Acórdão nº 05B4071 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I "A" e B intentaram, no dia 16 de Novembro de 2000, contra o Município de Guimarães, C, D e E, F e G, H e I, J e K, L e M, N e O, P, Q e R, e S, acção declarativa de constitutiva, com processo ordinário, pedindo a declaração de substituição da Câmara Municipal de Guimarães como compradora, contra o depósito do preço, de identificado prédio rústico que os outros réus lhe venderam, invocando para o efeito o seu direito de preferência na compra e venda em razão de serem dele arrendatários rurais.

O Município de Guimarães expressou não serem exactas as afirmações dos autores e que adquiriu o prédio em causa no quadro da sua política de planeamento e na realização do interesse colectivo, e os autores, responderam que têm direito de preferência na venda e que os interesses do primeiro devem ser equacionados no confronto com os seus Aos autores foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e custas e, realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença no dia 23 de Fevereiro de 2004, que declarou o direito legal de preferência dos autores na compra e venda do prédio em causa.

Apelou o réu, e a Relação, por acórdão proferido no dia 16 de Fevereiro de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão recorrido não se pronunciou sobre as diversas questões de direito suscitadas nas conclusões de alegação, pelo que é nulo nos termos dos artigos 205º, nº 1, da Constituição, 158º, 660º, nº 2, 668º, nº 1, alínea d) e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil; - ao entender que as referidas questões escapavam à sua sindicabilidade, o acórdão recorrido não cumpriu o disposto nos artigos , e do Código Civil, 156º, nº 1, 264º e 713º, nº 2, do Código de Processo Civil, 2º e 4º, nº 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e 202º, nº 1, da Constituição, denegando a justiça; - visou a alienação em causa salvaguardar o interesse de política geral e social previsto em plano director municipal e objecto de deliberações de órgãos autárquicos competentes, tendo subjacente a afectação obrigatória do prédio a fim de cultivo durante os cinco anos subsequentes e a subordinação a outras condições; - a alienação ocorreu já em fase de negociações encetadas nos termos do artigo 11º, nº 1, do Código das Expropriações, e a vontade das partes não se formou de forma inteiramente livre porque sabiam que, não fosse o acordo, prosseguiria o processo de expropriação; - prevenindo situações previstas no processo de expropriação não contempladas na simples compra e venda, o contrato em causa é uma composição do tipo do contrato de transacção, não comportada pelo artigo 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro; - essenciais à formulação da vontade de contratar por configurarem a própria vontade coerciva de transmissão do direito sobre o prédio, os recorridos não podem satisfazer várias das cláusulas do contrato que o recorrente celebrou; - acautelados que estão os interesses dos recorridos arrendatários, não faz sentido que o artigo 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro, prevaleça sobre o que o artigo 25º, nº 1, do mesmo diploma prescreve; - a materialidade subjacente justifica a interpretação restritiva do conteúdo da lei no sentido da inexistência do direito de preferência do arrendatário rural cultivador directo invocado como causa de pedir; - o acórdão recorrido infringiu o disposto na Resolução do Conselho de Ministros nº 101/94, de 13 de Outubro, e Decreto-Lei nº 328/72, de 22 de Agosto, nos artigos , 236º, 237º, 270º, 271º, 874º, 879º, 882º, nº 1, 1248º, 1251º, 1302º, 1305º, 1306º, nº 1, 1308º, 1310º do Código Civil, 1º, 2º, 9º, 11º, 12º, nº 1, alínea b) e 30º do Código das Expropriações de 1999, e 25º e 28º do Decretos-Leis nºs 385/88, de 25 de Outubro; - o processo deverá baixar à Relação para apreciar as questões de direito oportunamente suscitadas e não decididas e deve proceder o recurso de revista.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão de alegação: - o tribunal não pode conhecer das questões novas suscitadas pelo recorrente, que representam uma perspectiva completamente diferente daquela que ele apresentou na contestação; - o contrato celebrado é de compra e venda, e a discussão se é ou não um contrato desse tipo envolve uma questão nova, porque não suscitada na contestação; - o acórdão recorrido não é nulo, porque se pronunciou sobre todas as questões de que devia conhecer: - têm direito de preferência na venda do prédio por dele serem arrendatários rurais.

Por acórdão proferido no dia 15 de Junho de 2005, a Relação pronunciou-se no sentido negativo sobre a nulidade arguida pelo recorrente, afirmando que este, ao pretender o alargamento da discussão a aspectos novos nunca trazidos ao processo, que lhe estava vedada, extravasava da função do recurso.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. A propriedade agrícola denominada Quinta do Costeado, sita no lugar de seu nome, freguesia de Creixomil, Município de Guimarães, constituída por casa de habitação e lavoura, anexos e vários campos de cultivo, foi arrendada ao bisavô do autor, T, por antecessores dos réus, no princípio do século dezanove, através de documento escrito que se extraviou, para cultivar em condições de uma exploração regular, contra o pagamento de uma retribuição anual de cereal e parceria no vinho, por períodos anuais, sucessivamente renovados, de Santos a Santos, de 31 de Outubro a 1 de Novembro do ano seguinte.

