Acórdão nº 05B1730 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução31 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I A "A" - Frigoríficos de Viana SA intentou, no dia 5 de Abril de 2001, contra B, C, D, E, F, Ldª, G - Produtos Florestais SA, H, J e K, acção declarativa constitutiva condenatória, com processo ordinário, pedindo a declaração de nulidade de dois indicados contratos de compra e venda relativos ao terreno para construção urbana situado em Morenos, Neiva, Viana do Castelo, a reversão dele para o seu património, o cancelamento do respectivo registo predial, a sua condenação a indemnizá-la dos prejuízos causados pelos actos impugnados a apurar em execução de sentença, ou a sua condenação e da primeira ré, solidária e ilimitadamente, a pagar-lhe o preço de venda do prédio transmitido bem como a restituírem o valor de mercado de todos os bens do imobilizado corpóreo que venderam nos dois anos anteriores à declaração de falência, tudo a liquidar em execução de sentença.

Invocou a simulação e a má fé, a responsabilidade solidária e ilimitada dos primeiros quatro réus enquanto administradores, gerentes ou liquidatários das sociedades rés, por lhe terem frustrado e aos seus credores direitos de crédito, usado em benefício próprio bens sociais, a omissão de prestação de contas dos respectivos mandatos, os danos patrimoniais derivados dessas condutas para os respectivos credores sociais, e visar o pagamento dos créditos reclamados pelos credores para acautelar os seus interesses.

Os réus H, J, K e "G", SA afirmaram em contestação a ineptidão da petição inicial, a sua ilegitimidade ad causam e, em qualquer caso, a sua irresponsabilidade, por desconhecerem a situação financeira de A.

Os réus B, C, D e E afirmaram, por seu turno, em contestação, não se verificarem os fundamentos em que a autora assentara os pedidos que formulara contra eles em razão de terem procedido à venda do imóvel com várias penhoras para tentar salvar a empresa.

A autora replicou no sentido da não verificação das excepções de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade ad causam invocadas pelos réus acima mencionados em primeiro lugar.

Os réus mencionados em segundo lugar treplicaram, mantendo essencialmente o afirmado nos seus instrumentos de contestação.

No despacho saneador, proferido no dia 4 de Fevereiro de 2002, foram G Produtos SA, H, J e K absolvidos da instância com fundamento na sua ilegitimidade ad causam.

À autora foi concedido, por despacho do órgão da segurança social proferido no dia 22 de Janeiro de 2001, o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça em procedimento de arresto no âmbito do processo de falência em relação ao qual esta acção corre termos por apenso.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 7 de Abril de 2004, por via da qual a acção foi julgada parcialmente procedente e condenados solidariamente B, C, D e ICV, Ldª a pagar à autora € 541.500,00 tal como o réu E, este até ao limite recebido na partilha dos bens de ICV Ldª a liquidar em execução de sentença.

Interpuseram recurso os referidos réus, e a Relação, por acórdão proferido no dia 5 de Janeiro de 2005, absolveu a apelante ICV, Ldª do pedido e alterou a sentença recorrida quanto ao montante dos prejuízos sofridos pelos credores sociais para € 257.239,05, expressando mantê-la no restante.

Interpuseram B, C, D, E e A, SA recurso de revista, tendo os primeiros, em síntese, formulado as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão é nulo por virtude de os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea c), ou porque substituiu a sentença em decisão assente em quadro fáctico-jurídico diferente, não afirmado pelas partes, em violação do disposto nos artigos 264º, 664º e 668º, nº 1, alínea d), todos do Código de Processo Civil; - é injusto e ilegal que o acórdão, de novo, impute a B, C e D o desvio de dinheiro da empresa sem antes terem sido confrontados com essa imputação; - não se verificam os requisitos de condenação dos administradores da A com base na responsabilidade civil extracontratual prevista no artigo 78º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, que foi mal interpretado e aplicado; - o acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil ao não declarar não escrita a resposta dada ao quesito 35º da base instrutória, apesar de conter uma conclusão jurídica; - não se verifica o levantamento do dinheiro da conta bancária da sociedade pelos recorrentes, e carece de sustentação factual e jurídica a conclusão da suficiência ou insuficiência da garantia patrimonial dos créditos e da boa ou má fé dos recorrentes; - os créditos que pudessem impender sobre o imóvel em 25 de Junho de 1998 perseguiam-no fosse qual fosse o seu titular, pelo que estavam garantidos, e não se provou a existência de outros créditos ou a necessidade da sua garantia; - os recorrentes sempre pautaram a sua conduta no que concerne aos contratos de compra e venda do imóvel em termos de lisura, transparência e boa fé, agindo com a consciência de que da venda do terreno não resultaria prejuízo para os credores e que resultariam benefícios e acréscimos patrimoniais importantes para a empresa em montante superior ao valor do imóvel; - o património líquido da sociedade sofreu um acréscimo positivo em resultado da venda do terreno em referência, e inexiste fundamento para se concluir no sentido da procedência da impugnação pauliana; A "A", SA formulou, por seu turno, as seguintes conclusões de alegação: - ICV - Ldª deve responder solidariamente com os demais recorrentes, porque tem capacidade judiciária; - os sócios de ICV Ldª só podiam distribuir antecipadamente lucros depois de pagarem todas as suas dívidas, entre as quais os montantes que os recorrentes B, C e D, na sentença, foram condenados a pagar; - provados os requisitos da impugnação pauliana e os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual dos administradores, a Relação devia ter mantido o montante dos prejuízos dos credores sociais, correspondentes ao valor do prédio, declarados na sentença proferida na 1ª instância, sendo a sua percentagem achada no acórdão recorrido arbitrária e irreal, por não resultar dos factos provados; - o acórdão recorrido violou os artigos 616º, nº 2, do Código Civil, 661º, nº 2, do Código de Processo Civil, 73º, nº 1 e 78º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais.

