Acórdão nº 05B1538 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelLUCAS COELHO
Data da Resolução10 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I1. "A" - , banco turco com sede em Istambul (Türkiye), instaurou na 3.ª Vara Cível da comarca do Porto, em 18 de Maio de 2000, contra o B, S.A., como sucessor do extinto Banco ...) (1) , sediado nessa cidade, acção ordinária tendente à condenação deste a pagar-lhe a quantia de 14.268.516$00, contravalor em escudos de 139.138,50 marcos alemães, acrescida, mercê da mora, de juros à taxa interbancária de 7%, vencidos desde 6 de Outubro de 1997 até 15 de Maio de 2000, no valor de 2.605.079$00, e vincendos até integral pagamento.

O quantitativo do capital alega ser devido a título de reembolso de crédito documentário irrevogável que o réu emitiu por ordem da sociedade portuguesa C, S.A, com sede em Leça da Palmeira, a favor da sociedade turca D, A.S., sediada na cidade de Istambul - doravante designadas simplesmente C e D -, em garantia do pagamento do preço de um conjunto de tecidos que a ordenante comprou à beneficiária para ulterior comercialização em Portugal, e que o autor na qualidade de banco confirmador solveu a esta.

  1. O réu deduziu contestação provocando a intervenção acessória da C, nos termos do artigo 330.º do Código de Processo Civil, a qual contestou, por seu turno, a acção.

    E, prosseguindo o processo os trâmites legais, veio a ser proferida sentença final de procedência, em 12 de Outubro de 2002, condenando o réu a pagar ao autor o capital pedido no valor de 71.171,06 €, acrescido de juros à taxa interbancária praticada, a liquidar em execução, com o limite de 7% ao ano.

    Apelaram o réu - que impugnou inclusive a decisão de facto - e a interveniente C, sem sucesso, tendo a Relação do Porto negado provimento aos dois recursos, confirmando a decisão recorrida.

  2. Do acórdão neste sentido proferido, em 2 de Outubro de 2003, traz o réu a presente revista, sintetizando a alegação respectiva nas conclusões que se reproduzem: 3.1. «O B/B limitou-se, no transe, a observar/cumprir a decisão proferida pelo Tribunal de Matosinhos na providência cautelar intentada pela agora interveniente C; 3.2. «Pelo que não pode/merece ser ‘censurado' por essa conduta (aparentemente) omissiva, que se (lhe) impunha, perante o determinado no artigo 205, 2, na sua versão actual, da Constituição da República; 3.3.«Nessa senda, também não incorreu, desde 6 de Outubro de 1997, em mora debitoris, uma vez que lhe assistia, como continua a assistir, motivo justo e fundado para assim proceder; 3.4. «Os autos patenteiam, de forma clara e indesmentível, a prática de fraude ‘in transaction' por parte da beneficiária D, que, todavia, não foi minimamente considerada/valorada na parte decisória da sentença de 1ª instância (muito embora tenha sido abundantemente citada no seu preâmbulo) e ao longo do acórdão recorrendo; 3.5. «O banco recorrido descontou à D, por sua directa iniciativa e exclusiva conta e risco, a letra de câmbio que previamente aceitara; 3.6. «Efectuou, assim, operação bancária alheia à ‘economia' do crédito documentário em apreço, tanto que não prevista nas RUU, de que igualmente colheu os benefícios financeiros inerentes; 3.7. «Fê-lo cerca de três meses antes do vencimento previsto da operação, sem a anuência, ou, tão-pouco, conhecimento do banco emitente daquele, de quem dependia, bem como da sociedade ordenadora do crédito; 3.8. «Esta sua inesperada iniciativa acabou por dar azo à presente demanda, uma vez que, no vencimento da operação, já eram sobejamente (re)conhecidos os graves defeitos do fornecimento efectuado pela D à C; 3.9. «O que, por certo, teria evitado o pagamento a esta sociedade, e, reflexamente, impedido que fosse, como foi, injustamente premiada, não obstante o seu comportamento fraudulento e seriamente lesivo dos interesses da compradora; 3.10. «Perante este quadro, competirá ao banco recorrido reclamar/obter directamente da D o pagamento da importância que, porventura, adiantou/abonou, cujo quantitativo exacto se desconhece, aliás; 3.11. «Todavia, a manter-se o entendimento adverso até agora perfilhado, a esse propósito, pelas instâncias, esse mesmo reembolso deverá ser assegurado pelo B através dos fundos que a interveniente depositou, nos seus cofres, para esse preciso fim; 3.12.«Como, de resto, a própria C admite/aceita na sua resposta de fls. 634 e constitui solução correcta e adequada nessa hipótese, já que o risco da operação corre, inteiramente, por conta daquela sociedade; 3.13. «O que, reflexamente, significa não impender sobre o recorrente B qualquer obrigação de restituir a importância peticionada pelo congénere, que não deve ser acrescida de juros de mora pelas razões ante-invocadas, através de recursos diversos/próprios; 3.14. «Ao entender de forma diversa, os Magistrados a quo violaram o disposto nos artigos 2.º e 205 da Constituição da República Portuguesa, 334, 405, 406 e 804 do Código Civil e nos artigos 9.º, alínea b), (iii), a. e 10.º, alínea d), das Regras e Usos Uniformes Relativos aos Créditos Documentários; 3.15. «Pelo que o acórdão em crise deve ser revogado e substituído por outro que: a) Isente o banco recorrente desse obrigação; ou, quando muito, b) Lhe permita assegurá-la através da utilização dos fundos depositados, nos seus cofres, pela interveniente C.» 4. O autor recorrido contra-alega, pronunciando-se pela confirmação do acórdão sub iudicio.

