Acórdão nº 05S3821 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Maio de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução03 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. "AA" propôs, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra "Empresa-A.", acção, pedindo: - A declaração da ilicitude do seu despedimento; - A condenação da Ré a reintegrá-lo, sem prejuízo da categoria, antiguidade, posto de trabalho e retribuição, e a pagar-lhe: - Todas as retribuições vencidas desde o despedimento até à notificação da decisão judicial; - A importância de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia em que, por qualquer forma, a contar da citação, a Ré se abstenha de atribuir tarefas ao Autor.

Alegou, em síntese, que: - Foi admitido ao serviço da CP, em 17 de Janeiro de 1983, com a categoria de Engenheiro Técnico, e integrado na Empresa-A, em Janeiro de 1998, tendo, como último posto de trabalho, a Empresa-B (Zona Operacional de Conservação) Sul, sita em Beja, e o vencimento base de € 2.500,00; - Desde 1 de Outubro de 2000, passou a desempenhar as funções de responsável pela Via e Geotecnia da Empresa-B, directamente dependente do responsável da Empresa-B, Eng. BB, o qual por sua vez reportava ao Director Coordenador de Conservação Eng. CC, este directamente dependente do Conselho de Administração da Ré; - Estava incumbido da efectivação de trabalhos de Programação e Planeamento das Obras de Via e Geotecnia, na já referida Empresa-B, sendo que todos os trabalhos eram submetidos a apreciação e autorização prévias; - Na sequência de processo disciplinar, foi despedido no dia 31 de Julho de 2002; - Só no dia 20 de Março de 2002 tomou conhecimento da instauração do processo disciplinar, verificando-se a caducidade do exercício do procedimento disciplinar; - Não foram, no referido processo, realizadas as diligências probatórias requeridas, nem foi informado do motivo por que não se realizaram, o que consubstancia falta de audição do arguido e constitui nulidade insuprível, do que decorre a nulidade do despedimento; - Não violou qualquer dever profissional, designadamente o de lealdade, e não foi alegada factualidade para sustentar a impossibilidade de subsistência da relação laboral; - Durante a instrução do processo disciplinar, até meados de Abril de 2002, continuou a beneficiar de especial relação de confiança, traduzida na atribuição de funções de responsabilidade, e foi objecto de avaliação profissional, com resultado acima da média e promovido, com conhecimento a 19 de Março de 2002.

A Ré contestou, suscitando a incompetência territorial do Tribunal do Trabalho de Lisboa, e concluindo pela improcedência da acção.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção da incompetência relativa.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

  1. O Autor apelou da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, no parcial provimento do recurso, decidido condenar a Ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da categoria, antiguidade e retribuição, e a pagar-lhe as retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito do acórdão, bem como no pagamento da quantia de € 100,00, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração, a contar da data do mesmo trânsito.

    Dessa decisão vem interposto o presente recurso de revista, cuja alegação termina com as conclusões assim redigidas: A) Como fundamento da declaração de ilicitude de despedimento considerou a Veneranda Relação de Lisboa, face às razões que apontou, não se verificarem ".... dois dos requisitos ou pressupostos da justa causa de despedimento ..." (vide fls. 21, do acórdão em Revista) os quais, cremos, serem expendidos, pela negativa, a fls. 20 do acórdão em recurso, isto é, a assunção de tais comportamentos pelo trabalhador "... não se apresenta com uma gravidade tal que, por si só, tenha a virtualidade de justificar a adopção da sanção disciplinar mais grave aos dispor da Ré/Apelada para censurar esses comportamentos." e "... não se apresenta de molde a quebrar a confiança que a Ré/Apelada, até então, tinha colocado no Apelante e no exercício das funções de que o incumbira, e a tornar inexigível para aquela a manutenção do vínculo laboral entre ambos existente.".

    B) As razões apontadas no acórdão em Revista para revogar a sentença recorrida, com fundamento na violação do artigo 9.º, n.º 1 e do artigo 12º, n.º 5, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante, abreviadamente, denominado LCCT), em virtude de não se verificar justa causa para despedimento são, essencialmente, as razões alegadas pelo trabalhador Apelante - e contrariadas nas alegações da Apelada.

    C) O elenco de factos e circunstâncias subjacentes às razões apontadas (a fls. 20 e 21, do acórdão) para erodir a gravidade dos comportamentos descritos (a fls. 18 e 19, do acórdão) e a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho consta do elenco arrolado sob o número 6 das alegações expostas acima D) O objecto da presente Revista cinge-se a saber se as considerações de Direito sobre o referido elenco de razões são, ou não, capazes para desqualificar os comportamentos do trabalhador como justa causa para o seu despedimento. Vejamos, detalhadamente, da sua consistência para o efeito.

