Acórdão nº 05P2253 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Outubro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução06 de Outubro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no STJ: 1.1.

O Tribunal Colectivo da 1.ª Vara Mista de Sintra (NUIPC 1908/03.7 GFSNT), por acórdão de 8.4.2005, decidiu condenar os arguidos RPCG e MRCC como co-autores materiais de um crime de roubo do art. 210º, nº 1, do C. Penal, na pena, cada um, de 2 anos de prisão, com a execução suspensa por 3 anos, sob a condição de, em 6 meses, cada um dos arguidos pagar à assistente metade dos montantes em que forem condenados em sede de decisão do pedido de indemnização civil.

Decidiu ainda absolver os arguidos da prática que lhes foi imputada de um crime de burla informática dos art.ºs 221º, nº 1 e 3, e 30º, nº 2, do C. Penal e julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e condenar os arguidos a pagar à assistente CM o montante de € 564,90, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescido de juros desde 14 de Fevereiro de 2005 até integral pagamento à taxa de 4% ao ano, sem prejuízo de eventual alteração legal da taxa; e a pagar à assistente CM o montante de € 2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais acrescido de juros desde a data desta decisão até integral pagamento à taxa de 4% ao ano.

1.2.1.

Inconformado, recorreu o Ministério Público concluindo na sua motivação: 1 - A utilização pelos arguidos do cartão de débito da vítima no levantamento de quantias em caixas ATM, no pagamento de combustíveis e outros produtos adquiridos - factos provados sob as alíneas L) a Q) - deriva de uma autónoma resolução criminosa, que surge já depois de se terem apoderada da carteira da vítima - alíneas I) e J) daquela matéria de facto; 2 - O acesso ao código daquele cartão não derivou de qualquer forma de coacção autónoma dirigida à vítima pelos arguidos mas sim, de acordo com a matéria de facto dada como provada, de facto não esperado pelos arguidos - o número correspondente ao código estava escrito num papel que se encontrava junto ao cartão; 3 - A autonomia existente entre as condutas decorrentes dos factos descritos nas alíneas A) a H) da matéria de facto e os factos supra referidos em 1, impõe a verificação de uma situação de concurso de infracções, nos termos do artigo 30.º n.º 1 e 77.º do C.P.; 4 - Mesmo que tal não ocorresse, não há coincidência entre os bens jurídicos que são tutelados pelo crime de roubo e os bens jurídicos tutelados pelo crime de burla informática, o que, só por si, impõe a existência de uma situação de concurso efectivo, na modalidade de concurso real de infracções; 5 - De facto, enquanto no crime de roubo os bens jurídicos assegurados pelo tipo são "por um lado, de natureza patrimonial - seja o direito de propriedade e de detenção, - e por outro a liberdade individual, a integridade física e a vida -" no crime de burla informática os bens jurídicos tutelados são, não só o "património - mais concretamente a integridade patrimonial - como ainda a fiabilidade dos dados e a sua protecção"; 6 - A decisão recorrida violou, por erro de interpretação, os artigos 30º n.º 1, 77º e 221º do C. Penal; 7 - Deve, assim, ser alterada a qualificação jurídica ali feita, qualificando-se a conduta dos arguidos como integrando a prática de uma crime de roubo e de um crime de burla informática, em concurso real de infracções, condenando-se os arguidos também pela prática deste último crime; 8 - Em consequência e de seguida deverá operar-se, nos termos do artigo 77 do C. Penal, a cúmulo jurídico das penas em que foram condenados pela prática dos crimes de roubo com as penas que lhes vierem a ser aplicadas pela prática do crime de burla informática.

1.2.2.1.

Responderam os arguidos.

MRCC, que concluiu:

  1. No entender do arguido/recorrido entre as normas do roubo previsto no art. 210º do C. Penal e de burla informática constante no art. 221º nº1 do mesmo diploma legal, intercede pelo menos uma relação de concurso aparente, não podendo desta forma o arguido ser condenado por ambos os preceitos legais.

  2. Pois, o bem jurídico aqui protegido por ambas as normas é o mesmo, contudo, enquanto o tipo legal do roubo protege apenas a "propriedade", o tipo legal da burla informática protege " o património em geral", onde se inclui também e necessariamente o conceito de propriedade.

  3. Salvo melhor opinião, o recurso interposto pela Exma. Procuradora do MP, olvida a realidade inerente à utilização do cartão multibanco, pois, este só tem utilidade em conjugação com o conhecimento de um código de acesso que viabiliza a realização de várias operações, onde se conta o levantamento de montantes em dinheiro.

  4. Neste caso em concreto, a conduta do arguido/recorrido foi una, atendendo a que, contrariamente ao referenciado na matéria de facto dada como provada, o arguido quando praticou o crime de roubo apenas tinha em mente obter para si o dinheiro contido dentro da carteira.

  5. Tanto assim é, que a carteira continha dois cartões de multibanco e o arguido apenas utilizou aquele que continha o código secreto.

  6. Na verdade, só após consumar o crime de roubo e que o arguido/recorrido constatou que além do dinheiro a carteira continha dois cartões de multibanco, estando junto a um deles um papel com o respectivo código de acesso.

  7. O arguido/recorrido só procedeu aos levantamentos de dinheiro nas caixas de multibanco, porque, houve negligência grosseira por parte da ofendida, que contrariou todas as regras de prudência.

  8. Pois, é senso comum, que o uso do cartão multibanco está sujeito a determinadas condições de utilização pelo seu titular, sendo uma delas precisamente que o seu titular deva abster-se de anotar o respectivo código por qualquer forma ou meio que seja inteligível ou de algum modo acessível a terceiros.

  9. No entender do arguido/recorrido, a sua conduta é apenas susceptível de ser integrada no crime de roubo, previsto e punido no art.210º do C. Penal, subsumindo-se a conduta de digitação do cartão Multibanco no conceito de apropriação.

  10. Pelo que, ao não considerar existir no caso uma relação de concurso aparente de crime, está-se a punir duas vezes o arguido/recorrido pela mesma conduta, sob pena de violação flagrante e intolerável do princípio, com tutela constitucional (art.29º da Lei fundamental), de que ninguém pode ser julgado ou sentenciado duas vezes pela prática do mesmo facto.

1.2.2.2.

RPCG, que concluiu: 1.º O douto Acórdão não violou por erro de interpretação, os artigos 30.º n.º 1, 77.º e 221.º do C.P.

  1. Não concebe o arguido e recorrido que deva ser condenado em dois tipos de ilícitos diferentes.

  2. No entender do recorrido entre as normas de roubo do artigo 210.º n.º 1 do C.P. e de burla informática do artigo 221.º n.º 1 e n.º 3 do C.P., há uma relação de concurso aparente, não podendo...

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