Acórdão nº 05S3641 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução22 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 25 de Julho de 2002, no Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada, AA intentou a presente acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho contra BB - Empreiteiro de Construção Civil, Empresa-A, e Empresa-B, pedindo a condenação dos réus, conforme a sua responsabilidade, no pagamento das pensões e indemnizações a que se julga com direito, com fundamento no acidente de trabalho, ocorrido em 28 de Julho de 2001, quando prestava a sua actividade profissional de pedreiro, sob a autoridade, direcção e fiscalização do primeiro réu, de que resultou uma IPP de 75%, com incapacidade absoluta para o trabalho habitual.

O réu BB contestou, por excepção, invocando a sua ilegitimidade, já que o autor não trabalhava sob a sua direcção e fiscalização, mas sim de CC, cuja intervenção principal requereu, e, ainda, por impugnação, em que reafirmou não ser a entidade patronal do autor.

A ré seguradora, por sua vez, alegou não ter qualquer responsabilidade pela assistência ao autor, porquanto a apólice contratada não cobria o sinistrado, uma vez que este não é nem nunca foi empregado do tomador do seguro CC, pelo que, só a entidade patronal do sinistrado, no caso, o réu BB, pode ser responsabilizado pelas indemnizações devidas ao seu trabalhador.

O Empresa-B invocou a sua ilegitimidade por falta da verificação dos pressupostos legais para assumir o pagamento a título subsidiário do pedido formulado e por impugnação alega o desconhecimento completo dos factos.

Entretanto, foi admitido o incidente de intervenção principal provocada de CC, que contestou, alegando, por um lado, que ignorava as circunstâncias do acidente, os elementos do contrato de trabalho celebrado entre o empreiteiro e o sinistrado, bem como as consequências do sinistro, e, por outro, que «fez o contrato de seguro referido, porque foi informado pela Câmara Municipal da Lagoa que o tinha de fazer se quisesse obter a licença de construção», «contactou a companhia seguradora e esta proporcionou-lhe a documentação necessária para que a exigência da Câmara Municipal fosse satisfeita».

No despacho saneador, o Empresa-B foi julgado parte ilegítima e absolvido da instância, sendo o réu BB julgado parte legítima na acção.

Em sede de fixação da incapacidade, considerou-se que o sinistrado estava afectado de uma IPP de 75%, com incapacidade para o trabalho habitual.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, em relação ao réu BB e ao chamado CC, julgou a acção improcedente, julgando-a procedente quanto à ré Empresa-A, condenando-a a pagar ao autor as seguintes quantias: (i) a pensão anual e vitalícia de € 6.808,59 em 14 prestações mensais de € 486,33 cada, sendo duas delas pagas em Maio e Novembro, vencida desde 28 de Maio de 2002; (ii) o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente de € 3.158,10, vencido desde 28 de Maio de 2002; (iii) a prestação suplementar de assistência de terceira pessoa, no montante mensal da remuneração mínima garantida para o serviço doméstico na Região Autónoma dos Açores, a actualizar em função da sua fixação anual, vencida desde 28 de Maio de 2002, e que se liquidou, até 31 de Dezembro de 2003, em € 11.152,02; (iv) subsídio para readaptação da habitação do sinistrado, se e quando este realizar obras, até ao montante máximo de € 4.210,80; (v) juros de mora à taxa legal sobre as prestações vencidas desde 28 de Maio de 2002 e até integral pagamento.

A mesma sentença condenou, ainda, a ré seguradora e o réu BB, como litigantes de má fé, nas multas, respectivamente, de 95 UC e 10 UC.

