Acórdão nº 05B3557 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução29 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I A "A" das Caldas da Rainha, Óbidos e Peniche C R L intentou, no dia 19 de Abril de 2004, contra o Estado Português, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 146.655,66 e juros à taxa legal desde a citação, invocando o prejuízo derivado da omissão de suspensão da acção executiva para pagamento de custas intentada pelo Ministério Público contra B e C e da sua citação para reclamar o seu crédito hipotecário e na consequente perda da sua garantia por não haver podido realizar o seu direito de crédito através do reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio hipotecado que arrematara em acção executiva para pagamento de quantia certa que intentara contra aqueles executados.

O réu invocou na contestação a incompetência territorial do tribunal, a irregularidade e a ineptidão da petição inicial por falta de fundamentação de direito e contradição entre o pedido e a causa de pedir e a prescrição do direito de crédito invocado pela autora por virtude do decurso do prazo de três anos.

Na réplica, a autora pronunciou-se no sentido da inexistência das referidas excepções, e o tribunal da 1ª instância, por sentença proferida no dia 28 de Outubro de 2004, na fase da condensação do processo, julgou improcedentes as mencionadas excepções dilatórias e procedente a excepção peremptória da prescrição, e absolveu o réu do pedido.

Apelou a autora, e a Relação, por acórdão proferido no dia 17 de Maio de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o direito de indemnização previsto no nº 3 do artigo 864º do Código de Processo Civil só prescreve ao fim de vinte anos, que ainda não decorreram; - só pôde ser exercido pela recorrente após haver conhecido do dano, ou seja, da sua impossibilidade legal de reaver o prédio que arrematara para ressarcimento do seu direito de crédito; - o início do prazo de prescrição para o exercício do referido direito ocorreu no dia 14 de Abril de 2003, data do trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que julgou improcedente a acção de reivindicação do prédio que intentara; - ocorreu a interrupção do prazo de prescrição por via do requerimento de anulação da segunda venda e da instauração da acção de reivindicação, actos reveladores da sua não conformação com a omissão de citação, e manifestação indirecta da sua intenção de exercer o seu direito indemnizatório; - não podia interpor simultaneamente a acção de indemnização contra o recorrido e a acção de reivindicação contra o segundo adquirente do prédio em razão da concernente prejudicialidade, porque a procedência da última excluiria a responsabilidade do recorrido por inexistência de prejuízo; - litigaria de má fé se intentasse as duas acções por pretender alcançar com elas os fins incompatíveis do direito propriedade sobre o prédio hipotecado e a indemnização pela falta de pagamento do crédito hipotecário; - a prevalência da segunda venda do prédio na acção executiva por dívida de custas a favor do recorrido viola o artigo 22º da Constituição, por ter ocorrido por grave e violenta omissão de actos essenciais do processo; - o acórdão recorrido ignorou os documentos juntos no processo, pelo que é nulo e violador dos artigos 2º, 20º, nº 5 e 22º da Constituição, certo que negou o acesso à justiça devidamente fundamentado na prova produzida.

Respondeu o recorrido, em síntese de alegação: - o prazo de prescrição não varia com base na existência ou não de culpa, é de três anos, e iniciou-se no momento em que o direito de indemnização podia ser exercido; - o dano a indemnizar com a falta de citação era o da perda da garantia real que caducou nos termos do artigo 824º do Código Civil; - a recorrente podia ter actuado antes, mas não o fez, actuando contra terceiros hipotéticos direitos entretanto declarados insubsistentes e, por isso, não prejudiciais em relação ao exercício do direito de indemnização; - a acção de reivindicação visava acautelar o direito de propriedade e não o direito de indemnização, e o prazo de prescrição não se interrompeu por virtude da sua interposição, porque o recorrido nela não interveio.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. A autora inscreveu na Conservatória do Registo Predial de Óbidos, nos dias 28 de Setembro de 1983, 20 de Dezembro de 1985, 23 de Maio de 1986, hipotecas sobre o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, 1º andar, sótão, armazém e logradouro, sito na Gracieira, freguesia de A-dos-Negros, Município de Óbidos, descrito na matriz sob o nº 1 292 e descrito naquela Conservatória sob o nº 00551/090891.

  1. O Ministério Público intentou, em 1991, no Tribunal da Comarca de Vagos, acção executiva para pagamento de dívida de custas contra B e C, que correu termos sob o nº 104-A/91.

