Acórdão nº 04B4349 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelFERREIRA DE ALMEIDA
Data da Resolução20 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A", dev. id. nos autos, instaurou, com data de 23-10-01, acção ordinária contra "Garagem B", com sede no Porto, solicitando: - se decretasse a anulação do contrato de compra e venda celebrado com a Ré e relativo ao veículo de matrícula ER; - a condenação da Ré a restituir-lhe a quantia de 2.600.000$00, que dele recebeu; - a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 1.000.000$00 a título de danos não patrimoniais.

Alegou, para tanto, e resumidamente, o seguinte: - adquiriu à Ré um veículo de marca "Renault Laguna", de matrícula ER, do ano de 1994; - inspeccionou o veículo, cujo conta-quilómetros marcava cerca de 43.000 Kms, pelo que o adquiriu pelo preço de 2.600.000$00, que pagou, sendo 900.000$00 através da entrega do seu anterior veículo; - na posse do veículo, só mais tarde - em 30-5-98 - lhe foram entregues os documentos e bem assim o "livro de assistência"; - pôde então constatar que, aquando da última revisão, que tinha tido lugar em Dezembro do ano anterior, o veículo tinha registados como percorridos cerca de 80.000 Kms; - de imediato contactou a Ré, a quem propôs a anulação do negócio, o que ela rejeitou; - a alteração da quilometragem do veículo que adquiriu à R. foi efectuada nas instalações desta, quando o vendedor lhe garantiu que o veículo tinha percorrido os 43.434 Km que o conta-quilómetros apresentava, o que foi decisivo para o ter adquirido até porque o seu anterior veículo tinha também cerca de 80.000 Kms e, por esse facto, decidira adquirir outro com menos quilometragem; - se soubesse da quilometragem real do veículo que veio a adquirir, que lhe foi ocultada, não o teria adquirido, para além de que, tendo tomado todas as cautelas para negociar com uma firma credenciada e séria, e tendo sido por ela enganado de forma grosseira e dolosa, sentiu-se enganado e frustrado, o que o fez sofrer, tendo-se visto forçado a andar com um veículo que não queria, o que o traz permanentemente em sobressalto.

  1. Contestou a Ré por impugnação, referindo também sumariamente, que: - o veículo que vendeu ao A. já acusava cerca de 85.000 Kms quando deu entrada nas suas instalações, tendo sido com essa quilometragem que foi exposto para venda; - o A. tem detido e utilizado o veículo percorrendo mais de 40.000 Kms; - a existir nulidade do negócio, havia que reconstituir a situação inicial, a qual não é possível atenta a utilização do veículo efectuada pelo A., que sem causa enriqueceria à sua custa, sendo o valor actual do veículo o de 930.000$00.

    Invocou, ainda, o abuso do direito na conduta do A.

  2. Houve réplica do A.

  3. Por sentença de 17-10-03, a Mma Juíza da 2ª Vara Cível da Comarca do Porto, julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decretando a anulação do contrato de compra e venda do veículo em causa, condenou a Ré a restituir ao A. a quantia de 8.479,56 € (1.700.000$00) bem como o veículo de matrícula AX ou, caso a mesma não fosse possível, o montante de 4.489,18 € (900.000$00) que lhe foi atribuído, bem como a pagar-lhe a quantia de 498,80 € a título de danos não patrimoniais, devendo o A. restituir à R. o veículo "Renault Laguna" de matrícula ER.

  4. Inconformada, apelou a Ré apelou, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 31-5-04, julgado a apelação parcialmente procedente, revogando a decisão recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao A. quantia de 498,80 €, a título de danos não patrimoniais, no mais mantendo o decidido em 1ª instância.

  5. De novo irresignada, desta feita com tal aresto, dele veio a mesma Ré recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: a) - Se, tendo merecido resposta de não provado que fosse "decisivo para o A que o veículo tivesse a quilometragem que o respectivo conta-quilómetros apresentava resposta limitativa ao quesito 9º, resta como provado, somente que: - na data em que acordou com o A, adquirir o ER o mesmo apresentava no respectivo conta-quilómetros 43.434 Kms; - o vendedor da Ré-recorrente informou-o das características do veículo, seu estado e ano de abrico (tão somente o A.: - verificou a quilometragem que o veículo apresentava, - o A, confiando no que o vendedor lhe garantira e na quilometragem, que o veículo apresentava (veio a outorgar o contrato se conclui que "não estamos perante "sugestões e artifícios"... utilizados pelo vendedor (...) que se inserem perfeitamente no comércio jurídico"(sic), apesar de tal excerto ter sido colhido num aresto do S.T.J. antes perante uma "aldrabice ", viola-se o regime dos artigos 253, n° 2 e 8, n° 2 - até por referência ao aresto do STJ de 20.03.03 -, como 9, n° 1 do C.C., bem como, sem "perplexidade", a noção de "experiência comum ".

    a. 1) É que, tal como nas pessoas, quanto aos objectos aparentemente bem conservados, há muitas vezes o gosto de fazer ajustar a aparência ao presumível desgaste temporal, pelo que se busca parecer - ou mostrar ter uma "vivência" compatível com a razoável "aparência" E daqui, se nem no contrato de casamento, esse "ludíbrio" seja fundamento de anulação, nada de mais grave podemos concluir no domínio das "coisas", até porque em relação a estas - mais facilmente que às pessoas.

    "Melhor é experimentá- o que julgá-lo; Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo!", como se escreveu, de um saber de "experiência" feito no canto IX de "Os Lusíadas".

    b) - Se o douto acórdão considera como matéria de facto assente: - não se provar que "a Ré assegurou ao A. que o veículo tinha percorrido a quilometragem que... apresentava, por forma a convencê-lo a comprar-lho" - quesito 11° - - como não provado que a Ré "soubesse que essa qualidade e circunstância era decisiva para que o A. adquirisse o veículo" - quesito 12°, - nem que o vendedor informou a quilometragem - resposta limitativa ao quesito 7°; - nem que a Ré assegurou que a quilometragem era a que constava do respectivo conta-quilómetros, de forma a convencê-lo a comprar-lho - resposta negativa ao quesito 11° - e, mais ainda, - que sabia a R. que essa qualidade era decisiva para que o adquirisse o veículo"-...

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