Acórdão nº 05S2447 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2006 (caso NULL)
Magistrado Responsável | MARIA LAURA LEONARDO |
Data da Resolução | 02 de Fevereiro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. "AA", residente na Avenida Senhor Jesus dos Navegantes, ..., em Paço de Arcos, instaurou acção declarativa, com processo ordinário, contra Empresa-A, com sede em Lisboa, na Rua Augusta, ..., em que pede a condenação desta sociedade a pagar-lhe o montante da remuneração complementar correspondente a 25% da reforma base, em todas as prestações de reforma, acrescido dos juros de mora legais, bem como a quantia de € 18.592,19, que deixou de liquidar-lhe desde a data da sua passagem à reforma (em Outubro de 1998) até Outubro de 2003, acrescida igualmente de juros de mora, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
Alega, em síntese, que ao serviço da ré auferia ultimamente Esc. 285.950$00 (€ 1.426,31) a título de retribuição base, Esc. 29.950$00 (€ 149,39) a título de diuturnidades e Esc. 71.487$00 (€ 356,58) a título de remuneração complementar. Todavia a sua pensão de reforma foi fixada tendo apenas em atenção a retribuição base e as diuturnidades. Acontece que a ré sempre incluiu na pensão de reforma fixada aos seus trabalhadores as quantias que estes recebiam a título de remuneração complementar, constituindo esta desigualdade de tratamento uma violação do princípio da igualdade.
Na contestação, a ré sustenta que, no cálculo das pensões de reforma, não entra a referida remuneração complementar e que a pensão de reforma paga ao autor se mostra correctamente calculada.
Concluiu pela improcedência da acção.
Proferido despacho saneador, procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida.
Para fins instrutórios, o autor requereu que a ré fosse notificada para vir informar qual a categoria profissional dos trabalhadores que indica e se, no valor da respectiva reforma, foi incluído o subsídio de isenção de horário de trabalho ou a remuneração complementar.
Indeferido tal requerimento, o autor veio agravar desse despacho, recurso que foi recebido com subida diferida.
Instruída e discutida a causa foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré dos pedidos.
O autor apelou da sentença.
O Tribunal da Relação conheceu de ambos os recursos. Negou provimento ao agravo e julgou improcedente a apelação.
Inconformado o autor interpôs recurso das duas decisões.
Na sua alegação, formulou inúmeras (concretamente, 202) e extensas conclusões (ocuparam 41 páginas - de fls 558 a 599) que de forma mais condensada se apresentam: 1ª) - A Relação errou quando confirmou o despacho do tribunal da 1ª instância que indeferiu o requerimento do autor no sentido de ser notificada a ré/instituição bancária para informar em que categoria profissional se reformaram 28 trabalhadores seus, qual o valor das respectivas pensões de reforma e se a mesma englobou a isenção de horário de trabalho ou a remuneração complementar que auferiam no momento da reforma; 2ª) - Contrariamente ao entendido pelo tribunal recorrido, aquelas informações tinham interesse para efeitos de saber quais os usos laborais e se houve violação do princípio da igualdade, matéria alegada nos nºs 19 a 23 e 27 a 34 da petição inicial; 3ª) - Pelas mesmas razões, a Relação também errou quando, no despacho a fls 459, indeferiu o requerimento do autor, apresentado em 16.12.04, a juntar vários documentos; 4ª) - Contrariamente ao que o tribunal recorrido entende as cláusulas do ACTV que contêm o regime da reforma dos trabalhadores bancários viola o direito à segurança social a que alude o artº 63°-1 da CRP; 5ª) - Viola também o princípio da igualdade o facto de, nos regimes públicos de segurança social, se considerar, na determinação da base de incidência dos descontos para a formação das pensões de reforma por invalidez ou velhice e do cálculo das referidas pensões, todas as parcelas retributivas que o trabalhador auferia no activo, enquanto que, no cálculo das pensões de reforma e de aposentação da generalidade dos trabalhadores bancários, se toma em conta única e exclusivamente a remuneração correspondente ao nível do trabalhador (na data da reforma ou da saída do sector) e às diuturnidades adquiridas pelo mesmo, não relevando os complementos de remuneração, os subsídios de função, as isenções de horário de trabalho, o trabalho suplementar e todas as restantes parcelas retributivas auferidas durante a vida activa; 6ª) - Este facto também viola o princípio da confiança já que permite que as entidades empregadoras possam manipular a carreira salarial dos trabalhadores durante a sua vida activa, atribuindo-lhes, a título de isenção de horário de trabalho e demais complementos salariais, montantes substancialmente elevados face à retribuição base, de forma a fixar-lhes, desde logo, um montante de pensão substancialmente baixo; 7ª) - Chega-se ao absurdo de, entre as diversas instituições bancárias (veja-se, a título de exemplo, os ex - trabalhadores do Banco Totta, do mesmo grupo