Acórdão nº 04B4590 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução20 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "A" e B intentaram, no dia 23 de Março de 2000, contra o Município de Paredes, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a indemnizá-los pelo montante de € 20 350,95, acrescido de juros à taxa legal desde a citação, com fundamento no alegado prejuízo derivado de terem deixado, em Novembro de 1996, de retirar produtos da parcela de 2 367 m2 do prédio rústico sito em Castelões de Cepeda, Paredes, dito tomado por eles de arrendamento a C em Novembro de 1991, em razão da construção por ela da circular rodoviária de Paredes, acrescentado que a mesma lhes comunicou para cessarem a exploração agrícola e que os indemnizaria, mas que a tal se negou.

Pediram, ainda, o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e de custas, pedido esse que foi liminarmente admitido por despacho proferido no dia 9 de Agosto de 2000, mas ainda sem decisão final.

A ré, em contestação, afirmou a nulidade do contrato de arrendamento invocado pelos autores com fundamento na sua não redução a escrito, acrescentando que, aquando das averiguações prévias à construção da rodovia, não haver qualquer referência a arrendatário rural existente na área em que foi implementada, concluindo no sentido de os autores não terem direito a qualquer indemnização.

Os autores responderam no sentido de não ocorrer a nulidade do contrato de arrendamento invocada pela ré tendo em conta a declaração escrita emitida pelo senhorio e por virtude de a falta da sua não redução a escrito ao último ser imputável..

Na fase da condensação, no dia 17 de Janeiro de 2001, foi proferida sentença declarativa da extinção da instância sob o fundamento de o contrato de arrendamento haver sido celebrado verbalmente e, por isso, não terem apresentado um exemplar do seu suporte escrito.

Apelaram os autores, e a Relação, por acórdão proferido no dia 21 de Abril de 2002, ordenou o prosseguimento do processo com vista à elaboração da especificação e da base instrutória, sob o fundamento de poder implementar procedimento judicial o contraente não responsável pela não redução do contrato a escrito.

Realizado o julgamento no tribunal da 1ª instância, foi proferida sentença no dia 28 de Maio de 2003, por via da qual a ré foi absolvida do pedido, sob o fundamento de o contrato de arrendamento relativo à parcela de terra em causa não ter cessado nos termos do artigo 25º, nº 1, da Lei do Arrendamento Rural, não ser, por isso, aplicável o artigo 29º do Código das Expropriações de 1991 e, consequentemente, não haver lugar à indemnização prevista naquelas normas.

Apelaram os autores, e a Relação, por acórdão proferido no dia 9 de Fevereiro de 2004, deu parcial provimento ao recurso e condenou a apelada a pagar aos apelantes a quantia a liquidar em execução de sentença relativa aos prejuízos por eles sofridos com o não cultivo da parcela arrendada, com fundamento na impossibilidade absoluta superveniente de cumprimento do contrato de arrendamento imputável à apelada como locadora.

Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o contrato de arrendamento em causa não cessou nos termos do artigo 25º, nº 1 do Regime do Arrendamento Rural, pelo que se não aplica à situação sub iudice o regime previsto no artigo 29º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-lei nº 438/91 de 9 de Novembro, e os recorridos não têm direito a indemnização prevista nestes normativos; - o caso sub iudice não consubstancia uma situação de responsabilidade civil contratual, porque não sendo válido o contrato de arrendamento e desconhecendo a recorrente a sua existência, não recai sobre ela quaisquer obrigações cujo incumprimento ou impossibilidade de cumprimento possa originar a sua responsabilidade pelos prejuízos sofridos pelos recorridos; - o acórdão recorrido, ao fundamentar a procedência do pedido na responsabilidade civil contratual, fez incorrecta aplicação dos artigos 798º e 801º do Código Civil e violou os artigos 3º e 25º do Decreto-lei nº 385/88 de 25 de Outubro.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão de alegação: - o contrato de arrendamento rural não se extinguiu por caducidade, rescisão ou denúncia; - ao adquirir a propriedade sobre a parcela de terreno em causa, transmitiu-se para a recorrente a posição de locadora, a esta incumbindo manter o gozo e fruição daquela parcela para fins agrícolas a que foi destinada; - só assim não seria se a recorrente tivesse procedido à expropriação do contrato de arrendamento, caso em que teria de indemnizar os recorridos como arrendatários rurais; - ao privar os recorridos do gozo da parcela de terra em causa, a recorrente é obrigada a indemnizá-los nos termos gerais do direito, a contabilizar em execução de sentença.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. Os autores, por um lado, e C, por outro, declararam verbalmente, em Novembro de 1991, o último dar e os primeiros tomarem de arrendamento, pela renda anual de 96 alqueires de milho, 4 alqueires de feijão e metade do vinho, uma propriedade agrícola composta por terrenos de cultivo, ramadas de videiras, casa de habitação e dependências agrícolas, nomeadamente espigueiro, cortes de gado, eira, lagar e lojas, sita na Rua Doutor José Magalhães, freguesia de Castelões de Cepeda, Paredes.

  1. Os autores e C acordaram em que o prédio urbano da propriedade mencionada sob 1 se destinava a habitação permanente dos primeiros e do seu agregado familiar, e que os prédios rústicos se destinaram a ser explorados agricolamente pelos primeiros e demais pessoas do seu agregado familiar.

  2. No dia 10 de Novembro de 1991, C subscreveu uma declaração com o seguinte teor: "C, proprietário, residente na Rua Dr. Leite de Vasconcelos, nesta Freguesia e Cidade de Paredes, tem propriedades na Rua Dr. José Magalhães e do Carreiro, desta mesma Freguesia e Concelho de Paredes, tendo como inquilino A, residente nas referidas ruas, pagando anualmente em produtos agrícolas a devida renda, 96 alqueires de milho e 4 de feijão (sendo noventa e seis e quatro respectivamente) cujos números de matriz são, urbanos 102 e 338, rústicos 649. Por ser verdade passo a assinar o respectivo contrato. Paredes.

  3. Desde Novembro de 1991, ininterruptamente e até ao presente, são os autores e o seu agregado familiar que vêm explorando agricolamente a propriedade, habitando a casa, criando animais nas dependências agrícolas, lavrando, podando, vindimando e fazendo todos os demais serviços deste tipo de exploração.

  4. Os autores deixaram de cultivar uma parcela da propriedade referida sob 1, constituída por terreno de cultivo onde colhiam batatas, feijões e vinho, que a ré destinou à construção da Circular Rodoviária Interna de Paredes, e o acordo referido sob 1 ainda vigora para o restante terreno.

    III A questão essencial decidenda é a de saber se os recorridos têm ou não direito a exigir do recorrente indemnização pelo prejuízo decorrente da perda da possibilidade de exploração agrícola da parcela de terra em causa.

    Considerando o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação do recorrente e dos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - delimitação do objecto do recurso; - síntese relevante do regime jurídico do arrendamento...

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