Acórdão nº 05B538 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | ARAÚJO BARROS |
Data da Resolução | 12 de Maio de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" e "B", SA" requereram, no Tribunal Cível de Lisboa, por apenso à acção declarativa nº 7011/03 da 10ª Vara, contra C, procedimento cautelar de apreensão do veículo automóvel com a matrícula OS, nos termos do Dec.lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro.
Alegaram, para tanto, em síntese, que: - a requerida adquiriu à segunda requerente um veículo automóvel, em prestações, tendo a primeira requerente financiado a referida aquisição; - nos termos do contrato celebrado ficou convencionado que a dívida seria paga à primeira requerente em 60 prestações mensais e sucessivas, tendo a requerida deixado de pagar as prestações, não regularizando a dívida apesar de para tanto interpelada; - sobre o automóvel objecto do contrato foi convencionada e registada reserva de propriedade a favor da segunda requerente, até que a requerida pagasse à primeira a totalidade do preço.
Juntaram (na acção principal) o registo da reserva de propriedade a favor da segunda requerente.
O requerimento inicial foi indeferido liminarmente por, no essencial, se entender, por um lado, que a titular da reserva de propriedade não tem direito de intentar a acção de que o procedimento é dependência porquanto já se encontra paga (através da financiadora da requerida) e, por outro, que a primeira requerente não é titular da reserva de propriedade do veículo.
Inconformadas agravaram as requerentes, embora sem êxito, já que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 10 de Dezembro de 2004, decidiu (por simples remissão) confirmar a decisão recorrida.
Interpuseram, então, as requerentes recurso de agravo da 2ª instância, pugnando pela revogação do acórdão recorrido, com a condenação da requerida na entrega do veículo automóvel identificado nos autos.
Não houve contra-alegações.
Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.
Nas alegações do recurso formularam as recorrentes as competentes conclusões, defendendo, em suma, a orientação do Acórdão da Relação de Lisboa, de 13/02/03 (in CJ Ano XXVII, 1, pag. 102) no qual se decidiu que "para a apreensão de veículo automóvel nos termos previstos no Dec.lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, não é essencial que haja coincidência entre a titularidade do direito à resolução e a titularidade do registo de reserva de propriedade: determinante é que, verificados os demais requisitos, haja incumprimento das obrigações que justificaram a reserva de propriedade".
Talvez porque mais expressivo, transcreve-se o sumário (da CJ) de tal acórdão: "celebrado contrato de mútuo para financiamento de aquisição de veículo com reserva de propriedade, deve ser decretada a apreensão daquele, ao abrigo do Dec.lei nº 54/75 (art. 16º, nº 1) se o mutuário deixar de pagar prestações a que se obrigou, ainda que o mutuante não seja o reservatário".
Os factos em que a decisão do recurso há-de assentar são os alegados no requerimento inicial da providência (não necessariamente provados por nos situarmos no âmbito de despacho liminar) que fundamentaram a pretensão das recorrentes: i) - a requerente B vendeu à requerida o veículo automóvel marca Ford, modelo Ranger Plus, com a matrícula OS, com reserva de propriedade, pelo preço total de 4.706.570$50, tendo a requerida efectuado um desembolso inicial de 946.570$00; ii) - a reserva de propriedade encontra-se registada a favor desta requerente na 2ª Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa; iii) - a requerente A, em 19/01/2000, mediante contrato celebrado com a requerida (junto a fls. 60 e 61) financiou a aquisição do referido veículo, tendo financiado à requerida 3.760.000$00, convencionando-se que o valor total do reembolso desse financiamento seria de 5.157.360$00, a pagar no prazo de 60 meses, em prestações mensais de 428,75 Euros cada uma; iv) - das Condições Gerais desse contrato consta que "nos termos do artigo 409º do Código Civil, a propriedade do veículo é reservada para o VENDEDOR REGISTADO, até à data em que todas as obrigações referidas no nº 9 das Condições Particulares (pagamento das prestações devidas) hajam sido pagas pelo COMPRADOR à FORD CREDIT, e o COMPRADOR obriga-se respeitar qualquer actuação do VENDEDOR REGISTADO, ainda que no interesse da FORD CREDIT, no exercício dos direitos que para aquele derivem da qualidade de titular da reserva de propriedade"; v) - a requerida deixou de proceder ao pagamento das prestações estabelecidas a partir de 20/07/2001 (18ª prestação) se bem que, posteriormente, haja liquidado as prestações 18ª a 22ª; vi) - com base no incumprimento da requerida, a requerente A notificou-a, em 06/12/2001, de que resolveu o contrato.
