Acórdão nº 05B2072 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução29 de Junho de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I "A" e B intentaram, no dia 8 de Janeiro de 2001, contra C e D, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a declaração do seu direito de propriedade sobre o prédio urbano matricialmente inscrito sob o artigo 2228, sito na freguesia de São Miguel, Guarda, e a condenação dos réus a restituir-lho, invocando o seu direito de propriedade sobre ele e a omissão dos réus da sua restituição no termo de contrato de comodato.

Os réus afirmaram em contestação não serem os autores proprietários do referido prédio, acrescentando ser falsa a escritura de justificação notarial em que se baseou o registo predial da sua aquisição, não funcionar a presunção dele derivada, serem arrendatários rurais em relação a ele, e, em reconvenção, pediram a sua condenação a indemnizá-los no montante de 3.000.000$00, e eles replicaram, afirmando haverem permutado com a sociedade E - Hipermercados, SA um prédio da sua titularidade com o prédio reivindicado.

Falecido o réu D, foram habilitados em sua substituição a autora C e os filhos F e o cônjuge G, H e o cônjuge I, J e o cônjuge K, L e o cônjuge M, N e o cônjuge O, P e o cônjuge Q.

Depois da fase de condensação, os referidos habilitados apresentaram um articulado, por eles designado contestação reconvenção, parcialmente admitido pelo juiz no seu conteúdo, de cujo despacho os réus agravaram.

Realizado o julgamento, foi preferida sentença no dia 28 de Abril de 2004, por via da qual foi declarado o direito de propriedade dos autores sobre o aludido prédio, e condenados os réus a restituir-lho e os primeiros absolvidos do pedido reconvencional.

Apelaram os réus da referida sentença, impugnando a decisão da matéria de facto e o conteúdo da decisão de direito, e a Relação, por acórdão proferido no dia 11 de Janeiro de 2005, negou provimento ao recurso de apelação, tal como ao recurso de agravo acima referido.

Interpuseram os réus apelantes e agravantes recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação relativas à decisão global de mérito e de forma: - enquanto titulares do direito à transmissão do arrendamento rural, tinham o direito de intervir na acção com articulado próprio; - o articulado que apresentaram contém elementos instrumentais úteis e necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; - não obstante a designação que lhe deram, o referido articulado poderá ser aproveitado para a ampliação do pedido reconvencional ou da causa de pedir e para o pedido de cominação de sanção pecuniária compulsória; - a Relação, ao admitir o articulado como ampliação do pedido e ao rejeitá-lo a final incorreu em contradição susceptível de integrar nulidade, violando os artigos 273º, nº 2 e 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil; - deverá conceder-se parcial provimento ao recurso de agravo, ordenar-se a admissão daquele articulado como ampliação do pedido e anular-se o processado subsequente; - a resposta ao quesito primeiro da base instrutória viola os artigos 3º, nºs 1 e 3, 664º e 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil e deve ser alterada de forma a considerá-lo provado na sua versão inicial; - os artigos matricial urbano 2228 e rústico 1222 foram estabelecidos por via de falsas declarações dos recorridos, e a escritura de justificação notarial contém declarações falsas, pelo que não pode justificar a presunção de propriedade; - o prédio reivindicado é o mesmo que os recorrentes traziam de arrendamento, pertenceu a R e S e, depois, aos seus herdeiros que o alienaram a E - Hipermercados SA e esta a T- Imobiliária, Comércio e Turismo, Ldª e aquela a U - Gestão de Imóveis SA; - confessando terem adquirido o prédio reivindicado por permuta, os recorridos abandonaram a tese da aquisição por usucapião e ilidiram a presunção de propriedade derivada do registo; - está ilidida a presunção do direito de propriedade dos recorridos sobre o prédio, sendo essa presunção a favor de U-Gestão de Imóveis SA; - o acórdão recorrido violou os artigos 7º do Código do Registo Predial, 1287º do Código Civil, 664º e 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, bem como o artigo 3º, nºs 1 e 3, do último dos referidos diplomas, emanação directa do princípio da igualdade previsto no artigo 13º, nº 1, da Constituição, também por ele violado ou erradamente interpretado; - devem absolver-se os recorrentes do pedido e condenarem-se os recorridos a indemnizá-los em valor justo e razoável ou a liquidar em execução de sentença, ou ser anulado o julgamento e as decisões das instâncias para repetição do julgamento em razão da ampliação do pedido.

