Acórdão nº 04S3593 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A" propôs a presente acção contra "B", S.A., pedindo que a ré fosse condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela indemnização de antiguidade que ele possa vir a fazer e a pagar-lhe a importância de 11.365,39 euros, acrescida do que se vencer até decisão final e dos juros de mora contados desde a citação.

O autor alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em 25.1.96, para exercer as funções de "oficial cortador de carnes" , tendo sido por ela ilicitamente despedido em 25 de Março de 2002, por caducidade do procedimento disciplinar e inexistência de justa causa. Que, desde a sua admissão, a ré sempre lhe pagou o trabalho prestado aos domingos e feriados com um acréscimo de 100% e o trabalho nocturno com um acréscimo de 25%, mas nunca lhe pagou nas férias e subsídios de férias e de Natal a média das retribuições auferidas pelo trabalho prestado aos domingos, feriados e pelo trabalho nocturno, tendo a haver a esse título a importância de 1.757,35 euros.

Após frustrada audiência de partes, a ré contestou alegando que o autor foi despedido com justa causa, que o procedimento disciplinar foi tempestivamente exercido e impugnando o direito aos créditos reclamados a título de férias, de subsídio de férias e de Natal.

No despacho saneador, a M.ma Juíza conheceu do mérito da causa, julgando o despedimento ilícito por caducidade do procedimento disciplinar e condenando a ré a pagar ao autor: a) 5.187,52 euros a título de indemnização por despedimento, b) as retribuições vencidas entre 24 de Março de 2003 e a data da sentença, c) 1.757,35 euros a título de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal (média das retribuições auferidas pela prestação de trabalho aos domingos, feriados), e d) juros de mora.

Inconformada, a ré interpôs recurso, mas o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão recorrida, alargando, todavia, o limite temporal das retribuições intercalares até à data do acórdão.

Mantendo o seu inconformismo, a ré recorreu, então, para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma: «I- A caducidade do procedimento disciplinar é questão que deve ser suscitada pelo interessado, não sendo, pois, de conhecimento oficioso (cfr. art.ºs 303 e 333, n. 2 do Código Civil).

II - Assim sendo, estava vedado ao Tribunal a quo conhecer, como conheceu, da caducidade do procedimento disciplinar, para além do âmbito da questão concretamente suscitada pelo Autor (caducidade do "direito de instaurar" o procedimento disciplinar), designadamente, fundando a decisão em considerações sobre a necessidade do inquérito prévio e sobre a observância do prazo previsto pelo n.º 12 do art. 10.° da Lei dos Despedimentos.

III - Tanto mais que à Ré não foi assegurado o correspondente contraditório sobre essas questões.

IV - Pelo que o douto Acórdão violou o disposto nos art.ºs 3.°, n.º 3 e 661, n.º 1 e 664 do C.P.C..

V - Sem prescindir das questões suscitadas pela Recorrente e que se encontram consignadas nas Conclusões anteriores, não será de manter a asserção da 1.ª instância e da Veneranda Relação a quo, baseada num juízo de diagnose, de que o inquérito prévio não era necessário para fundamentar a nota de culpa, sendo certo que, em face da Participação Disciplinar, impunha-se à Ré, segundo o critério do homo prudens e de modo a evitar a instauração de processo disciplinar com base em nota de culpa leviana ou precipitada, apurar da certeza, gravidade e culpa dos factos participados, ainda que, em momento posterior, venha a concluir pela veracidade da versão apresentada na Participação Disciplinar e, em consequência, venha a formular a nota de culpa em moldes idênticos ao daquela denúncia.

VII - O inquérito prévio não se encontra sujeito a qualquer formalismo legal, sendo antes um processo interno e não formal, pelo que não será lícito extrair a conclusão (que o douto Acórdão consigna) de que, em face das omissões apontadas na decisão recorrida, o mesmo não se encontra estruturado em termos que o habilitem a fundamentar a nota de culpa.

VIII - Iniciado o procedimento disciplinar, com o despacho do superior hierárquico do trabalhador/autor, com competência disciplinar, o prazo de sessenta dias a que se refere o art.º 31.°, n.º 1 da LCT deve ter-se por interrompido, não impondo a lei qualquer prazo para a conclusão do processo disciplinar, havendo apenas que ter em conta que a infracção disciplinar prescreve no prazo de um ano a contar do momento em que teve lugar ou logo que cesse o contrato.

IX - O prazo estabelecido pelo art.º 10.°, n.º 12 da Lei dos Despedimentos só tem por finalidade incentivar a celeridade processual, não sendo um prazo de caducidade.

X - Por conseguinte, não será de manter o entendimento expresso no douto Acórdão recorrido, segundo o qual, não se vislumbrando a necessidade do inquérito prévio e não tendo a nota de culpa sido comunicada ao trabalhador naquele prazo de trinta dias, caducou o procedimento disciplinar.

