Acórdão nº 05B2682 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" intentou contra "B" acção declarativa com processo ordinário, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de 150.000 Euros, acrescida de juros, desde 16 de Maio de 2003, pelos prejuízos que alegadamente sofreu em consequência da sua destituição de gerente da ré.

Alegou, para tanto, em resumo, que: - é sócio da ré e seu gerente; - em Assembleia Geral de 18 de Junho de 2002, foi destituído da gerência, sem que para tal houvesse justa causa, mas como retaliação pelo facto do autor se opor à venda do património da ré, venda que atentava contra os legítimos interesses da mesma; - com tal destituição sofreu o autor prejuízos dos quais pretende ser indemnizado.

Contestou a ré, sustentando, em síntese, que: - houve justa causa para a destituição do autor, uma vez que se quebrou a confiança que a sociedade nele depositava, pelas razões referidas na acta da assembleia geral, que adiante reproduz; - já antes o autor efectuava gastos a cargo da sociedade que eram supérfluos, que punham em causa a sua situação económica e que, além de não serem previamente concertados com a gerência, mereciam dos restantes gerentes a reprovação unânime; - o autor recebia dinheiro ou valores de clientes, não emitindo recibos e não depositando os respectivos valores; - como responsável de duas das escolas de condução pertencentes à ré, o autor debitava no caixa inúmeras despesas particulares, que totalizaram o montante de 104.007,64 Euros, que não pagou.

Deduziu, ainda, reconvenção, pedindo a condenação do autor a pagar-lhe a referida quantia de 104.007,64 Euros, acrescida de juros de mora.

Proferido despacho saneador, condensados e instruídos os autos, procedeu-se a julgamento, com decisão acerca da matéria de facto controvertida, vindo, depois, a ser proferida sentença que julgou improcedente a acção e procedente a reconvenção, absolvendo a ré e condenando o autor a pagar-lhe a quantia de 104.007,64, acrescida de juros de mora.

Inconformado, apelou o autor, com parcial êxito, porquanto o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 17 de Março de 2005, decidiu julgar parcialmente procedente a apelação e assim alterar a sentença recorrida quanto ao montante a pagar pelo autor à ré sociedade, que é de 102.962,77 Euros, acrescido de juros de mora conforme o já decidido.

Interpôs, agora o mesmo autor recurso de revista, pretendendo a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto para que este julgue a matéria constante do número 43º da base instrutória, ou, quando assim se não entenda, a revogação do acórdão recorrido na parte em que absolveu a ré e na parte em que condenou o autor no pedido reconvencional.

Em contra-alegações defendeu a recorrida a bondade do julgado.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações da revista formulou o recorrente as seguintes conclusões (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. Nas alegações que o recorrente produziu no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação do Porto, levantou a questão da resposta dada à matéria constante do nº 43º da Base Instrutória, a qual ocorreu certamente por manifesto lapso do Tribunal de 1ª Instância, sendo que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto tem, salvo o devido respeito, o mesmo lapso.

  1. Foi dado como provado que o autor, ora recorrente, "debitava na caixa despesas particulares (telefone da sua residência, peças destinadas aos seus veículos, fogões e outros equipamentos, a renda do leasing do seu veículo e seguro)", tudo no valor de 104.007,64 Euros - respostas à matéria dos nºs 41º e 42º da Base Instrutória, e que a quantia referida no número anterior foi levada à conta de sócio (do autor, ora recorrente), e que este não pagou à ré (ora recorrida) - resposta ao nº 43º da Base Instrutória.

  2. Conforme se alcança da resposta dada à matéria de facto que se encontra a fls. 265, a pretensa dívida do autor ora recorrente à Sociedade resultou única e exclusivamente do documento junto aos autos pela própria ré com a sua contestação, a fls. 96 a 98, o qual não foi posto em causa por ninguém e mais se alcança claramente da mesma, aliás, muito minuciosa e cuidadosamente elaborada, que absolutamente nenhuma prova testemunhal foi produzida a esse respeito.

  3. A resposta à matéria de facto transcreve os factos que as testemunhas prestaram, depoimentos que mereceram credibilidade ao Tribunal e que resultaram em matéria dada como provada. Na ausência de qualquer referência por qualquer testemunha ao pretenso montante em dívida pelo autor, apenas restou o documento de fls. 96 a 98 que (e bem) foi referenciado como tendo sido tido por base pelo Tribunal na determinação da matéria de facto.

  4. Só por manifesto lapso do Tribunal da Relação do Porto se concebe que o mesmo afirme expressamente no acórdão ora posto em crise que "não é verdade que na sustentação da resposta ao quesito o tribunal a quo tenha apenas utilizado o referido documento, pois, como consta da respectiva acta, utilizou também os depoimentos das testemunhas C e D", quando na verdade, conforme se alcança da resposta da matéria de facto, essas duas testemunhas nada disseram a respeito dos pretensos montantes em dívida pelo autor ora recorrente, pelo que a Relação do Porto profere afirmações que não têm qualquer correspondência com a realidade dos autos.