do Crédito Predial Português e do Banco Santander Totta, S.A.) e até no âmbito da mesma instituição, para carreiras remuneratórias similares, existirem diferentes regimes de protecção social; 8ª) - Assim, a não integração da generalidade dos trabalhadores bancários no sistema público de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem potencia também desigualdades dentro do próprio sector; 9ª) - Com a consagração constitucional do direito à segurança social visou-se proteger todos os cidadãos na velhice e na invalidez em situações de falta de capacidade para o trabalho, através da atribuição de pensões (de velhice e invalidez), independentemente do sector de actividade em que o trabalho for prestado, calculadas tendo em conta todo o tempo de trabalho prestado; 10ª) - Ao estabelecer-se, no nº 1 do artº 63º, a obrigatoriedade de atribuição do direito a todos os particulares, indicia-se um reforço da natureza universal do direito relativamente ao disposto no artº 12º da CRP; 11ª) - Por outro lado, a referência à existência do direito independentemente do sector de actividade em que o trabalho tenha sido prestado, significa que não há distinção entre classes profissionais na atribuição do direito; nem releva, para efeitos de atribuição de reforma a actividade profissional do trabalhador (artº 13º da CRP); 12ª) - Por seu turno, a referência a que todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de reforma e invalidez significa não só que o montante da reforma será atribuído em função do tempo total de trabalho, mas também da remuneração mensal auferida, considerando como tal tudo aquilo a que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, nomeadamente, a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie (artº 249º do CT e artº 82º da LCT); 13ª) - A norma transitória - artº 123º - contida na Lei de Bases da Segurança Social (com correspondência no artº 109º da Lei 17/2000 de 8 de Agosto e, antes, no artº 69º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto), dispõe que "Os regimes especiais vigentes à data da entrada em vigor da presente lei continuam a aplicar-se, incluindo as disposições sobre o seu funcionamento, aos grupos de trabalhadores pelos mesmos abrangidos, com respeito pelos direitos adquiridos e em formação"; 14ª) - Pode afirmar-se que, com tais normas transitórias, se tenta retirar eficácia ao comando constitucional através de acto normativo de categoria hierárquica inferior; 15ª) - As referidas normas transitórias, que mantém em vigor regimes especiais de segurança social, não enfermarão de inconstitucionalidade se interpretadas neste sentido: o direito à segurança social pode ser concretizado por regimes especiais em relação ao regime geral, desde que o direito seja concretizado por aqueles na mesma medida que o seria por este; 16ª) - Contrariamente já serão inconstitucionais se forem interpretadas no sentido de promoverem a sobrevigência de regimes especiais concretizadores do direito à segurança social em termos menos favoráveis que os do regime geral; 17ª) - As normas referentes à segurança social constantes do ACT são normas de carácter híbrido, público-privado, por, concomitantemente, serem normas de regulação de relações laborais - cuja vigência se funda, apenas, em omissão de desenvolvimento de preceito constitucional por parte do legislador - e normas de concretização de um direito subjectivo público radicado na Constituição; 18ª) - O conteúdo deste direito público (direito à segurança social) é concretizável não só através da Lei de Bases da S. Social, como também da Constituição; 19ª) - Nesta relação jurídico-pública, o trabalhador encontra-se no lado activo, enquanto titular do direito subjectivo público; do lado passivo, encontramos o Estado, como titular da obrigação, cujo objecto é a prestação concretizadora do direito; 20ª) - Como consequência, o direito à segurança social, constitucional e legalmente previsto, é um direito que está fora do comércio jurídico, não podendo ser alvo de regulação privada; 21ª) - Logo, por força dos princípios constitucionais a efectivação do direito à segurança social não pode ser objecto de contratação colectiva; 22ª) - Além disso, essa prestação quer-se como substitutiva dos rendimentos do trabalho, caracterizando-se por ser um direito indisponível, visto reportar-se ao conceito de remuneração tal como está prevista na legislação laboral; 23ª) - Esta conclusão sai reforçada se atendermos ao regime actualmente consagrado na Lei de Bases da Segurança Social, nos termos da qual podem coexistir vários regimes de segurança social - não no que respeita às prestações essenciais (em causa na presente acção), mas no que respeita a prestações complementares (artº 16º da Lei nº 32/2002); 24ª) - Tais regimes são complementares do regime obrigatório, são um "mais" e não um "em vez de", pelo que não excluem os trabalhadores do direito à segurança social; 25ª) - Acontece que o regime traçado pelo ACT possui força de lei -...
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