XI - Não sendo o inquérito prévio um processo formal e, por conseguinte, não sendo necessariamente reduzido a escrito, a última diligência de prova documentada não é, necessariamente, a última diligência probatória efectuada no decurso daquele processo preliminar, pelo que, não era lícito ao Tribunal a quo concluir em sede de despacho saneador, como concluiu, que, com a inquirição de testemunha realizada em 09.11.2001, terminou o inquérito.

XII - As médias das quantias a considerar para serem incluídas nas férias e subsídio de férias e de Natal, no período alegado pelo Autor, não podem contemplar as remunerações pagas a título de trabalho prestado em feriados, em virtude do seu carácter pontual, esporádico, acidental e imprevisível, pelo que, ao entender a Veneranda Relação a quo de modo diferente, o douto Acórdão recorrido terá violado o disposto no Art.º 6.°, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28.12, Art.º 2.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 88/96, de 03.7 e o Art.º 84.°, n.º 2 da LCT.

XIII - Tendo a douta sentença fixado a data da sua prolação como o termo do cômputo das retribuições a que o Autor terá direito nos termos do Art.º 13.°, n.º 1, al. a) da LCT e não tendo qualquer das partes recorrido dessa parte da decisão, não podia a Veneranda Relação a quo alterar o sentido dessa condenação, ajustando-a à jurisprudência fixada pelo Acórdão n.º 1/2004, pelo que, nesta parte, o douto Acórdão recorrido violou o disposto no Art.º 684, n. 4 do C.P.C.

Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, o douto Acórdão recorrido ser anulado, assim se fazendo sã, serena e objectiva JUSTIÇA.» O autor contra-alegou defendendo a confirmação do acórdão e neste tribunal o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no mesmo sentido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar a decidir.

  1. Os factos Nas instâncias, foram dados como provados sem qualquer impugnação das partes os seguintes factos que este tribunal tem de acatar por não ocorrer nenhuma das circunstâncias referidas nos artigos 722, n.º 2 e 729, n. 3, do CPC.: a) A ré é uma sociedade que se dedica à exploração de supermercados, possuindo para tanto vários estabelecimentos, entre os quais um que é conhecido pela "Loja da ...", sito na Rua da ...., nºs ... a ..., em Lisboa.

    1. Para o desempenho de funções de oficial cortador de carnes admitiu a ré ao seu serviço o autor, em 25 de Janeiro de 1996, desempenhando desde então o autor as funções próprias daquele categoria profissional sob as ordens, direcção e autoridade da ré no âmbito de um contrato de trabalho entre ambas vigente. c) Possuía o autor, ultimamente, como local de trabalho a denominada "Loja Olivais 2", auferindo a retribuição mensal de € 648,44 acrescida de subsídio de alimentação no montante mensal de € 90,64, para um horário de trabalho a tempo completo. d) Por carta datada de 5 de Dezembro de 2001, remetida para a Rua Vale Formoso de Cima ... - Caixa 1900 Lisboa, a ré enviou ao autor, sob registo datado de 13.12.01, uma nota de culpa elaborada em processo disciplinar contra si instaurado mas esta carta foi devolvida com a menção "Não indica n.º da Porta Caixa" (doc. 1, junto com a contestação); a ré voltou a enviar ao autor a mesma carta datada de 5 de Dezembro de 2001 e a nota de culpa, remetendo-a para a Rua Vale Formoso de Cima 96 Caixa 20 1900 Lisboa, sob registo datado de 20.12.01 mas esta carta foi também devolvida com a menção datada de 21.12.01 "Mudou-se, não tem caixa postal" (doc. 1, junto com a contestação).

    2. Nessa nota de culpa o autor vinha, em suma, acusado de: - nos dias 15, 16 e 17 de Setembro de 2001 ter chegado atrasado ao serviço; - no dia 17 de Setembro de 2001 ao chegar tarde ao estabelecimento e ao ver que o Adjunto de Loja estava a arrumar o expositor de carnes do talho, dirigiu-se a este dizendo "O Senhor não tem nada que estar a fazer isso", "Você é um merceeiro. Você e o Sr. C (Gerente da loja) são uma merda", "Vocês têm dois telefones para me telefonar", e perante a resposta daquele Adjunto de que não tinha a obrigação de telefonar ao autor todos os dias para lhe dizer para vir trabalhar o autor teria ainda dito "Para o caralho. Você e o Gerente são uma merda".

    3. Notificado da nota de culpa o autor apresentou a sua contestação à mesma, no dia 18 de Janeiro de 2002 (doc. 3, junto com a petição e doc. 1, junto com a contestação) onde, em suma, alegou: - a caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar em relação a factos ocorridos nos dias 15, 16 e 17 de Setembro de 2001, por haver decorrido já o prazo estabelecido pelo art. 10º, n.º 11, do Dec.-Lei 64-A/89, sendo certo que os factos tinham sido do imediato conhecimento do Adjunto de Loja e, por isso da Gerência; - a ré não invocava na nota de culpa consequências do comportamento imputado ao autor que, pela sua gravidade, determinassem a...

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