Acórdão nº 05B3744 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução29 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "A" Ldª intentou, no dia 6 de Março de 2001, contra B, CRL, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe 3 167 274$, sob o fundamento de recusa da ré do recebimento de tomate que lhe vendera, na danificação daquele produto e no prejuízo correspondente a despesas feitas para a sua entrega.

A ré, na contestação, expressou que a recusa do tomate derivou de ele não ter correspondido às normas de qualidade em vigor e que, por isso, foi justificada, e a autora replicou em sentido contrário.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 12 de Outubro de 2004, por via da qual a acção foi declarada improcedente, da qual a autora apelou, e a Relação, por acórdão proferido no dia 5 de Maio de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - deve ser modificada a matéria de facto a ter em conta para a decisão da causa, constante de documento não impugnado, sob pena de violação das normas que fixam a força probatória dos documentos particulares; - o contrato celebrado com a recorrida não é de fornecimento, mas de compra e venda, pelo que a Relação violou os artigos 406º e 874º do Código Civil; - não entregou todo o tomate acordado por razões externas ao programa contratual e derivadas da conduta da recorrida, que não tinha obrigação de conhecer, por àquela dizerem respeito ou por não terem sido convencionadas; - o acordo não previa risco especial de não realização da prestação por motivo de espera no acto de descarga, de falta de capacidade da fábrica para receber a prestação ou por imposição da regulamentação comunitária, factos que lhe não são oponíveis, por os não ter aceitado; - a não execução integral da prestação da recorrente foi causada por actos da recorrida, por não ter criado as condições necessárias para o cumprimento do acordado, pelo que incorreu em mora, nos termos dos artigos 762º, nº 2, e 813º do Código Civil; - a mora da recorrida responsabiliza-a pelos danos causados à recorrente em consequência dela, nos termos do artigo 816º, e houve inversão do risco de não realização da prestação, nos termos do artigo 815º, nº 1, ambos do Código Civil; - o contrato implicou a transferência do domínio sobre o tomate, o risco de não realização da prestação corre desde logo, por conta da recorrida, nos termos do artigo 796º, nº 1, do Código Civil; - a recorrida é, em qualquer caso, responsável pelo pagamento do preço do tomate que deveria ser entregue pela recorrente ao abrigo do contrato, nos termos dos artigos 796º, nº 1, e 815º, nº 2, do Código Civil; - a recorrida também é responsável pelas despesas acrescidas que a recorrente realizou por causa da mora da primeira nos termos do artigo 816º do Código Civil.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão: - ao não observar o disposto no artigo 690º-A do Código de Processo Civil, a recorrente inviabilizou a alteração pela Relação da decisão da matéria de facto proferida no tribunal da 1ª instância; - os factos indicados pela recorrente não têm a virtualidade de alterar a decisão da matéria de facto e não houve violação da lei substantiva relativa à força probatória dos documentos particulares; - o contrato em causa é de fornecimento, o que é harmónico com a legislação comunitária, e, se assim não fosse, isso não relevaria para a responsabilização da recorrida; - a recorrida, mera intermediária, não pode proceder ao pagamento do valor da totalidade da quota de produção de tomate atribuída à recorrente por C, SA haver recusado a entrega de parte do tomate; - nada tinha a ver com o processo relativo à entrega do tomate para transformação e à emissão de guias determinante do valor a pagar ao produtor; - não faltou culposamente ao cumprimento da sua obrigação, porque entregou o dinheiro correspondente ao tomate entregue pela recorrente e recebido de C, SA; - se a recusa do tomate da recorrente foi injustificada, isso apenas é imputável a C, SA.

II É a seguinte a factualidade propriamente dita declarada provada no acórdão recorrido: 1. A ré, enquanto organização de produtores, assegura a programação e a adaptação da produção à procura, nomeadamente em quantidade e qualidade, a promoção da concentração da oferta e colocação no mercado da produção dos associados, a redução dos custos de produção e a regularização dos seus preços, surgindo como entidade que angaria fornecimentos dos seus associados para C-Sociedade de Produtos Alimentares SA, forma de actuação que visa auxiliar os cooperantes.

  1. Depois de determinada a quota que cada empresa da indústria transformadora pode trabalhar, a ré distribui a sua quota às diferentes organizações de produtores e ou produtores individuais.

  2. Representantes da ré, como organização de produtores, e de C, SA, declararam a primeira entregar à última, para transformação, 67 000 000 de quilos de tomate, e só então a primeira distribuiu a quota a cada um dos seus associados.

  3. Após a colheita, o tomate é transportado em galeras ou tractores para as instalações da fábrica de C, SA, onde lhes é atribuído um número de ordem e, chamados por esse número, passam para os seus transportadores ao processo de classificação e, após o mesmo, o carregamento do tomate passa para a pesagem.

