Acórdão nº 04P1389 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução27 de Maio de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. O Ministério Público deduziu acusação em processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo contra FJV, identificado nos autos, imputando-lhe a prática de factos integradores, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, p. e p., pelos artigos 131º e 132º/1 e 2, al. d), ambos do Código Penal, de um crime de maus tratos a cônjuge p. e p. pelo art. 152º/1 e 2 do Código Penal, na versão dada pela Lei 7/2000, de 27 de Maio e de um crime de detenção de substâncias perigosas p. e p. pelo art. 275º/1, 3 e 4 do Código Penal "ex vi" art. 3º, al. c) do DL. nº. 207-A/75, de 17 de Abril. Foi deduzido pedido de indemnização civil pelos menores RTV, MTV e GTV, representados pelo seu tutor, LTS, pedindo a condenação do arguido no pagamento aos demandantes da quantia global de € 176.500, acrescido de juros de mora, à taxa de 7%, contados desde a notificação do arguido até efectivo e integral pagamento e alegando, sumariamente, para o efeito que todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos menores em consequência da morte da sua mãe provocada pelo arguido. Efectuado o julgamento foi a acusação pública julgada procedente, por provada, e em consequência, foi o arguido condenado, pela prática em autoria material de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131º e 132º/1 e 2, al. a) do Código Penal, na pena de dezoito (18) anos de prisão; pela prática em autoria material de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo art. 152º/1 e 2 do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão; e pela prática em autoria material de um crime de detenção ilegal de arma de defesa p. e p. pelo art. 6º do DL. nº. 22/97, de 27 de Junho, na pena de um (1) ano de prisão. Em cúmulo jurídico, na ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido de harmonia com o disposto no art. 77º do Código Penal, foi o arguido condenado na pena única de vinte (20) anos de prisão. Foram declarados perdidos, em favor do Estado, os objectos apreendidos, nos termos do artigo 109º/1 e 3 do Código Penal; Foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por RTV, MTV e GTV e, em consequência, foi o demandado condenado no pagamento das quantias de: - Vinte e dois mil e quinhentos euros (€22.500), a repartir em partes iguais pelos demandantes RTV, MTV e GTV pelos danos morais por estes sofridos com a morte de RMMT; - Dez mil euros (€10.000) a repartir em partes iguais pelos demandantes RTV, MTV e GTV pelos danos morais sofridos por RMMT; - Trinta mil euros (€30.000) a repartir em partes iguais pelos demandantes RTV, MTV e GTV pela perda do direito à vida de RMMT; - Sessenta e sete mil quinhentos euros (€67.500) a repartir em partes iguais pelos demandantes RTV, MTV e GTV pelo lucro cessante do facto de deixarem de receber dinheiro para a sua vida de RMMT; quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa diária de 7% contados desde 10.01.2003 até efectivo e integral pagamento. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso o arguido para a Relação do Porto, que, porém, negando-lhe provimento, confirmou inteiramente a decisão recorrida da 1ª instância. Ainda irresignado, recorre agora o arguido ao Supremo Tribunal de Justiça, delimitando desde modo o objecto da sua impugnação: 1ª O arguido e recorrente praticou o crime de forma repentina, abrupta, sob forte e compreensível emoção, torturado, desorientado e traumatizado pela ideia de infidelidade da RMMT sua esposa que o desprezou e o humilhou, pelo que ao condenar o arguido por crime de homicídio qualificado fez-se incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 131º e 132º e não se aplicou o artigo 133º todos do Código Penal, mas aplicando aqueles não se fez correcta interpretação e aplicação dos arts. 72º, 73º e 74º todos do Código Penal. 2ª Ao não considerar que a carabina é de caça aos pássaros e não constitui qualquer perigo, seja onde for e como for, e ao considerar como sendo crime a detenção de uma arma adaptada para 6,35 mm o douto acórdão fez incorrecta interpretação e aplicação do artigo 275º do Código Penal e nº. 1, al. f), do art. 3º do DL 207-A/75, de 17/4, pois que são armas permitidas. 