    E o objecto da revista, considerando a respectiva alegação e suas conclusões, à luz da fundamentação da decisão em recurso, consiste em saber se o recorrente está obrigado a reembolsar ao autor o quantitativo que este pagou à sociedade turca beneficiária do crédito documentário.

    Uma questão implicando percursos que passam pela elucidação das posições jurídico-negociais recíprocas de autor e réu, do significado e incidência jurídica da actuação do autor ao solver o crédito à beneficiária, e a ponderação da posição do réu em face da providência cautelar do tribunal de Matosinhos.

    II1. Rejeitando, como se disse a impugnação da decisão de facto pelo réu, a Relação considerou assente a factualidade dada como provada na 1.ª instância, que se reproduz da sentença com as referências correspondentes à especificação e ao questionário: 1.1. «C encarregou o B de, pela via da abertura de um crédito documentário, se responsabilizar perante a sociedade turca D, que seria a beneficiária desse crédito, pelo pagamento do respectivo montante, sob condição de receber da mesma e em ordem os documentos representativos da dita mercadoria, mencionados na carta de crédito[alínea, B )] (2) ; 1.2. «A "C" encarregou ainda o B de obter a confirmação do crédito documentário por um banco comercial, constituído segundo as leis da Turquia [alínea C) ]; 1.3. «Assim, em 16 de Junho de 1997, o B, na sua qualidade de banco emitente, procedeu à abertura de um crédito documentário a favor da sociedade de direito turco D [alínea D)]; 1.4. «O banco ora autor confirmou o crédito, a pedido, por incumbência e com a prévia concordância e autorização do banco emitente, o B [alínea E )]; 1.5. «Com efeito, em 19.6.97 e 2.7.97 o autor solicitou àquele B que lhe comunicasse as suas instruções para que pudesse, após pagamento, solicitar-lhe o reembolso do montante pago, de forma a permitir-lhe dar a sua confirmação ao crédito documentário, pedindo que essas instruções fossem dadas nos seguintes termos: ‘na data do vencimento, está autorizado a reclamar o reembolso do banco reembolsador pelo valor do crédito, conforme documentos', como consta das cópias das mensagens enviadas, juntas a fls. 26/27 e 29/30 - [alínea F)]; 1.6. «Banco reembolsador esse que seria o F - AG (E) correspondente do B [(alínea G)]; 1.7. «Em 4.7.97 este B, através de uma sua mensagem enviada de Portugal, constante de fls. 32/36, incumbiu e autorizou o autor a confirmar o crédito documentário, transmitindo-lhe o texto a considerar em alguns ‘campos' da carta de crédito, nomeadamente no ‘campo' 78, caso em que esse texto era exactamente igual àquele que antes o autor havia sugerido, ou seja; ‘na data do vencimento, está autorizado a reclamar o reembolso do banco reembolsador, pelo valor da carta de crédito, conforme documentos' [alínea H)]; 1.8. «Perante tal incumbência e autorização do B, o autor efectuou a sua confirmação do crédito documentário e informou disso mesmo o respectivo beneficiário [alínea I)]; 1.9. «O autor não foi ainda reembolsado da quantia de 139 198,50 marcos alemães [alínea J)]; 1.10. «Pelo 1.° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos correu seus termos entre C, como requerente, e D, como requerida, a providência cautelar n.° 504/97, tendo ali sido proferida, a 2.10.97, a decisão final constante de fls. 176 a 179, cujo teor se dá por reproduzido, que transitou em julgado a 18.10.99 - Doc. de fls. 175 a 188, cujo teor se dá por reproduzido - [alínea L)]; 1.11. «Nesta decisão foi ordenada a notificação imediata do gerente da agência de Matosinhos do B sita (...), e a notificação do mesmo banco na sua sede no Porto, (...), para que ‘se abstenha de transferir a quantia de 144 896,00 marcos alemães constante do crédito documentário aberto pela requerente C para o banco Turkyie, a favor de D - Doc. de fls. 175/187 - [alínea M)]; 1.12. «Esta decisão foi notificada a 2.10.97 ao gerente do B de Matosinhos e à sede do B do Porto - Doc. de fls. 184/187 - [alínea N)]; 1.13. «Pelo 2.º Juízo Cível da Comarca de Matosinhos correu seus termos entre C, como autora., e D, como ré, a acção ordinária n.° 586/97, tendo ali sido proferida, a 20.03.98, a sentença constante de fls. 188 a 194, cujo teor se dá por reproduzido...

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