  4. No processo de classificação são avaliadas as qualidades do tomate, de acordo com os normativos comunitários aplicáveis e tendo em conta as normas para fornecimento de tomate à indústria e, uma vez classificado, o que não for excluído por falta de classificação é admitido e só então é remetido para a secção de pesagem.

  5. No dia 23 de Fevereiro de 1999, representantes da autora, associada da ré, e desta, declararam por escrito, designado acordo de fornecimento de tomate, campanha 1999/2000, que entre elas era celebrado acordo pelo qual o associado se comprometia a entregar na C, SA, com fábrica na Chamusca, a quantidade de 250 000 quilos de tomate da sua plantação, com a área de 70 000 m2, sita em Almegue, Quinta de São João, Constância.

  6. A autora e a ré recorriam habitualmente a tal procedimento na época da apanha do tomate para escoamento da produção da primeira, a fábrica onde o tomate devia ser entregue pertencia a C, SA, que passava as guias da sua recepção, sendo esta quem vendia o produto preparado resultante da transformação do entregue pela autora, para posterior utilização em indústrias do sector agro-alimentar.

  7. O preço do tomate sempre foi, porém, pago pela ré através de transferência bancária.

  8. Durante a campanha, a fábrica da C, SA trabalha 24 horas por dia, sem paragem em fins de semana ou feriados, para que pudesse fazer face às entregas de tomate por parte dos produtores, tem capacidade diária para ter em parque estacionados e em compasso de espera 1 000 000 de quilos de tomate, 1 000 000 quilos em armazém e cerca de 1 200 000 quilos em transformação.

  9. A capacidade da fábrica da C, SA para receber o tomate obriga, por vezes, a compassos de espera desde a entrada do parque da fábrica até se iniciar o processo de classificação, tendo sido a esse compasso de espera que a autora se sujeitou, como todos os outros produtores que nesse dia fizeram entregas de tomate.

  10. A apanha de tomate varia consoante a época de campanha, e esta tem em consideração as condições climatéricas e a altura em que estas a permitirem, pelo que também determinam a época da colheita.

  11. A campanha de tomate de 1999/2000 teve início no dia 26 de Julho de 1999, a autora entregou na fábrica de C, SA 81 259 quilos de tomate ao abrigo do acordo mencionado sob 2, quantidade que correspondia a uma parte da prestação ali mencionada.

  12. No dia 26 de Agosto de 1999, quinta-feira, deram entrada na fábrica de C, SA 1 770 815 quilos de tomate, no dia imediato mais 2 099 010 quilos, e nos três dias seguintes, respectivamente, 966 812 quilos, 610 897 quilos e 2 105 140 quilos.

  13. Tendo tido conhecimento que a referida fábrica encerraria mais cedo do que o habitual, a autora procurou informar-se junto da ré sobre eventual local alternativo de entrega do tomate, mas não obteve qualquer resposta, e foram afixados avisos nas balanças.

  14. A autora só voltou a entregar tomate no dia 26 de Agosto de 1999, tendo feito quatro entregas de tomate apanhado no mesmo dia, mas só no dia 28 de Agosto de 1999 é que o tomate foi descarregado, tendo permanecido entretanto, por indicação de C, SA, dentro dos veículos que o transportaram até à fábrica.

  15. O carro entrou no parque às 18.54 horas no dia 26 de Agosto de 1999, foi para a balança às 10.43 horas do dia 28 de Agosto de 1999 e, neste mesmo dia, deram entrada e foram classificados mais três carregamentos provenientes da autora, sendo que, em todos eles, o tempo médio de espera rodeou as 41 horas.

  16. Em resultado da referida espera de três dias em que a carga ficou exposta a temperaturas elevadas, próprias da altura do ano em que os factos ocorreram, 57 504 quilos de tomate ficaram impróprios para transformação na fábrica da C, SA, e, por isso, foram por ela recusados.

  17. A restante quantidade de tomate que a autora se obrigara a entregar não chegou a sair da plantação, e, nos anos anteriores, a fabrica de C, SA mantivera-se aberta até Outubro, porque a última apanha de tomate decorre habitualmente nos últimos dias de Setembro.

  18. O parecer técnico da Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste de 29 de Setembro de 1999 revelou que a produção da autora se encontrava em bom estado sanitário, sem focos de podridão, apesar de ter chovido abundantemente.

  19. "C", SA, que procedia à classificação e à pesagem do tomate, conhecia o acordo mencionado sob 2, portanto o nº 113 de identificação do agricultor, que é o mesmo que consta naquele acordo e nas guias da ré.

  20. "C", SA, com base na quantidade de tomate entregue, processava os pagamentos à ré, e esta procedia então ao pagamento aos produtores.

  21. Após 28 de Agosto de 1999, C, SA recebeu outros carregamentos da...

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