  2. A autora instaurou, no dia 22 de Fevereiro de 1992, no 3º Juízo do Tribunal da Comarca das Caldas da Rainha, contra B e C, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, para cobrança de prestação pecuniária decorrente de contrato de mútuo e juros, que correu termos sob o nº 46/92.

  3. No dia 4 de Dezembro de 1992, foi penhorado na execução mencionada sob 3 o prédio referido sob 1, penhora essa registada no dia 4 de Fevereiro de 1993.

  4. O referido prédio foi arrematado pela autora, em hasta pública, no dia 19 de Abril de 1995, mas ela não inscreveu a referida aquisição na sua titularidade no registo predial.

  5. No dia 8 de Fevereiro de 1994, foi penhorado o prédio mencionado sob 1 na acção executiva referida sob 2, penhora essa que foi objecto de registo predial no dia 15 de Maio de Maio de 1995.

  6. No dia 24 de Outubro de 1996, na acção executiva mencionada sob 2 foi o prédio aludido sob 1 adquirido através de arrematação judicial por D, que inscreveu essa aquisição no dia 19 de Maio de 1997, na sua titularidade, na Conservatória do Registo Predial de Óbidos.

  7. Na acção executiva por dívida de custas mencionada sob 2 não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 871º, e a autora não foi citada nos termos e para os efeitos do artigo 864º, nº 1, alínea c), ambos do Código de Processo Civil.

  8. Os factos mencionados sob 8 foram reconhecidos na motivação do despacho proferido pelo Tribunal da Comarca de Vagos no dia 26 de Abril de 1997 sobre o requerimento apresentado por D a fim de lhe ser entregue certidão com vista a legalizar o prédio arrematado e a cancelar os respectivos registos.

  9. Em virtude disso, a autora requereu, no dia 3 de Junho de 1997, a anulação da venda do imóvel mencionada sob 7, pretensão que lhe foi indeferida por despacho proferido no dia 27 de Março de 1998, do qual ela interpôs recurso para a Relação.

  10. O relator da Relação, por despacho proferido no dia 20 de Outubro de 1998, não admitiu o recurso por razões de alçada, a autora reclamou para a conferência e a Relação, por acórdão proferido no dia 15 de Dezembro de 1998, indeferiu a reclamação.

  11. No dia 14 de Julho de 2000, a autora intentou acção declarativa de condenação - reivindicação - contra D, na qual pediu a anulação da venda do imóvel mencionada sob 7 e a declaração de ser a única e legítima dona do referido prédio, e o último pediu a declaração de ser ele o respectivo proprietário.

  12. A acção mencionada sob 12 foi julgada procedente por sentença proferida no tribunal de 1ª instância, confirmada pela Relação por acórdão proferido no dia 1 de Outubro de 2002, revogado pelo Supremo Tribunal de Justiça por acórdão proferido no dia 27 de Março de 2003, que declarou D titular do direito de propriedade sobre o mencionado prédio, o qual transitou em julgado no dia 10 de Abril de 2003.

    III A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrente tem ou não o direito de exigir da recorrido o pagamento a título indemnizatório da quantia de € 146.655,66 e juros à taxa legal.

    Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e do recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - quadro de facto relevante no recurso e âmbito deste; - regime adjectivo que se sucedeu no tempo aplicável; - está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade? - regime legal da omissão de citação de credores e de suspensão da execução em razão de penhora prioritária; - natureza da obrigação de indemnizar decorrente da omissão de citação para o concurso de credores e da omissão da suspensão da execução com penhora não prioritária sobre os mesmos bens; - prazo de prescrição do direito de crédito indemnizatório invocado pela recorrente; - início do referido prazo de prescrição; - ocorreu ou não a interrupção do mencionado prazo de prescrição? - ocorre ou não na espécie a infracção de alguma norma ou princípio constitucional? - síntese da solução para o caso decorrente dos factos assentes e da lei.

    Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

  13. Comecemos por sintetizar o quadro de facto relevante no recurso e delimitar o seu objecto.

    O Ministério Público e a recorrente intentaram, o primeiro no Tribunal da Comarca de Vagos em 1991, e a última no Tribunal da Comarca das Caldas da Rainha em 22 de Fevereiro de 1992, acções executivas, esta para cobrança de crédito hipotecário com inscrição no registo nos dias 28...

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