    E) A primeira razão, aludida na alínea I) do número 6 supra, consiste no acórdão em recurso entender que os comportamentos do trabalhador estão circunscritos a um curto espaço de tempo (i.e., de 20.10.2001 a 03.11.2001), designadamente, quando comparado com todo o seu percurso profissional, quer ao serviço da CP, E.P. (i.e., desde 17.01.1983), quer ao serviço da sucessora Empresa-A, ora Recorrente (i.e., desde 01.01.1998).

    F) Ressalve-se, porém, que já se havia alegado ser irrelevante para o objecto do recurso de Apelação quaisquer questões relativas aos factos respeitantes a esse uso, pois, não tendo sido por provado que esse uso houvesse sido ordenado e autorizado pelo trabalhador, decidiu a sentença recorrida que o facto de "... não dar conhecimento do uso de equipamento pela Empresa-C. não constitui justa causa de despedimento.".

    G) Ficaram provados os comportamentos fundamento de justa causa de despedimento sucintamente descritos nas alegações sob números 12, 13 e 14 acima.

    H) Sobre a gravidade dessas reiteradas condutas, dispõe a sentença do Tribunal de primeira instância que "... são, cada uma por si, fundamento para despedimento com justa causa e, a ter havido apenas negligência do A., só como negligência grosseira pode ser considerada." (vide fls. 12 da sentença) pois, conforme antes considerou, "... ainda que se conceda actuação seja somente negligente, nem por isso ela deixa de ser grave, pois qualquer técnico de que a R. se socorre para confirmar trabalhos cujo pagamento está a ser reclamado por terceiros, não poderá nunca dar por realizados trabalhos sem a prévia e total certificação da sua realização." (vide fls. 11, da sentença), pelo que é inabalável no uso do critério do bonus pater familiae serem, objectivamente, consideradas condutas culposas (e, no mínimo, por negligência grosseira) sendo, cada uma de per si, manifestamente, graves.

    I) Maior é a gravidade quanto aos (inexistentes) trabalhos de remoção de terras cuja (falsa) realização e conclusão foi certificada pelo ora Recorrido, conforme descrito no número 12 acima, porque é manifesto que essa conduta do trabalhador não pode ter sido meramente negligente, mas sim dolosa, pois, ficou provado que o ora Recorrido tinha conhecimento que esses trabalhos de remoção de terras haviam sido realizados nos anos de 1998 e 1999 com o seu próprio assentimento.

    J) Foi a especial relação de confiança que a ora Recorrente investiu ao longo do tempo no ora Recorrido (e que o permitia exercer com autonomia a função de acompanhamento e certificação da conclusão de trabalhos cujo pagamento era reclamado por terceiros à Recorrente), que sofreu ruptura irreversível, mercê da gravidade dos comportamentos sucintamente descritos nos números 12, 13 e 14 acima, porquanto, pela sua antiguidade, retribuição, funções e posição hierárquica, impendia sobre o ele um especial dever de lealdade, zelo e diligência no desempenho da sua prestação de trabalho (que, note-se, violou tanto por acção como, também, por omissão pois, posteriormente, perpetuou o seu incumprimento nunca elaborando os autos de mediação concordantes com a realidade, em reposição da verdade e do cumprimento dos seus deveres).

    K) A invocada antiguidade do ora Recorrido impende a seu desfavor, pois, era precisamente em razão desse predicado que sobre ele impendia uma especial obrigação de observância dos deveres de lealdade, zelo e diligência que, ao invés, foram reiteradamente violados em resultado de uma suposta "negligência grosseira" cuja justificação é incompreensível, uma vez mais, face à sua antiguidade e posição na empresa, levando a inevitável e irreversível suspeição sobre a razão desses seus comportamentos e sobre a idoneidade da sua conduta futura.

    L) A não ser assim, face à maior antiguidade de um trabalhador perante a prática de um facto grave, ou por ser a primeira vez, resultaria sempre a benesse de não constituir justa causa de despedimento o que, obviamente, não é admissível em geral e, muito menos, no caso dos autos, pelo que não pode proceder a aludida razão.

    M) No concreto caso dos autos, contesta-se que a falta de efectivos prejuízos materiais seja relevante para aferir da inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, pois, atendendo ao carácter das relações entre as partes, o que está é causa é a irremediável lesão da confiança existente, em virtude dos comportamentos graves e culposos assumidos pelo ora Recorrido, conforme descritos nos números 12, 13 e 14 supra.

    N) Para essas condutas concretizarem fundamento de justa causa de despedimento não carecem de materializar-se em efectivo dano pecuniário, bastando a virtual qualidade de constituírem "... situação susceptível de criar prejuízo..." material à Recorrida. Caso contrário...

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