Acórdão nº 04P3502 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução04 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I1.1.

O Tribunal Colectivo da Comarca de S. Pedro do Sul decidiu, no processo comum colectivo nº 237/03.0GASPS, julgar, por acórdão de 14.7.04, a acusação parcialmente procedente e, em consequência, condenar o arguido AOC, com os sinais dos autos, pela prática, sob a forma de autoria material e em concurso efectivo de: - Um crime de detenção ilegal de arma de defesa do art. 6°, n°1, da Lei n°22/97, de 27/6, na pena de 6 meses de prisão; - Um crime de homicídio simples, sob a forma tentada dos arts. 22.° n.ºs 1 e 2, als. a) e b) , 23.°, n.°s 1 e 2, 73.°, n.° 1, als. a) e b), 131.°, todos do C. Penal, na pena de 7 anos de prisão.

E, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão efectiva.

Decidiu ainda julgar procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos pelos requerentes cíveis e em consequência condenar o arguido requerido a pagar: - Ao assistente AG a quantia peticionada de € 54.675, a título de indemnização pelos danos sofridos, acrescida de juros, à taxa legal em vigor em cada momento, desde a respectiva notificação nos termos do art. 78º do CPP até integral e efectivo pagamento; - Aos HUC e ao "Hospital de São Teotónio, S.A." as quantias peticionadas de € 2.807,12 e € 917,09 respectivamente, ambas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do art.78º do CPP até integral pagamento.

1.2.

Recorreu o arguido a este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo na sua motivação: 1 - A condenação do arguido na pena de prisão efectiva de 6 meses, pela prática do crime de detenção ilegal de arma de defesa, considerando o mau estado da arma e a sua não utilização, está em desconformidade com o art. 44.º, n.º 1 do CP que impõe a sua substituição pela pena de multa.

2 - A condenação do arguido na pena de 7 anos de prisão efectiva pela prática do crime de homicídio simples na forma tentada, considerando o limite mínimo de 19 meses e 6 dias e o limite máximo de 10 anos e 8 meses, é excessiva e põe em causa o limite inultrapassável da pena que é a dignidade do arguido, pessoa familiarmente integrada, primário e com 77 anos de idade.

3 - Pelo que, em cúmulo jurídico, a fixação da pena única de 7 anos e 3 meses de prisão efectiva não prossegue as finalidades de reintegração social do arguido.

4 - Tal reintegração e as exigências de prevenção consubstanciadas na necessidade comunitária da punição serão, no caso concreto, conseguidas com a fixação de uma pena única que não ultrapasse os 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, com imposição de regras de conduta a observar pelo arguido, previstas no artigo 52.º do CP.

5 - A pena aplicada ao arguido, de 7 anos e 3 meses de prisão, ultrapassa a medida da sua culpa, em violação do que dispõe o artigo 40.º n.º 2 do CP.

6 - A condenação do arguido no pagamento da quantia de 54.675,00 € - valor limitado pelo pedido - sem indicação de quanto se refere a danos morais, a danos patrimoniais e a danos futuros, é ininteligível.

7 - Sendo que a condenação em danos morais não podia ultrapassar o valor máximo que o assistente os avaliou no seu pedido - 20.000,00 € referidos no artigo 15.º do seu pedido - já que na data da sua apresentação em juízo já sabia as dores que teve e o sofrimento porque passou.

8 - E os danos futuros, por perda da sua capacidade para o trabalho, não são devidos na medida em que o assistente, à data dos factos, estava reformado e não logrou provar qual o valor dos rendimentos que auferia, esporadicamente, nos trabalhos agrícolas próprios que a sua saúde, apesar daquela reforma, lhe permitia executar.

9 - O Tribunal ao condenar em quantia devida a título de danos futuros, bem assim a título de danos morais para além da quantia de 20.000,00 € fez incorrecta aplicação do direito e em especial das normas jurídicas ínsitas nos artigos 342.º n.º 1, 483.º, 487.º, 496.º todos do C.C.

TERMOS EM QUE deve ser dado provimento ao recurso substituindo-se a Douta sentença por outra que condene o arguido na pena de prisão não superior a 3 anos, suspensa na sua execução com imposição de regras de conduta e que a condenação em indemnização ao assistente não ultrapasse a quantia de 20.000,00 € a título de danos morais e 265,00 € de danos materiais.

1.3.

Responderam o Ministério Público junto do Tribunal recorrido e o assistente AG que concluíram pela improcedência do recurso.

IINeste Supremo Tribunal de Justiça o Ministério Público teve vista dos autos.

Procedeu-se a audiência com observância das formalidades legais.

No seu decurso, o Ministério Público referiu-se à violência com que agiu o arguido, às gravíssimas consequências da sua conduta, ao seu comportamento anterior e posterior, à ausência de qualquer arrependimento. Mas salientou igualmente tratar-se de um indivíduo de 77 anos para quem, por isso, a pena de prisão tem outro significado, pelo que pensa ser aceitável uma diminuição da pena de prisão para cerca de 6 anos.

Por seu turno, o arguido reafirmou a posição já assumida em sede de motivação, que desenvolveu nas suas alegações orais.

Cumpre, assim, conhecer e decidir.

