudesse concretizar a cobrança de pelo menos uma parte dos juros a que tinha direito, tentando levantar, nesse mesmo dia, a quase totalidade daquele saldo.

  5. Os autores, desse modo, procuraram impedir o Banco de satisfazer, pelo menos de forma parcial, o seu direito de crédito, violando, de forma grosseira e chocante, a sua obrigação, o que corresponde a uma actuação ofensiva das regras da boa fé.

  6. Perante esta tentativa ilegítima de frustração do crédito do Banco, nas circunstâncias em que ocorreu, a actuação deste ao recusar o pagamento do cheque foi perfeitamente legítima.

  7. Ao não entender que, a julgar-se existente o direito da 1ª autora, ocorreu o exercício abusivo desse direito, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 334° do Código Civil.

  8. Não pode deixar de se entender que o Banco agiu correctamente ao devolver o cheque com fundamento em falta de provisão, tanto mais que, conforme ficou demonstrado, "o autor C emitiu, em representação da "A", L.da", um cheque de 190.000$00 num momento em que o Banco já tinha iniciado as operações contabilísticas de liquidação dos juros por contrapartida do saldo existente na conta 83567344".

  9. Tendo ocorrido...

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