Acórdão nº 05A1973 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Setembro de 2005

Magistrado ResponsávelFERNANDES MAGALHÃES
Data da Resolução20 de Setembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: "A", Empresa de Confecções, Ld.ª, intentou acção ordinária contra B, Ld.ª, pedindo a condenação desta a abster-se de utilizar qualquer reprodução ou cópia de um programa de computador dela Autora, bem como a utilizar ordens de fabrico por aquele programa produzidos, e, ainda, a pagar-lhe a quantia de 30.000.000$00 a título de indemnização pelos prejuízos provocados pela utilização ilícita do dito programa, bem como uma quantia a liquidar em execução de sentença, mas nunca inferior a 140.000.000$00, a título de indemnização pelos prejuízos causados por concorrência desleal.

O processo seguiu termos com contestação da Ré e, após audiência de julgamento, foi proferida sentença a reconhecer à Autora o direito de uso e fruição exclusivo do programa de computador por si usado para gestão informática da sua actividade, e a condenar a Ré a abster-se de utilizar qualquer reprodução ou cópia do dito programa de utilizar para qualquer fim as ordens de fabrico (incluindo os impressos emitidos por computador, os desenhos dos modelos, as fichas técnicas e as fichas de etiquetas) e a pagar a quantia de € 50.000,00, destinada, em partes iguais, à Autora e ao Estado por cada infracção a tais proibições que venha a ocorrer, e a pagar à Autora €187.857,52 e juros de mora sobre esta quantia à taxa de 12% desde a citação até integral pagamento.

Inconformada com tal decisão dela interpôs recurso de apelação a Ré, sem êxito.

Tendo sido notificada do Acórdão que, além do mais, rejeitou a alteração da matéria de facto por ela pretendida, por não ter efectuado a transcrição das passagens da gravação, veio a mesma arguir a nulidade de tal decisão do Tribunal da Relação nessa parte.

Posteriormente veio interpor recurso de revista, arguindo de novo a nulidade do dito Acórdão.

Sobre tal arguição se pronunciou por Acórdão o Tribunal da Relação julgando não haver qualquer nulidade.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

Formula a recorrente nas suas alegações as seguintes conclusões: «1ª Padece o acórdão em crase da nulidade prevista no artigo 668°, n.° 1, alínea d) e art. 716°, n.° 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do seu art. 721°, n.° 2, porquanto não conheceu do recurso, rejeitando-o, na parte em que, impugnando a matéria de facto, a Recorrente solicitava a reapreciação da prova gravada, por entender que não havia sido cumprido o ónus imposto pelo n.° 2 do art. 690°-A daquele Código, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 329°-A/95 de 12 de Dezembro.

  1. Da mera leitura das alegações de recurso da Recorrente, a págs. 7 e seguintes, facilmente se afere que esta, para além da remessa para o ponto das cassetes onde se encontra o depoimento em causa (por referência ao assinalado nas actas de julgamento), também transcreveu (ainda que de forma sucinta e, por isso, imperfeita e incompleta) as passagens da gravação em que se fundava.

  2. Além disso, sempre que tal se mostrou adequado, a apelante remeteu para os documentos dos autos que assentavam a prova de factos cuja apreciação reclamava, pelo que estes sempre podiam e deviam ser alvo de nova apreciação - o que não sucedeu.

  3. Constituindo os art.ºs 690° e 690°-A do Código de Processo Civil as normas disciplinadoras da forma de alegar e concluir devem ser interpretadas conjuntamente sob pena de para situações idênticas se chegar a conclusões diversas, pelo que apesar do art. 690°, n.° 4 remeter apenas para a falta das especificações previstas no n.° 2 desse artigo deve entender-se que tal remissão abrange também as especificações previstas no n.° 2 do art. 690°-A, o que determinaria a formulação, ao Recorrente, de um convite de aperfeiçoamento das suas conclusões - cfr. acórdãos deste Tribunal datados de 1 de Outubro de 1998 e 14 de Maio de 2002, devidamente identificados nas alegações.

  4. Resultando do art. 2° do Código de Processo Civil, o objectivo de todo o processo é a obtenção de uma decisão justa acerca do mérito da causa, não deve a lide terminar por razões puramente formais.

  5. Para além de tudo o que ficou dito, à que ter em conta que o aludido Decreto-Lei n.° 329-A/95 de 12 de Dezembro veio proibir as decisões surpresa, alterando o art. 3° do Código de Processo Civil.