  1. Inconformada, a ré seguradora interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões: 1) A seguradora sabia que o dono da obra é médico e não tinha trabalhadores ao seu serviço e, por isso - exactamente por isso -, não emitiu uma apólice de seguro por ano e seguintes e por folha de férias ou com menção de nomes, deixando em aberto nesta concreta apólice a possibilidade de o dono da obra contratar um mestre de obras e outros trabalhadores que, estes sim, seriam garantidos pela referida apólice; 2) Foi o fim concreto de obter a licença de construção que motivou o tomador e a seguradora a celebrarem o contrato de seguro e, por isso mesmo, a apólice se manteve em vigor - nunca tendo sido anulada, nem mesmo aquando da anulação da participação de sinistro; 3) Nada, mesmo nada, impedia o interveniente Dr. DD, médico, sem trabalhadores de construção civil a seu cargo, de adjudicar directamente a mestres da especialidade, individualmente, a realização da obra, pagando-lhes e agindo como dono da obra; 4) São as entidades empregadoras as obrigadas à transferência da sua responsabilidade civil objectiva para as seguradoras; 5) As apólices de seguro de responsabilidade civil infortunístico-laboral, na modalidade de seguro por área e sem menção de nomes, como a do caso sub specie, são contratadas especificamente com donos de obra que realizem a mesma sob administração directa; 6) A apólice manteve-se sempre em vigor, nunca tendo sido anulada, nem mesmo aquando da anulação da participação de sinistro; 7) Se a dado passo o dono da obra decide celebrar um contrato de empreitada, passa a ser o empreiteiro quem tem que celebrar o seguro de acidente de trabalho relativamente aos seus trabalhadores pois é sobre este que incumbe a obrigação de garantir a responsabilidade civil objectiva infortunística dos seus trabalhadores, podendo inclusivamente o dono da obra vir a perder o eventual interesse na apólice de seguro e determinando a sua anulabilidade nos termos do disposto no § 1.º do artigo 428.º do Código Comercial; 8) Não se pode, por isso, no caso sub specie, entender-se o contrato de seguro celebrado com a ré seguradora como um contrato a favor de terceiro de duplo grau, pois a conjugação da obrigação de segurar (vide artigo 37.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 100/97) com a responsabilidade civil objectiva da entidade empregadora determina que seja o empreiteiro não só o responsável pela segurança dos seus trabalhadores como entidade empregadora, como o responsável único (e necessário) pela celebração do devido seguro de acidentes de trabalho, assumindo também pessoalmente as consequências da falta de tal seguro; 9) A inexistência de seguro por parte do obrigado não implica que se lance mão de uma outra qualquer apólice de seguro existente, ainda que para o mesmo local de obra - isso representaria a atribuição de responsabilidade civil objectiva por acidentes laborais a quem manifestamente a não tem; 10) A apólice de seguro foi mantida em vigor pelo prazo previsto, mas apenas para os eventuais riscos de contratação directa de trabalhadores pelo dono da obra; 11) Se o interveniente Dr. DD, médico, em vez de um contrato de empreitada tivesse celebrado um contrato com todos os mestres, pagando-lhes a realização da obra, o contrato seria de realização de obra por administração directa e, neste caso, sem qualquer margem para dúvidas, o acidente de trabalho estaria coberto pelo seguro em causa, e seria qualquer sinistrado ressarcido via a apólice de seguro celebrada com a ré segura; 12) Mas não foi assim que as coisas ocorreram e o que se verifica é, no caso vertente, a pura e simples falta de seguro que garantisse a responsabilidade civil do empreiteiro pelos acidentes de trabalho dos seus assalariados; logo, a falta de seguro que permitisse cobrir o acidente que vitimou o sinistrado e ora autor nestes autos; 13) O que se verificou no presente caso foi que a entidade responsável pela indemnização por acidentes de trabalho, o empreiteiro e entidade patronal do sinistrado, não tendo transferido a sua responsabilidade de forma válida para uma qualquer seguradora, não tem seguro que cubra a obrigação de indemnização a que está sujeita; 14) É a entidade patronal do sinistrado quem deverá, pessoalmente, garantir e cumprir a obrigação de indemnização relativa aos danos e sequelas derivadas do sinistro - no caso, o réu BB; 15) Não há assim qualquer lacuna legal neste instituto que legitime a interpretação do contrato de seguro por recurso aos termos gerais do direito que configura o contrato a favor de terceiro nos artigos 443.º e seguintes do Código Civil, até porque o regime aplicável a este caso concreto, em última análise, seria o do contrato de seguro em nome de outrem, previsto pelo Código Comercial no seu artigo 428.º; 16) O artigo 5.º, n.º 3, da Apólice Uniforme de Contrato de Seguro de Acidentes de Trabalho (com força legal autónoma de legislação especial, conferida pelo Regulamento n.º 27/99-R do ISP, de 8 de Novembro de 99, publicada em 30.11.99, no Diário da República, II série, pág. 18062), exclui expressamente da garantia do contrato de seguro todos aqueles que não tenham com o tomador do seguro um contrato de trabalho; 17) Ora, no caso sub judice, o único contrato que o tomador do seguro celebrou foi um contrato de empreitada com o co-réu Custódio, inexistindo qualquer contrato de trabalho ou sequer de prestação de serviços ou similar celebrado entre o Dr. DD e o autor sinistrado pelo que jamais a ré seguradora poderia ser considerada responsável pelo sinistro ocorrido com o autor, uma vez não ser este empregado do tomador do seguro (vide pontos 2 e 3 da matéria de facto provada); 18) No que concerne à condenação da ré seguradora como litigante de má fé, importa aqui fazer a cronologia dos factos pois é, em ultima análise, esta cronologia que determina a posição da seguradora ré e determinou a sua defesa: o primeiro momento importante é o da subscrição do contrato de seguro (este momento ocorreu em 28 de Fevereiro de 2001 tendo o contrato tido início em 5 de Março de 2001); um segundo momento de relevo é o que vem provado nos autos sob o ponto 3 dos factos...

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