Acórdão nº 04B658 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução18 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- "Supermercados A, Lda." intentou, no dia 7 de Outubro de 1992, contra "B, S.A." e "C, Lda." e "Companhia de Seguros D, S.A.", pedindo a condenação da primeira a realizar as obras necessárias para evitar os defeitos nocivos ou estragos no mesmo estabelecimento comercial em consequência das obras já efectuadas ou que venham a ser por ela efectuadas ou a seu mando e a condenação solidária de todas as rés no que viesse a apurar-se em execução de sentença a título de indemnização de danos presentes e futuros, liquidando os presentes em 463.515$. Fundamentou essencialmente a sua pretensão no facto de a 1ª ré ser dona de uma obra contígua ao prédio, onde tem e tinha um estabelecimento comercial, de a 2ª ré ser a empreiteira e a 3ª ré a seguradora, e na realização de escavações muito profundas no prédio da 1ª ré e a manutenção do espaço escavado, durante mais de dois anos, sem o necessário travejamento de contenção das paredes laterais do buraco feito e que isso lhe provocou danos naquele estabelecimento. A ré "Companhia de Seguros D, S.A.", em contestação, afirmou que só em pequena parte podia ser havida como responsável por indemnização dos prejuízos invocados pela autora, só entre Setembro de 1989 e Abril de 1990, altura em que a ré "C, Lda." demoliu e escavou, salvo dez por cento de franquia, e que, em relação a outros prejuízos, a responsabilidade era de "B, S.A.". "B, S.A.", em contestação, afirmou o erro na forma de processo, a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade própria e a sua não responsabilidade pelos prejuízos invocados pela autora. "C, Lda." afirmou, por seu turno, ter cumprido o contrato de empreitada celebrado com a "B, S.A.", não ser responsável por qualquer dano e haver transferido a sua responsabilidade por contrato de seguro. Replicou a autora, afirmando que a suspensão ou maior duração dos trabalhos não excluíam a obrigação de indemnização da ré "Companhia de Seguros D, S.A.", negou as excepções invocadas pela ré "B, S.A.", e referiu que a responsabilidade de "C, Lda." não se circunscrevia aos danos resultantes das suas obrigações decorrentes do contrato de empreitada. No despacho saneador foram as excepções julgadas inverificadas, salvo o erro na forma do processo quanto à realização de obras, absolvendo-se nessa parte "B, S.A." da instância. Foi apensada a esta acção uma outra intentada pela "Companhia de Seguros E, S.A.", na qualidade de proprietária do prédio arrendado à autora, contra as mesmas rés. Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 13 de Julho de 2001, que condenou solidariamente as três rés a pagarem à autora 463.515$ e uma indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos futuros decorrentes da limitação do uso e ou danificação do locado, a "Companhia de Seguros D, S.A." até ao montante de 800.000.000$. Apelaram a primeira e a terceira ré, tendo o recurso da última sido declarado extinto por deserção, e a Relação, por acórdão proferido no dia 25 de Setembro de 2003, julgou o recurso da primeira improcedente. Interpôs "B, S.A." recurso de revista, formulando, em síntese as seguintes conclusões de alegação: - não procedeu a demolição, escavação ou contenção, apenas tomou a iniciativa de tais trabalhos para cuja concepção e execução contratou "C, Lda.", empreiteira geral, e o comportamento da recorrente não é ilícito e culposo; - ao tomar a iniciativa daqueles trabalhos, actuou no exercício do seu direito de proceder a escavações no seu prédio, nos termos do artigo 1348º do Código Civil; - porque o exercício de um direito delimita negativamente o delito, não pode considerar-se que a actuação da recorrente constitua facto ilícito; - a vingar a interpretação do nº. 1 do artigo 1348º do Código Civil feita no acórdão, nenhum projecto da obra podia ser alterado pelo empreiteiro a pedido do dono da obra, afectando o direito de propriedade previsto no artigo 62º da Constituição; - o acórdão recorrido olvidou ter sido feito em 25 de Junho de 1990, o aditamento constante do escrito fotocopiado a folhas 249 a 250, de modo a prever a necessidade da escavação permanecer aberta por um período prolongado, do qual resulta que a "B, S.A." contratou com a "C, Lda." a realização dos trabalhos - transformação das ancoragens provisórias em definitivas - que aumentariam o período de segurança da escavação, suportando o custo adicional de 219.845.770$. - nada mais era exigível ao dono da obra que encomendou os projectos inicial e adicional e contrata a sua execução a uma das empreiteiras mais