IIIE conhecendo.

3.1.

São as seguintes questões colocadas em recurso: - Substituição da pena de prisão infligida pela prática do crime de detenção ilegal de arma de defesa pela pena de multa, à luz do art. 44.º, n.º 1 do C. Penal; - Medida concreta da pena parcelar pelo crime de homicídio tentado e da pena única; - Ininteligibilidade da condenação no pagamento da quantia de 54.675,00 € - valor limitado pelo pedido; - Valor da condenação em danos morais; - Valor dos danos futuros, por perda da sua capacidade para o trabalho.

3.2.

Vejamos então a factualidade apurada.

Matéria de Facto Provada: Da audiência de discussão e julgamento da causa - a que se procedeu com observância do atinente formalismo legal resultou provada a seguinte matéria de facto: 1. No dia 27 de Julho de 2003, o arguido tinha guardada num dos aposentos existentes no interior da sua residência, sita na Rua da Fraga, em Macieira, freguesia do concelho de São Pedro do Sul, uma pistola, sua pertença, de calibre 6,35 mm, marca Browning (25 ACP ou 25 Auto na designação anglo-americana) de marca "LIGERITA", de fabricante desconhecido, sem número de série visível, de origem belga, com cano de 47 mm de comprimento, munida do respectivo carregador que se encontrava carregado com cinco munições de calibre 6,35 mm Browning, sendo quatro de marca "SELLIER & BELLOT", de origem checa e um de marca "G.F.L./FIOCCHI", de origem italiana, munições estas que se encontravam em boas condições de utilização.

  1. Pistola essa que, uma vez adequadamente limpa e lubrificada, se encontrava em condições de efectuar disparos, embora com problemas pontuais na sequência de automatismo.

  2. Contudo, a dita pistola não se encontrava manifestada nem registada e o arguido não possuía qualquer licença de uso e porte de arma de fogo.

  3. Nesse mesmo dia 27 de Julho de 2003, pelas 17h30m, o arguido vislumbrou o assistente AG, seu primo direito, a caminhar pelo dita Rua da Fraga, onde o primeiro reside.

  4. Nessa altura, o arguido, que já andava desavindo com aquele AG, foi buscar uma roçadora que guardava no interior da sua residência.

  5. Objecto esse próprio para roçar mato, silvas e outras plantas, com cabo de madeira de 1,40 metros de comprimento e na extremidade com uma lâmina de formato curvo com trinta e três centímetros e uma haste de onze centímetros.

  6. Quando AG passava próximo da residência do arguido, este empunhou a roçadora e caminhou na direcção daquele.

  7. E logo que o alcançou, como o arguido continuasse avançar para AG e este recuasse para dele se afastar, o assistente tropeçou num monte de areia e caiu.

  8. Com AG tombado no chão, o arguido vibrou-lhe, então, com a lâmina da roçadora que empunhava no cabo, três fortes arrochadas entre a cabeça e o dorso superior, atingindo-o na cabeça, ombro esquerdo, pescoço e dorso esquerdo, ao mesmo tempo que lhe dizia "hoje é que te mato".

  9. AG nem esboçou defesa a tais pancadas assim desferidas pelo arguido.

  10. Nesse momento, o arguido ouviu gritos de populares de Macieira que se aperceberam das supra referidas agressões.

  11. Com receio da chegada desses populares e crendo que aquele AG já se encontrava sem vida, o arguido decidiu fugir daquele local.

  12. Como consequência directa e necessária da supra referida conduta do arguido, AG sofreu as lesões descritas a fls.140 e 140-v, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente : - traumatismo crâneo-encefálico, com esfacelo do couro cabeludo; - fractura exposta e esquirolosa dos ossos da abóbada craniana (temporo-parietal esquerda); - contusão com hemorragia sub-aracnoideia; - ferida latero-cervical e do supracilio esquerdo; - fractura e ferida occipital; - hemorragia na região temporal esquerda.

  13. Como consequências permanentes das lesões supra descritas, AG ficou ainda com : - afasia da compreensão e da fala; - desorientação tempo-espacial; - cefaleias e perturbação da memória e do- conhecimento (sequelas de TCE).

  14. Em consequência daquelas lesões, o assistente apresentava em 15.10.2003 várias cicatrizes: duas cicatrizes paralelas com sete e quatro centímetros de comprimento, transversalmente; outra cicatriz transversal na região occipital medindo sete centímetros de comprimento; uma cicatriz na região cervical direita que se prolonga para a mandíbula inferior; três cicatrizes no ombro esquerdo, medindo, respectivamente, dez, sete e cinco centímetros; 16. Em 26.05.2004, ainda conservava várias cicatrizes: cicatriz na região rectro-auricular esquerda configurando um rectângulo com 7 cm de comprimento e 2 mm de largura, cicatriz junto ao ângulo zigomático direito de forma mais ou menos irregular mas aproximando-se de um rectângulo com cerca de 10 cm de comprimento por 2mm de largura, cicatriz no dorso à esquerda de forma aproximadamente rectangular com 09 cm de comprimento e 1,5 cm de maior largura e menor de 03 mm e outra cicatriz linear acima desta com 10 cm de comprimento.

  15. ...

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