Acórdão nº 04S3581 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução03 de Março de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A" propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção contra o Banco B, pedindo que se: - declare que o contrato por ele celebrado com o Banco C tinha a natureza jurídica de um contrato de trabalho sem prazo e não de prestação de serviços; - reconheça o direito de ele auferir subsídios de férias e de Natal pelo tempo que esteve ao serviço do C, condenando-se o réu a reconhecer tal direito e a pagar-lhe os subsídios de férias e de Natal correspondentes ao período em que trabalhou para o C, a liquidar em execução de sentença, acrescidos dos juros de mora, contados desde a data de vencimento de cada uma daquelas prestações; - declare ilícito o despedimento promovido pelo C; - condene o réu, em consequência desse despedimento ilícito, a pagar-lhe a indemnização legal por antiguidade que à data da propositura da acção ascende a 3.959.400$00; - condene o réu a pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias que antecederam a propositura da acção até á data da sentença, nelas se incluindo a remuneração d férias e os subsídios de férias e de Natal, sendo o valor das já vencidas de 164.875$00; - condene o réu a pagar-lhe a pensão de reforma a que tem direito, a partir da cessação do contrato, acrescida de juros de mora reportados à data do vencimento das respectivas prestações mensais, a liquidar em execução de sentença.

O autor fundamentou o pedido alegando, em resumo, que em 1997 foi admitido ao serviço do C (que mais tarde veio a ser incorporado, por fusão no Banco ...), para subordinada e remuneradamente exercer as funções de advogado, na Direcção de Contencioso, em Lisboa, tendo assinado, então, um contrato que denominaram de "contrato de prestação de serviços", mas que tal contrato, apesar da denominação que lhe foi dada, configurava um verdadeiro contrato de trabalho subordinado sem termo, que o C fez cessar, sem processo disciplinar nem justa causa, em 31 de Outubro de 2000.

Após a frustrada audiência de partes, o réu contestou, alegando, também em resumo, que o contrato celebrado como o C era um contrato de prestação de serviços.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente (apesar de nela se ter reconhecido que o contrato celebrado entre o autor e o C era um contrato de trabalho e que o autor tinha sido ilicitamente despedido) com o fundamento de que o autor tinha agido em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

O autor recorreu e o réu também recorreu embora subordinadamente, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado procedente o recurso do réu, por entender que o contrato era de prestação de serviços, mantendo por essa razão a decisão recorrida no que concerne à absolvição da ré do pedido.

Mantendo o seu inconformismo, o autor recorreu de revista, formulando as seguintes conclusões: 1. O presente recurso é interposto do aliás douto acórdão com a qual o A. se não conforma pelas razões que passa a expor.

  1. Contrariamente ao que foi decidido na sentença proferida na 1.ª instância, o Tribunal da Relação perfilhou o entendimento - face à matéria de facto assente - de que a relação contratual em discussão se enquadraria no dito "contrato de avença, que é uma modalidade de contrato de prestação de serviços." 3. No entanto, o correcto enquadramento jurídico dos factos dados como assentes foi o feito pela 1.ª instância, cujas razões e argumentos o recorrente acompanha e aqui dá como reproduzidos.

  2. O acórdão recorrido concluiu pela existência de um contrato de prestação de serviços, dizendo haver indícios, de relevo considerável, que apreciados na sua globalidade revelariam existir um contrato de prestação de serviços, na modalidade de avença.

  3. Sucede, porém, que, ao discriminar de seguida tais invocados indícios, o acórdão recorrido fá-lo em termos desconformes e contraditórios com a matéria de facto que também enuncia como assente, manifestamente incorrendo na contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão, que integram a nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 668, do CPC.

  4. Para o mostrar - e nem sequer exaustivamente - refere-se o seguinte: a) - Invoca-se a falta de controlo de assiduidade do recorrente, quando - ponto 33 da matéria de facto - não existia esse controlo nem para o A. nem para os demais advogados.