Responderam os recorridos, em síntese de alegação: - o articulado em causa não pode servir para ampliação do pedido nem para pedir a cominação de sanção pecuniária compulsória, porque apenas explicita factos já alegados na primitiva contestação-reconvenção, não há superveniência objectiva e não é atendível a superveniência subjectiva invocada; - não há contradição na decisão de não desentranhamento do articulado, da sua rejeição como contestação-reconvenção extemporânea e inadmissível e a afirmação de ampliação explicitante do pedido primitivo; - o acórdão recorrido não viola o nº 2 do artigo 273º do Código de Processo Civil, porque o aludido articulado constituiu mera tentativa de emenda de articulado anterior; - a factualidade assente na especificação deverá manter-se porque dela não houve reclamação ou recurso; - os recorrentes não podem em sede de recurso, face às normas do processo, pôr em casa o facto assente do registo predial do prédio a favor dos recorridos e a correspondente presunção de propriedade; - deve manter-se a resposta ao quesito primeiro da base instrutória porque só esclarece, sem violação da lei, que os recorrentes foram arrendatários do prédio em causa; - ultrapassada a questão da legitimidade activa dos recorridos por não ter havido recurso do despacho saneador que a declarou, afectada está a posição dos recorrentes relativa ao direito de propriedade sobre o prédio; - os recorrentes não provaram o arrendamento e os recorridos provaram o contrato de comodato, pelo que o acórdão recorrido, ao confirmar a sentença proferida na 1ª instância, interpretou correctamente a lei aplicável; - os recorrentes não têm direito a exigir aos recorridos indemnização por danos praticados em prédio que afirmam não lhes pertencer.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. O réu D não sabia ler nem escrever e, em documento escrito datado de 20 de Agosto de 1996, assinado a seu rogo por não saber assinar, declarou que A lhe emprestou, pelo prazo de dois anos, com início naquela data, as casas que constituíam um conjunto de habitação, palheira, forno, cabanal e quintal com videiras e árvores de fruto, sitas no lugar do Camalhão, a confrontar do Norte com V, do Sul com X, do Nascente com V e do Poente com Z e o Caminho, e que se comprometia a restituir-lhas livre de pessoas e coisas logo que fosse avisado com a antecedência mínima de seis meses pelo seu proprietário A.

  1. Em escritura de justificação notarial, outorgada no dia 9 de Setembro de 1998, consta a declaração de que os prédios nela referidos, incluindo o mencionado sob 1, vieram à posse dos justificantes por partilha verbal no ano de 1972 por óbito de AA e cônjuge, pais e sogros daqueles.

  2. "AA", referido sob 2, faleceu no dia 30 de Novembro de 1982 e o seu cônjuge, mãe e sogra dos justificantes, também mencionada sob 2, ainda vive.

  3. O prédio urbano composto de rés-do-chão, 1º andar, com palheiro, forno, curral e anexo destinado a cabanal, com a área coberta de 334 metros quadrados e descoberta de 12,166 metros quadrados, está inscrito na matriz predial sob o artigo 2228º, a confrontar do Norte e Nascente com V, do Sul com X e do Poente com Z e o Caminho, e inscrito na titularidade do autor, A, casado com B, na Conservatória do Registo Predial por via da inscrição G-19981013005.

  4. A ré C e o falecido cônjuge, D, foram arrendatários do prédio mencionado sob 2, durante cerca de 45 anos, até 1995, ano em que cessou o arrendamento.

  5. Os autores retiraram as telhas do telhado do cabanal e impediram C e D de cultivar o prédio mencionado sob 2.

  6. No dia 30 de Novembro de 2000, foram os réus notificados avulsa e judicialmente, nomeadamente para procederem à imediata restituição aos autores do prédio integral mencionado sob 2, mas até agora não lho entregaram.

    III Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação dos recorrentes e dos recorridos, as questões objecto do recurso de revista são as seguintes: - deve ou não ser admitido o segundo articulado de contestação-reconvenção apresentado pelos recorrentes? - deve ou não ser alterada a factualidade fixada pela Relação constante de II 5? - têm ou não os recorrentes direito a exigir dos recorridos alguma indemnização? - deve ou não manter-se a declaração do direito de propriedade dos recorridos sobre o prédio em causa? - têm ou não os recorridos direito a exigir dos recorrentes a entrega do mencionado prédio? Vejamos, de per se, cada uma das referidas questões.

  7. Comecemos pela questão de saber se deve ou não ser admitido o segundo articulado de contestação-reconvenção apresentado pelos recorrentes no tribunal da 1ª instância depois da fase da condensação do processo.

    Esta questão reconduz-se a saber se este Tribunal pode ou não conhecer no recurso de revista da legalidade ou ilegalidade do acórdão da Relação que negou provimento ao recurso de agravo do despacho proferido no tribunal da 1ª instância que só parcialmente admitiu o conteúdo do mencionado articulado.

    Os recorrentes afirmam, nesta parte, que enquanto titulares do direito à transmissão do arrendamento rural, tinham o direito de intervir na causa com articulado próprio, conter o que apresentaram elementos instrumentais úteis e necessários ao apuramento da...

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