  5. O Tribunal da Relação do Porto para apreciar e alterar a matéria constante do nº 43º da Base Instrutória não necessitava de qualquer prova testemunhal, nem tinha o autor ora recorrente que questionar qualquer depoimento, uma vez que, conforme supra já amplamente se demonstrou, as testemunhas nada disseram a esse respeito.

  6. A resposta a essa matéria (nº 43º da Base Instrutória) resultou exclusivamente do documento de fls. 96 a 98 dos autos, o qual é bem claro no saldo final: 0,00 E, o que significa, que a própria ré, em documento por si junto aos autos, confessa que o autor nada lhe deve, ou seja, analisando o mesmo documento de fls. 96 a 98 dos autos, verifica-se que o saldo do extracto de conta é 0,00 E, e não de 104.007,44 E, como certamente por manifesto lapso foi dado como provado - resposta à matéria do nº 43º da Base Instrutória (quantia aludida no nº 42º da Base Instrutória que se considerou o autor não ter pago à ré).

  7. Na verdade, tal documento de fls. 96 a 98 é bem preciso e alude no cabeçalho a "conta 268" referindo-se naturalmente ao autor A, como, aliás, refere expressamente (268 segundo o POC refere-se a "devedores e credores diversos"), do mesmo consta lançado um crédito, efectuado em 31/12/2002, no valor de 102.962,77 Euros proveniente de 2559, assim como consta lançado outro crédito, em 31/12/2002, no valor de 1.044,87. E, também a favor do autor, o que perfaz a quantia de 104.007,64 E, precisamente a quantia que o autor foi condenado a pagar à ré, sendo que no POC "conta 25" é "accionistas/sócios" e refere-se empréstimos dos sócios à sociedade. O saldo é de 0,00 E segundo o saldo final do documento de fls. 96 a 98, o que se explica pelo facto de a ré ter efectuado compensação, parcial ou total, não sabemos, com empréstimos do autor a favor da sociedade, do que resultou certamente uma diminuição do saldo credor do autor constante da conta 2559.

  8. A 1ª Instância errou, pois, ao dar como provado que "não tendo este pago aquelas" (parte final da resposta ao nº 43º da Base Instrutória), quando resulta do documento de fls. 96 a 98 precisamente o contrário, ou seja, um saldo de 0,00 E, manifesto lapso que o Tribunal da Relação do Porto também cometeu, uma vez que afirma que não foi só na prova documental que se baseou essa resposta (nº 43) do Tribunal, o que salvo o devido respeito, não é exacto, muito pelo contrário, conforme amplamente supra já se demonstrou, o qual teve implicação directa na procedência do pedido reconvencional em que o autor foi condenado. Não fosse o mesmo lapso a resposta à matéria de facto à parte final do nº 43º da Base Instrutória, seria alterada (pelo que consta do documento de fls. 96 a 98), com a consequente total improcedência do pedido reconvencional.

  9. Para se aferir da veracidade do constante do documento de fls. 96 a 98 dos autos e do manifesto lapso do Tribunal da Relação do Porto, atente-se que a ré na tréplica que oportunamente deduziu, veio reduzir o pedido para 102.962,77 Euros, precisamente o saldo que consta do mesmo, considerando um crédito a favor do autor também constante ainda do mesmo, no montante de 1.044,87 Euros, donde se prova que o mesmo é verídico e real (aceite expressamente pela própria ré que aceita reduzir o pedido em sintonia com o que consta do mesmo documento de fls. 96 a 98). Da mesma forma que foi levado a crédito do autor 1.044,87 Euros, também foi levado a quantia de 102.962,77 Euros. A redução do pedido para 102.962,77 Euros motivou a alteração da condenação ao autor por parte do Tribunal da Relação do Porto, para esse preciso montante (única parte em que a apelação foi julgada procedente).

  10. Nesta conformidade, por todo o supra exposto, requer muito respeitosamente que se digne ordenar que os presentes autos baixem ao Tribunal da Relação do Porto, mais se ordenando que a mesma Relação reaprecie a matéria de facto constante do nº 43º da Base Instrutória só com base no documento de fls. 96 a 98 dos autos, no sentido da sua alteração, uma vez que a mesma matéria só resultou provada em 1ª Instância em função do mesmo documento de fls. 96 a 98 dos autos, e não de qualquer prova testemunhal.

  11. Sendo ordenado que o processo baixe ao Tribunal da Relação do Porto para reapreciação daquela matéria só com base no documento, e sendo o processo entregue ao mesmo Colectivo e este vier a decidir acerca dos vícios em que tenha ocorrido, desde já suscita a questão de surgir como inconstitucional a norma do artigo 716°, nº 2, do Código de Processo Civil, se entendida como...

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