    b) - Invoca-se falta de prova dos motivos de faltas pelo recorrente, que - ponto 35 - também os advogados do Quadro não apresentavam, a não ser que o Banco considerasse necessário, mas que nada impedia que o Banco também solicitasse ao A., se o entendesse, nem se pode concluir que, em tal caso, o A. não estivesse obrigado a fazer essa prova! c) Diz-se que "o A. podia também exercer, e exercia embora em parte, no seu próprio escritório a actividade profissional relacionada com o C", o que - ponto 13 - só ocorria "excepcionalmente, por conveniência decorrente de proximidade de comparência a diligências nos tribunais ou da expiração de prazos para elaborar peças processuais", circunstâncias essas que, como é notório fluiem da simples experiência comum, para além de excepcionais (e portanto não características) eram e não podiam deixar se aplicar-se também aos outros advogados do Banco! d) - Isto quando também se provou - ponto 34 - que todos os advogados do Banco, até para outros clientes, podiam exercer a advocacia em escritório próprio e faltar no Banco para assegurarem as diligências nos Tribunais desses seus clientes particulares! Se o podiam fazer para estes, não o poderiam fazer para o Banco?! e) - Diz-se que o "A. não tinha horário de trabalho", mas provou-se - ponto 23 - que o A. prestava a actividade com regularidade diária, durante 3 a 4 horas, primeiro de manhã e depois de tarde e - ponto 24 - também nos tribunais, muitas vezes dias inteiros! f) Invoca-se a falta de controlo da comparência ou de cumprimento de horário pelo ª, quando também isso de acontecia quanto aos demais advogados - ponto 33 - e os cartões electrónicos de acesso eram usados apenas por razões de segurança e por todos os advogados (incluindo o A.) - ponto 43! g) - Pretende-se que "o A. não recebia ordens do Banco, no exercício da sua actividade profissional" - afirmação também contrariada pela matéria dos pontos 19, 20, 21 e 22 (idêntica para todos os advogados).

    h) - E - contra o afirmado no acórdão recorrido - não se provou que as informações ou indicações do Banco tinham natureza idêntica às que qualquer cliente dá ao seu advogado, nem que as "ordens de serviço" eram dirigidas aos serviços administrativos e não aos advogados ou que para estes tivessem carácter meramente indicativo! i) - Diz-se (pág. 27) que "o reembolso de despesas feitas pelas deslocações do A, "era feito nos mesmos termos que o eram para os demais advogados avençados, etc., etc....", afirmação manifestamente contra o assente no ponto 25, segundo o qual "as despesas com estas deslocações eram reembolsadas pelo Banco, nos mesmos termos em que o eram as realizadas pelos outros advogados trabalhadores do Banco"! j) - E - se dúvidas houvesse quanto aos termos em que o A. desenvolvia a sua actividade - elas ficam dissipadas pelo ponto 18, segundo o qual "os advogados que tinham com o Banco os denominados contratos de trabalho exerciam a sua actividade de modo semelhante ao descrito nos pontos 8 a 14" - ou seja, em termos em tudo idênticos ao A.

  5. Decorre do acima exposto que o acórdão recorrido concluiu que o A. exercia a sua actividade em termos diversos dos advogados com contrato de trabalho no Banco, quando, quer na globalidade (ponto 18), quer na especialidade (pontos 19, 20, 21, 22, 25, 33, 34), o que se provou é que a actividade do A. e dos advogados trabalhadores do Banco eram exercidas em termos substancialmente idênticos.

  6. Só em razão dos inexactos pressupostos de facto que invocou pôde, pois, o acórdão recorrido concluir como concluiu, pelo que o acórdão recorrido enferma da nulidade acima indica ou, se assim não fosse entendido, procedeu a uma incorrecta aplicação do direito aos factos, designadamente com violação do disposto no artigo 1 do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n° 49408.

  7. Acresce que não existe "abuso de direito", nem qualquer "confissão" ou "reconhecimento de que o contrato é de prestação de serviços" por parte do trabalhador que reclama, em tempo, o reconhecimento da verdadeira natureza jurídica da relação estabelecida, quando esta é terminada em circunstâncias que - quer à luz do direito do trabalho, quer até do direito civil, se aplicável - não encontram cobertura legal.

  8. Pelo contrário, existe por parte da entidade patronal preterição, ao longo de mais de 25 anos, dos direitos sociais do recorrente, que exercia as suas funções em termos em tudo semelhantes aos dos seus Colegas a quem o Banco reconhecia os direitos e obrigações emergentes do contrato de trabalho.

  9. Devendo ser reconhecido que o contrato é de trabalho, o recorrente não acompanha a decisão da 1.ª instância enquanto na mesma se pretende que, no caso, teria surgido um contrato novo, a prazo, de seis meses, renovável, sem qualquer consideração ou continuidade do período anterior.

  10. No caso dos autos nunca surgiu um contrato novo, mas apenas a transformação ou modificação do contrato inicial e único e com reflexos apenas no regime aplicável ao seu termo e não com reflexo nas demais pretensões deduzidas na petição, que deverão ser acolhidas.

  11. Assim não se entendendo, viola-se o artigo 5 do Decreto-Lei n. 64-A/89 (Lei dos Despedimentos).

  12. Deve também reconhecer-se que não existiu abuso de direito na propositura da presente acção, na modalidade de "venire contra factum proprium", obstando ao seu exercício, com a consequente paralisação dos efeitos e consequências jurídicas decorrentes da matéria de facto.

  13. No caso dos autos, não resulta da matéria de facto que o A. tivesse investido o R. em qualquer situação de...

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