  1. Os autores são, há cerca de 60 anos, arrendatários rurais do prédio mencionado sob 1, tendo tal contrato sido transmitido de geração em geração, sucessivamente, aos ascendentes do autor.

  2. Há cerca de 60 anos, passaram a ser os autores que, contra o pagamento da renda de 10 carros de milho e metade do vinho, ficaram a cultivar a dita quinta, em condições de uma exploração regular, predominantemente com o auxílio das pessoas do seu agregado familiar, nomeadamente os seus numerosos filhos.

  3. Em 1996 e como política municipal de ordenamento da área da Reserva Agrícola Nacional conhecida como da Veiga de Creixomil - S. Miguel de Creixomil - freguesia do concelho de Guimarães, a sul poente do núcleo central da cidade de Guimarães, numa extensão plaina que se estende até às freguesias de S. Tiago de Candoso e Silvares, como tal perfeitamente demarcada e identificada no Plano Director Municipal de Guimarães, aprovado por resolução do Conselho de Ministros nº 101/94, mas permanentemente sujeita a fortes pressões urbanísticas, a Câmara Municipal de Guimarães gizou ou começou a programar uma sua intervenção na quase totalidade dessa vasta mancha de terreno, dentro de princípios da sua preservação, quer projectando aqui e ali, sobretudo nas orlas sul e poente, equipamentos que afastariam essas apetências privadas por um espaço a resguardar, tanto mais que a circular urbana fechava já e de alguma forma a zona nascente e, a curto prazo, a construção da ligação da A7 à cidade, hoje concluída, e isso mesmo iria suceder a norte e completado a noroeste pela reestruturação da nova ligação a Pevidém.

  4. Na sequência desta gizada política de planeamento, a Câmara delineou a sua interferência pela necessidade de apropriação municipal de terrenos compreendidos uma parte entre a mencionada circular urbana, a ligação da A7 à cidade e o projectado acesso da Estrada Nacional nº 206 e cerca da igreja da freguesia, por sob a A7, ao Salgueiral - e ao pavilhão que a seguir se refere - para instalação do pavilhão multiusos - respectivos equipamentos, acessos a um parque na zona baixa, aonde, inclusivamente, se poderão instalar viveiros municipais, e outra mais a poente, para implantação da cidade desportiva, sendo sua intenção que a extensão sobrante ficasse afecta aos mesmos usos ancestrais a que tem estado votada, com mero arranjo dos caminhos públicos e a recuperação do antigo caminho real, bem como e ao longo da ligação da A7, a sul desta e já aberta uma pista de cicloturismo.

  5. Nesse sentido e como a lei lho impunha, antes de se lançar em qualquer expropriação, logo a partir desse ano e no início do seguinte, a Câmara Municipal de Guimarães começou a contactar os proprietários e arrendatários dos terrenos envolvidos, na sua perspectiva de transferência para o domínio privado ou público do Município desses solos e com vista à aquisição amigável de todos esses direitos.

  6. E de contacto em contacto, de acerto em acerto, foi conseguindo dessa forma prévia negociar com a maioria, tendo na zona em que se inclui o terreno transaccionado pela escritura de 17 de Maio de 2000, adquirido amigavelmente 139.030 m2 a oito proprietários e pago as respectivas indemnizações aos seus arrendatários, e estão em aberto conversações.

  7. Para os terrenos que iam ser objecto das intervenções urbanísticas, a Câmara Municipal também solicitou a sua desafectação da Reserva Agrícola Nacional, o que lhe foi concedido pela Comissão Regional de Reserva Agrícola, na sua reunião de 3 de Setembro de 1999, e nesta situação, durante o ano transacto, iniciou a construção do Pavilhão Multiusos e da Cidade Desportiva, cujos prazos de conclusão apontavam para Setembro próximo e do que foi dado amplo conhecimento à população, estando presentemente a concurso a rectificação, alargamento e arranjo de diversos acessos imprescindíveis para o funcionamento daqueles equipamentos.

  8. O contrato mencionado sob 3, sucessivamente renovado, encontrava-se em vigor em 7 de Junho de 1999, altura em que os autores receberam uma carta, datada de 4 desse mês, pela qual os réus senhorios lhes ofereciam a preferência na venda que projectavam fazer ao réu Município de Guimarães, pelo preço de 64.946.250$00, de uma parte da propriedade arrendada, constituída por um campo situado a poente da Estrada Nacional nº 105, com a área de cerca de...

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