Acórdão nº 05B932 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA BARROS
Data da Resolução12 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 17/5/99, A e B, que litigam com benefício de apoio judiciário em ambas as modalidades, moveram à C - Empresa Portuguesa de Águas Livres, S.A., e aos D - Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento acção declarativa com processo comum na forma ordinária de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em consequência de inundação da casa de habitação dos AA por água proveniente de rupturas nas condutas de abastecimentos de água existentes nas proximidades dessa residência.

Pediram a condenação dos demandados a realizar as obras necessárias ao estancamento das águas provocadoras das infiltrações e humidades e de reparação na casa dos AA determinadas pelos danos aí causados, ou, em alternativa, a pagar-lhes, a título de indemnização desses danos, a importância de 4.660.000$00, com juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Pediram, mais, a condenação dos mesmos no pagamento de indemnização pelos danos causados nas mobílias e haveres pessoais dos AA, no valor total de 2.753.000$00, e, finalmente, pelo não uso da habitação desde finais de Julho de 1997 até então, no valor de 1.050.000$00, bem como no que se vier a verificar até terem condições para voltar a habitar a casa deles, a liquidar em execução de sentença.

Pediram, ainda, o estabelecimento de sanção pecuniária compulsória no montante 5.000$00, e de igual quantia para o Estado, por cada dia ou fracção de dia em que os demandados não cumprissem qualquer das reclamadas obrigações de realização de obras, ou, quanto às da casa, de indemnização em dinheiro correspondente.

Ambos os RR contestaram, deduzindo defesa por impugnação - os D não obstante terem excepcionado, antes de mais, falta de personalidade e capacidade judiciárias, por serem um serviço da Câmara Municipal do município de Vila Franca de Xira.

São do C.Civ. todos os preceitos referidos ao diante sem outra indicação.

A "C" negou, nomeadamente, em indicados termos, que lhe fosse atribuível culpa no acontecido.

Em termos de direito, defendeu a inaplicabilidade do art. 493º, nº2º, à hipótese ocorrente, subsumível, segundo sustentou, ao art. 492º, nº1º.

Invocando direito de regresso, deduziu incidente de intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros E, para a qual tinha transferido a responsabilidade accionada nestes autos.

Os AA deduziram, por sua vez, incidente de intervenção principal provocada do Município de Vila Franca de Xira.

Ambos os preditos intervenientes ofereceram contestação, fazendo sua, aquele último, a dos D, e a seguradora referida, a da C.

Os D foram, logo no saneador, absolvidos da instância, por falta de personalidade e capacidade judiciárias.

Saneado, condensado e instruído o processo, veio, após julgamento, a ser proferida, em 12/9/2003, sentença do Círculo Judicial de Vila Franca de Xira que julgou a acção improcedente por não provada e absolveu do pedido os Réus C e Município de Vila Franca de Xira, bem como, apesar de tratar-se de intervenção acessória, a seguradora chamada, e tal assim quanto ao segundo por concluir que as inundações provinham de condutas da primeira, " concessionária do abastecimento público de água aos cidadãos de Lisboa e localidades limítrofes ", conforme DL 230/91, de 21/6.

Quanto à C, rejeitando a aplicabilidade do art. 493º, nº2º, julgou aplicável o art. 492º, nº1º, mas não se terem os AA desincumbido do ónus da prova, que sobre eles, consoante art. 342º, nº1º, recaía, de que a ruptura da conduta ficou a dever-se a vício de construção ou defeito de conservação, nem sequer alegado, não bastando a ocorrência do sinistro para poder, sem mais, concluir-se pela inadequada conservação das condutas.

Os AA apelaram dessa sentença, que a Relação de Lisboa, todavia, confirmou, por acórdão de 4/11/2004. É dessa decisão que pedem, agora, revista.

Contrariando a síntese imposta pelo art. 690º, nº1º, CPC, deduzem, em fecho da alegação respectiva, 26 um tanto confusas e repetitivas conclusões.

Em ordem conveniente à sua resolução, são, se bem se entende, subsumíveis às proposições que seguem: 1ª - São actividades perigosas todas as que criam para terceiros uma probabilidade maior do que o normal de receber um dano.

  1. - O perigo afere-se tanto pela actividade em si mesma como pelos meios utilizados.

  2. - A distribuição de água canalizada a um aglomerado urbano comporta vários factores de risco, nomeadamente as pressões inconstantes a que as condutas de transporte, de fibrocimento, estão sujeitas.

  3. - Deve ser aplicado o art. 493º, nº2º, sendo à C que incumbe provar que empregou todos os meios ao seu alcance para evitar os danos causados, como decidido em ARL de 6/4/89, CJ, XIV, 2º, 119, só podendo eximir-se de responsabilidade provando que empregou todas as providências exigidas para tanto nos termos do Regulamento Geral do abastecimento de água aprovado pela Portaria n. 10367, de 14/4/43, VIII-56, e dos arts.8º, nº1º, do DL 553-A/ 74, de 30/10, 8º, nº3º, do DL 190/81, de 4/7, e 2º, nº1º, do DL 230/91, de 21/6.

  4. - Sendo o Direito adaptável e adaptado através da designada interpretação actualista, e tratando-se de actividade que tem vindo ao longo do tempo a mostrar-se cada vez mais perigosa, os tribunais, que estão apenas sujeitos à lei, não têm feito interpretações realistas da mesma.

  5. - Assim não entendido, e atendendo a que, consoante art.18º, nº2º, CRP, a lei só pode restringir os direitos constitucionais das pessoas quando estão em causa outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, o que não parece aplicar-se ao caso concreto, haveria necessidade de intervenção do Estado para garantir a protecção de bens jurídicos consagrados na Constituição.

  6. - Não comparáveis os meios técnicos, económicos e jurídicos dos envolvidos quando estão em litígio um particular e entidades como os municípios ou a C, a não inversão do ónus da prova em situações como esta significa negar ao particular os direitos constitucionais à propriedade privada, à habitação, à tutela jurisdicional do direito, e, principalmente, à igualdade de meios de defesa...

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