  6. O despacho-convite no sentido de, nas suas alegações, a Recorrente proceder à transcrição nos termos devidos, deveria ser formulado pelo relator no despacho preliminar, como se dispõe no art. 701°, n.° 1 do Código de Processo Civil (cfr. Acórdãos do STJ de 12 de Janeiro de 1999, 16 de Outubro e 12 de Novembro de 2002, supra citados); este convite não foi formulado nem a recorrente foi, sequer, ouvida acerca da questão da rejeição do recurso.

  7. Tais violações tornam o Acórdão daquela Relação nulo como resulta do disposto no art. 668°, n.° 1, alínea d) e art. 716°, n.° 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do seu art. 721°, n.° 2.

  8. Não obstante tudo o que fica dito acerca da extrema necessidade de reapreciação da prova gravada, inexiste no caso em apreço o essencialíssimo nexo de imputação do facto ao lesante, não podendo atribuir-se à Recorrente qualquer responsabilidade, já que o eventual dano da Recorrida, decorrente da violação dos direitos de autor relativos ao programa informático, apenas poderiam ser imputados a quem se apropriou das tapes e posteriormente vendeu o programa nelas contido.

  9. Não é dito, em qualquer dos 102 factos dados como provados pela 1ª instância (e mantidos, na íntegra, pela Relação), que, ao adquirirem tal programa, os sócios gerentes da Ré houvessem sido informados de que o mesmo apenas podia ser vendido pela Autora ou por alguém devidamente autorizado por esta para esse efeito, sendo essa prova essencial para que se pudesse responsabilizar a Recorrente pela violação do direito de autor da Recorrida.

  10. Da factualidade apurada resulta ainda que os sócios gerentes da Recorrente, porque nunca trabalharam ou fizeram parte do departamento informático da Recorrida, nem foram Administradores ou ocuparam qualquer função que lhes permitisse conhecer os eventuais direitos da Recorrida sobre o programa, não sabiam, nem tinham obrigação de saber que lhes estava vedada a aquisição da aplicação, ou melhor, que a respectiva reprodução ou comercialização poderia constituir um facto ilícito.

  11. A pessoa que vendeu o programa informático à Recorrente era funcionário de C, Lda. Esta empresa aparecia no mercado, há já vários anos, como sendo a detentora do direito de venda de tal produto, referindo-se sempre à Recorrida enquanto uma mera utilizadora do mesmo, em cujas instalações se efectuavam, inclusivamente, demonstrações.

  12. Ao estatuir nos seus arts. 9°, n.° 2 e 67° do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos que "no exercício de direitos de carácter patrimonial, o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e de utilizá-la ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmmente", a lei visou responsabilizar, nos termos do art. 483° do Código Civil, todos aqueles que, sabendo-se não possuidores do direito de utilização e fruição exclusiva de determinado produto, dele dispõem, auferindo um lucro que lhes é ilícito.

  13. Só aquele funcionário da C conhecia a "paternidade" da obra e só ele retirou benefícios ilegítimos com a sua comercialização, já que a Recorrente lhe pagou 3.600.000$00 pela respectiva licença de utilização (facto provado n.° 96).

  14. Tendo presente a falta de consciência da ilicitude na aquisição do programa informático por parte da Recorrente, bem como que as ordens de fabrico que serviram de base para a colecção foram elaboradas por aquela, não se pode, de todo, concluir que a utilização do programa e das suas funcionalidades integra concorrência desleal, por violação das normas de usos honestos do ramo.

  15. A utilização, pela Recorrente, do programa informático adquirido não pode considerar-se contrário aos usos honestos pois por um lado, como se disse já, esta não sabia, nem tinha obrigação de saber, que a Recorrente era detentora dos direitos exclusivos de uso e fruição e, por outro lado, tal programa foi adquirido mediante o pagamento do seu justo preço de mercado, tudo sendo feito "ás claras", mediante a emissão da correspondente factura discriminativa.

  16. A Recorrente não praticou qualquer acto no sentido de desacreditar os serviços e reputação da Recorrida, convencendo o cliente F a "entregar-lhe" a sua encomenda, ficando a mudança a dever-se, única e exclusivamente, à extrema confiança depositada por este cliente na sócia gerente D.

  17. Os...

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