3ª Sem prova isenta e credível, no nosso modesto entendimento, o arguido foi condenado por crime de maus tratos a cônjuge, cfr. Lei 7/2000, de 27/5, pelo que o douto acórdão viola tal normativo. Respondeu o MP junto do tribunal recorrido em primeira linha no sentido de o recurso dever ser rejeitado em virtude de o recorrente se limitar à reedição dos argumentos já aduzidos em recurso do acórdão de 1ª instância. Em todo o caso, sempre o recurso deve ser improvido, não apenas porque nenhuma prova existe de que o arguido quando pôs termo à vida da esposa estivesse desorientado ou dominado por uma emoção de tal modo violenta que o levasse naquele momento à prática do crime. Pelo contrário os factos mostram que agiu em circunstâncias de especial censurabilidade. O arguido tinha em seu poder uma pistola adaptada de calibre 8 mm para o de 6,35 m, com carregador e cano de 6 cm, a qual se enquadra no art. 1º, nº. 1, a), da Lei 22/77, assim cometendo o crime do artigo 6º daquela Lei. E estão provados factos que integram a prática do crime de maus tratos do artigo 152º, nºs. 1 e 2, do CP. No mesmo sentido respondeu o tutor dos menores e em sua representação, pedindo o improvimento do recurso. Subidos os autos, manifestou-se o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no sentido da rejeição por irrecorribilidade do decidido quanto ao crime de maus tratos e detenção ilegal de arma - art. 400º, nº. 1, e) e f), do CPP, ao que não obsta o despacho que os admitiu. E quanto ao homicídio não poderá ser conhecida a vertente factual porque dela já curou a Relação, e o Supremo só conhece de direito. Observado o disposto no artigo 417º, nº. 2, do CPP, nenhuma resposta foi apresentada. As questões a decidir são essencialmente estas: 1. A questão prévia da irrecorribilidade da decisão - de facto e de direito - nos termos defendidos pelo Ministério Público junto deste Supremo Tribunal. 2. Na eventual procedência daquela, a (sobrante) questão da alegada violação dos arts. 72º, 73º e 74º do Código Penal. 2. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência cumpre decidir. Vejamos antes de mais os factos provados: 1. No dia 12 de Maio de 2002, cerca das 21 horas, na Quinta dos Caetanos, Porto da Nave, Alvite, Comarca de Moimenta da Beira, o arguido FJV e a falecida RMMT, encontravam-se num dos quarto da casa onde ambos moravam, sita no lugar acima mencionado. 2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido FJV, no decurso de uma discussão com a ofendida RMMT decidiu pôr termo à vida daquela. 3. Com efeito, naquele momento e com vista a concretizar a sua intenção, o arguido FJV pegou na sua arma de caça, calibre 12, de dois canos sobrepostos, marca rota, modelo 83, produzida em Itália, com o nº. 131377, registada e manifestada e com a referida arma e a falecida RM confinada ao espaço do quarto de dormir de ambos, o arguido apontou-a na direcção da mesma e efectuou dois disparos, atingindo a RM nos pulmões, coração, região hepática e na perna esquerda. 4. A arma encontrava-se no quarto do casal e foi carregada com dois cartuchos, pelo arguido, antes de efectuar os disparos. 5. Os disparos foram efectuados a uma distância de cerca de um metro e meio. 6. Um dos disparos atingiu a vitima na coxa esquerda, acima do joelho, na parte anterior e posterior da mesma. 7. O outro disparo teve uma trajectória da esquerda para a direita e atingiu a vitima junto da omoplata esquerda. 8. Este disparo causou pequenos orifícios na zona mamária direita, encontrando-se bagos de chumbo solto entre o soutien e a pele e mesmo sob a derme. 9. Os disparos foram feitos com cartuchos zagalote. 10. No momento em que foram efectuados os disparos os filhos de arguido e vitima encontravam-se em casa. 11. Os filhos R e M encontravam-se na cozinha e G que tinha seguido os seus pais encontrava-se à porta do quarto do casal, tendo assistido à prática dos factos. 12. Ao ouvir os disparos, R dirigiu-se ao quarto dos pais viu que a mãe se encontrava caída no chão e, a correr, foi chamar os avós, gritando que o pai tinha morto a mãe. 13. Com a sua conduta o arguido provocou na ofendida as lesões descritas no relatório de autópsia, dado por integralmente reproduzido, nomeadamente, infiltrações sanguíneas na parte direita e fracturas das quinta, sexta e oitava costelas direitas dos arcos anteriores e lacerações do lado esquerdo superior do pulmão esquerdo, com o pericárdio aberto com laceração da aurícula esquerda que praticamente desapareceu e laceração da parte direita do pulmão extensa e várias perfurações do fígado. 14. As lesões descritas e provocadas no corpo da ofendida RM, foram a causa adequada e necessária e determinaram dessa forma a sua morte. 15. A morte de RMMT foi fulminante e teve como causa hemorragia aguda interna devida aos esfacelos cardio-pulmão-hepático produzido por tiro de arma de caça. 16. O arguido com a conduta a cima descrita atingiu a ofendida em órgãos vitais, sabendo e querendo atingi-la da forma como atingiu, provocando-lhe a morte, o que quis e consegui. 17. A conduta do arguido foi causa adequada e necessária a produzir a morte da ofendida. 18. O arguido agiu por motivos relacionados com a...

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