Acórdão nº 04B4387 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução27 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" intentou, no Tribunal Cível de Lisboa, acção declarativa de condenação com processo ordinário contra B, pedindo que seja declarado resolvido o contrato promessa celebrado entre as partes; que o Réu seja condenado a pagar ao autor, a título de indemnização pelo não cumprimento do contrato, a quantia de 20.000.000$00 acrescida de juros legais a contar da citação; e que seja reconhecido ao autor o direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato.

Alegou para tanto, em síntese, que: - celebrou com o réu um contrato-promessa de compra e venda nos termos do qual o réu prometeu vender e o autor prometeu comprar um imóvel sito em Lisboa pelo preço de 30.000.000$00, tendo o autor entregue a quantia de 10.000.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento; - foi conferida a posse do imóvel ao autor, a quem o réu entregou as chaves; - não se realizou a escritura definitiva por culpa exclusiva do réu.

Contestando pugnou o réu pela improcedência da acção, sustentando, para o efeito, que o autor sempre teve conhecimento de que o imóvel se encontrava onerado, disponibilizando-se o réu para agendar nova data para a celebração da escritura ou mesmo para cancelar o negócio e entregar ao autor a quantia recebida a título de sinal, sendo que, por incumprimento do contrato-promessa pelo autor, já o resolveu.

Exarado despacho saneador, condensados e instruídos os autos, procedeu-se a julgamento com decisão acerca da matéria de facto controvertida.

Foi, depois, proferida sentença que julgou a acção procedente por provada e, em consequência, decidiu: a) declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes; b) condenar o réu a pagar ao autor a quantia de 20.000.000$00 (99.759,58 Euros) acrescida de juros desde a citação (10/01/2002); c) declarar que o autor tem direito de retenção sobre o imóvel descrito na petição inicial, para garantia do pagamento daquele montante.

Inconformado apelou o réu, sem êxito, já que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 29 de Abril de 2004, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Interpôs, então, o mesmo réu recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e sua substituição por outro que, revogando a sentença proferida, julgue a acção improcedente.

Em contra-alegações defendeu o recorrido a manutenção, in totum, do acórdão em crise.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações do recurso formulou o recorrente as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. Na acção declarativa em apreço o recorrido, com base num contrato-promessa de compra e venda de um prédio, sito em Lisboa, na Travessa do Fala Só que celebrou com o recorrente, formulou 4 pedidos, concretamente a declaração de resolução do dito contrato-promessa, a condenação do recorrente no pagamento do sinal em dobro - 20.000.000$00 - dos juros de mora e ainda no reconhecimento do direito de retenção sobre o sobredito imóvel.

  1. Os 4 pedidos formulados pelo recorrido têm por fundamento: a) o facto de a escritura pública de compra e venda não ter sido celebrada, na óptica do recorrido, por culpa exclusiva do recorrente; b) o facto do recorrente ter recusado cumprir o dito contrato-promessa de compra e venda, o que consubstanciaria uma situação de incumprimento definitivo do contrato.

  2. O motivo da não celebração da escritura pública de compra e venda ficou a dever-se à não apresentação de certidão predial de teor que comprovasse os elementos registrais necessários à feitura da mesma.

  3. O motivo da não celebração da escritura pública de compra e venda encontra-se provado nos autos por documento autêntico, com força probatória plena, não ilidida pelo recorrente, antes sim, confirmada e aceite especificadamente por este (nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 567º do Código de Processo Civil).

  4. Encontra-se nos autos uma certidão predial junta pelo recorrido datada do dia anterior ao da data designada para efeitos de celebração da escritura pública (documento nº 1), o que permite concluir que o recorrido a tinha em seu poder no dia da escritura (vide a este propósito a resposta dada ao quesito 4º da base instrutória) e, como tal, que a escritura pública de compra e venda poderia ter sido celebrada se este tivesse procedido à sua entrega.

  5. É falso, pois, que a escritura pública de compra e venda não tenha sido celebrada por culpa exclusiva do recorrente.

  6. A escritura pública de compra e venda não foi celebrada, pelo menos, também por culpa do recorrido, porquanto tinha em seu poder a necessária certidão predial e não procedeu à sua entrega.

  7. Nos termos do artigo 799º, nº 1, do Código Civil, o recorrente provou que a não celebração da escritura pública de compra e venda não procedeu de culpa sua, muito menos de culpa exclusivamente sua.

  8. Todavia, num ou noutro caso, a não celebração da escritura pública de compra e venda pelo motivo supra referido sempre seria conducente a uma situação de incumprimento temporário e de mora e não a uma situação de incumprimento definitivo.

  9. Para efeitos de apurar a existência de uma alegada situação de recusa definitiva de cumprimento do contrato por parte do recorrente, o Tribunal de 1ª instância formulou o quesito 4º, o qual, obteve resposta negativa no que concerne à parte que versava sobre a referida situação de recusa de cumprimento, pelo que, não resultando provada nos autos qualquer recusa de cumprimento definitivo do contrato por parte do recorrente, não podia o Tribunal de 1ª instância ter declarado a resolução do contrato e condenado o recorrente a pagar o sinal em dobro e, muito menos, podia o Tribunal da Relação de Lisboa sufragar tal decisão.

  10. Entenderam o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação de Lisboa que ao ter resultado provado ter o recorrente afirmado não dispor de fundos para proceder à expurgação da hipoteca ficou demonstrado que este assumiu, desse modo, uma posição de recusa definitiva do contrato.

  11. Tal interpretação da matéria dada como provada não só é errada como é demasiadamente valorativa e excessiva, porquanto a maior parte dos factos alegados pelo recorrido foram dados, apenas e tão só, como não provados.

  12. Na verdade, a interpretação correcta da matéria que nesta parte resultou provada tem que ser entendida e compreendida como um simples e claro comportamento de boa fé por parte do recorrente e sempre enquadrada dentro do contexto dos factos alegados pelo recorrente ao longo de todo o processo.

  13. A afirmação de que não se dispõe de fundos para se expurgar uma hipoteca não pode nem equivale a dizer que não se tem bens que possibilitem ou permitam alcançar tal desiderato, mas, acima de tudo, não pode equivaler a dizer que o emissor de tal declaração está a assumir uma posição de recusa, em definitivo, da celebração de um contrato: no limite, sempre se estaria perante uma situação de dúvida, isto é, perante uma situação que estaria na fronteira entre a existência ou não de recusa de cumprimento, sendo que, neste caso, esta deveria aproveitar ao recorrente e não ao recorrido (artigo 516º do Código de Processo Civil).

  14. E a reforçar a ideia de que, no limite, existe uma situação de incumprimento temporário, encontra-se o facto, repita-se, do recorrido não ter alegado perda de interesse no negócio, nem tão pouco ter procedido à necessária interpelação do recorrente, o que afasta a possibilidade de existência ou verificação de uma situação de incumprimento definitivo.

  15. Acresce ao exposto que o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciaram sobre a questão do contrato ter sido já resolvido por parte do recorrente, quando podiam e deviam tê-lo feito, porquanto se trata de uma questão prévia e fundamental, da qual dependem os próprios pedidos formulados pelo recorrido.

  16. Com efeito, o recorrente alegou nos artigos 27º e 28º da contestação que, à luz de um direito que lhe assistia - 442º, nº 2, 1ª parte do Código Civil -, resolveu o sobredito contrato-promessa e fez sua a quantia de 10.000.000$00 recebida a título de sinal.

  17. A pertinência desta questão - resolução do contrato já operada pelo recorrente - era de tal modo evidente que o Tribunal de 1ª instância não só...

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