vii) - a requerida não entregou a nenhuma das requerentes o mencionado veículo.
Importa, no âmbito do recurso interposto, essencialmente, saber se pode ser decretada a apreensão de um veículo automóvel, requerida pela vendedora, única titular da reserva de propriedade, e pela financiadora da compradora da viatura, no caso de incumprimento do contrato de mútuo (financiamento) celebrado com esta última, e que serviu para o pagamento do preço do citado veículo.
As requerentes integraram a sua pretensão cautelar no regime jurídico do Dec.lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, diploma que (conjuntamente com o Dec.lei 55/75, da mesma data) visou remodelar o actual sistema de registo da propriedade automóvel, sem embargo de, para além das inovações de pura técnica registral, haver introduzido no sistema outras, de índole diversa e com não menor alcance, como complemento indispensável das primeiras (Cfr. respectivo preâmbulo).
É neste contexto que se dispõe no artigo 15º que "vencido e não pago o crédito hipotecário ou não cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, o titular dos respectivos registos pode requerer em juízo a apreensão do veículo e dos seus documentos" (nº 1), para o que "exporá na petição o fundamento do pedido e indicará a providência requerida, devendo a sua assinatura ser reconhecida por notário" (nº 2) e instruirá "a petição com certidão, fotocópia ou cópia, obtida por qualquer processo de reprodução mecânica, dos registos invocados e dos documentos que lhes serviram de base" (nº 3).
E se acrescenta no art. 16º, nº 1, que "provados os registos e o vencimento do crédito ou, quando se trate de reserva de propriedade, o não cumprimento do contrato por parte do adquirente, o juiz ordenará a imediata apreensão do veículo".
Estabelecendo-se, por último, no art. 18º, nº 1 (parte final) que "efectuada a apreensão do veículo, o titular do registo da reserva de propriedade dispõe de 15 dias para propor a acção de resolução do contrato de alienação".
A situação em apreço não se enquadra na diferente questão da possibilidade de o vendedor ou a empresa financiadora da aquisição do veículo, com reserva de propriedade a seu favor (mas destituídos de crédito hipotecário ou outra garantia de natureza pessoal como a fiança ou o aval) indicarem à penhora, no âmbito de um processo executivo, o veículo adquirido pelo adquirente ou devedor do crédito) e promover o registo dessa penhora, questão já com alguma frequência apreciada jurisdicionalmente, nem sempre de modo uniforme. (1) Em boa verdade, o caso sub judice apresenta-se-nos como uma relação triangular, em que ocorreu a celebração de dois contratos autónomos (se bem que económica e funcionalmente interligados): a) B vendeu à requerida C o veículo OS, reservando a respectiva propriedade até ao cumprimento por esta das suas obrigações contratuais (nomeadamente o pagamento do preço); b) por sua vez, A, através de operação de financiamento, celebrou com a mesma requerida contrato de mútuo do montante necessário ao pagamento do veículo (montante que terá sido, como usualmente, entregue pela financiadora directamente à vendedora).
Em consequência, no decorrer dessa relação contratual, porque a reserva de propriedade foi registada e se manteve a favor da vendedora, e porque, entretanto, a adquirente/mutuária deixou de cumprir as prestações do mútuo à financiadora (que resolveu o contrato) depara-se-nos uma situação em que a vendedora goza da reserva de propriedade sobre o veículo, mas não detém sobre a adquirente qualquer crédito, ao passo que a financiadora...
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