Responderam B, C, D e E em síntese de alegação: - ICV, Ldª não tem capacidade judiciária porque foi dissolvida e liquidada no mesmo acto e se extinguiu, sem passivo, com o registo comercial da liquidação, nos termos do artigo 160º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais; - a venda do terreno, objecto de várias penhoras, não gerou prejuízo para os credores sociais e constituiu um acto de gestão adequado à situação de então da empresa, não ocorrendo a situação de má fé a que se reporta o artigo 612º, nº 2, do Código Civil; - os créditos da Fazenda Nacional estavam garantidos por penhoras, pelo que aos credores não adveio da venda qualquer prejuízo.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. Por escritura de 29 de Agosto de 1996, celebrada no 1º Cartório Notarial de Viseu, foi constituída a ICV - Indústria de Congelados de Viana, Lda., cujo objecto social era a indústria, transformação e comercialização de produtos congelados.

  1. ICV, Ldª, para a instalação da fábrica e armazém, necessitava de uma área edificada, e, por documento de 29 de Agosto de 1996, representantes de A declararam prometer vender-lhe o prédio urbano composto por terreno para construção urbana para fins industriais, sito em Morenos, Neiva, Viana do Castelo, e a primeira requereu, no dia 20 de Agosto de 1996, apoio financeiro no âmbito dos Regulamentos nº 3699/93 e do Regime de Apoio à Transformação e Comercialização dos Produtos de Pesca e da Agricultura.

  2. Em 1997, A não conseguia cumprir as obrigações fiscais - pagamento em prestações ao abrigo do Plano Mateus - e, face a esse incumprimento, todos os membros do seu conselho de administração pretendiam, então, vender o imóvel referido sob 2, e os modelos do imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas respeitantes a 1995 e 1996 foram entregues na Repartição de Finanças de Viana do Castelo.

  3. L e M subscreveram uma carta, enviada à ICV, Ldª no dia 10 de Novembro de 1997, convidando-a a informar se continuava interessada na compra do imóvel referido sob 2, dada a necessidade de A o vender.

  4. Em 13 de Janeiro de 1998, a Direcção Geral das Pescas comunicou à ICV Ldª que o projecto apresentado fora deferido sob condição de ela aumentar o capital para 150.000.000$00.

  5. B, que residia em Viseu e se deslocava esporadicamente a Viana do Castelo, C e D eram, no dia 25 de Junho de 1998, sócios e administradores de A - Frigoríficos de Viana S.A e, por deliberação de 14 de Abril de 1998, a primeira foi eleita sua presidente do conselho de administração e o segundo e o terceiro seus vogais.

  6. Por escritura de 25 de Junho de 1998, celebrada no Cartório Notarial de Santa Comba Dão, ICV, Ldª aumentou o seu capital social de 1.000.000$00 para 150.000.000$00, e A cedeu a sua quota nela ao Réu E.

  7. O réu E era, em 25 de Junho de 1998, sócio e gerente de ICV - Indústria de Congelados de Viana Ldª e a ré B sua sócia e gerente, a qual, no dia 25 de Junho de 1998, cessou essas funções por renúncia, e, através da alteração parcial do contrato de sociedade com aumento de capital, foi novamente eleita sua gerente.

  8. Por escritura de 25 de Junho de 1998, outorgada no Cartório Notarial de Santa Comba Dão, os réus B, C, D, na qualidade de administradores de A, declararam vender à ICV-Ldª, representada B e E, na qualidade de seus gerentes, o prédio urbano composto por terreno para construção urbana, para fins industriais, situado em Morenos, freguesia do Neiva, inscrito na matriz sob o artigo 621º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 673, com 17 penhoras inscritas a favor da Fazenda Nacional, nele estando...

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