conhecidas à época no mercado em trabalhos do calibre do ajuizado, a quem responsabilizou contratualmente e, designadamente, com quem contratou a elaboração e execução de um projecto adicional e a realização dos trabalhos - transformação das ancoragens provisórias em definitivas - que aumentariam o período de segurança da escavação, suportando inclusive um custo adicional; - nada mais podia e pode ser exigido a recorrente, não havendo qualquer comportamento ilícito e culposo por parte da recorrente, não podendo ser responsabilizada nos termos do artigo 483º, nº. 1, do Código Civil; - afastada a responsabilização da recorrente pela prática de facto ilícito, prejudicada fica a aplicação do artigo 497º do Código Civil; - o acórdão recorrido violou os artigos 483º, nº. 1, 497º, nº. 1 e 1348º, nº. 1, do Código Civil e 62º da Constituição, pelo que o acórdão recorrido deve ser revogado. Respondeu a recorrida "Supermercados A, Lda.", em síntese de conclusão: - a legitimidade do empreiteiro para materializar a escavação é retirada da faculdade que legalmente assiste ao proprietário e que este exerce juridicamente quando encarrega alguém de fazer a escavação do seu prédio - 1207º e seguintes do Código Civil; - as alterações do plano convencionado para a obra não podem ser feitas pelo empreiteiro sem autorização do dono da obra, pelo que o impulso e a consequente legitimidade para a realização da obra ora modificada sempre tem a ver directamente com o proprietário e não com o empreiteiro; - a violação dos direitos por escavações feitas pela dona do prédio, ainda que por intermédio da respectiva empreiteira, é facto gerador de responsabilidade civil extracontratual da primeira; - o acórdão recorrido fez correcta interpretação dos artigos 483º, nº. 1, 497º, nº. 1, e 1348º, nº. 1, do Código Civil e não afectou o artigo 62º da Constituição. II- É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. A autora é arrendatária da única loja do prédio urbano sito na Avenida Casal Ribeiro, nº. ..., tornejando para a Rua Fernão Lopes, nºs. ..., freguesia de Arroios, Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo 1627, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº. 2133, a folhas 196 do Livro B-6, cuja aquisição do direito de propriedade está inscrita na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa na titularidade da "Companhia de Seguros E, S.A.". 2. O prédio de que de que a autora é arrendatária, de que a loja faz parte, é constituído por uma parte correspondente à sua construção original, a qual tem cerca de 50 anos, e por uma parte mais recente, produto de uma ou mais ampliações posteriores, à qual corresponde um avançado nível do rés-do-chão bem como os dois últimos andares do prédio, não tendo a construção constante da ampliação do armazém sido precedida de projecto. 3. Por escritura pública datada de 8 de Maio de 1985, lavrada no 10º Cartório Notarial de Lisboa, representantes da autora e da "Companhia de Seguros E, S.A." declararam alterar parcialmente o contrato de arrendamento relativo à loja mencionada sob 1, no sentido de que aquela loja passava a destinar-se a supermercados, restaurante, snack-bar e pastelaria. 4. Desde 25 de Março de 1995, a autora tem instalado e em funcionamento, na loja mencionada sob 1, um estabelecimento comercial de venda ao público das mercadorias próprias de supermercados, alimentares e não alimentares, funcionando também ali lojas de talho, cafetaria, dietética e lingerie, e a população residente na zona pertence, na sua maioria, às faixas etárias mais avançadas. 5. Estão instalados naquela zona, em especial com referência à data da propositura da acção, empresas e serviços, designadamente a sede do Banco de Fomento Exterior SA, o Forum Picoas, a central de camionagem de passageiros da Rodoviária Nacional e os serviços de informática do Ministério da Justiça, e alguns empregados dessas empresas e serviços são clientes do estabelecimento comercial da autora, que granjeou clientela e foi aumentando, com o consequente aumento de vendas. 6. O estabelecimento da autora estava bem equipado e fornecido e com boa apresentação, o seu acesso de pessoas e veículos era fácil, dispunha de amplas montras, ocupando praticamente todas a frentes do prédio, tanto para a Avenida Casal Ribeiro, como para a Rua Fernão Lopes, e a sua gestão era assegurada por empresário com experiência no respectivo sector de actividade. 7. "B, S.A." é dona do chamado "Quarteirão do Anjo", com frentes para a Avenida Fontes Pereira de Melo, a Praça Duque de Saldanha, a Avenida Casal Ribeiro, a Rua Engenheiro...

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