Acórdão nº 06A2009 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelFERNANDES MAGALHÃES
Data da Resolução11 de Julho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: Empresa-A, intentou acção ordinária de impugnação pauliana contra AA, BB, e CC (entretanto falecida, tendo sido habilitada a R. AA em substituição dela), tendo o processo seguido seus termos com contestação dos R.R., vindo após audiência de julgamento a ser proferida sentença a julgar a acção improcedente.

Inconformada com tal decisão dela interpôs o Autor recurso de apelação, sem êxito, pelo que recorre agora de revista.

Formula nas suas alegações as seguintes conclusões: «I. Como bem se anota no acórdão recorrido, o crédito da recorrente é anterior ao acto de alienação e "o bem alienado constituía a única garantia do crédito da ora recorrente, pelo que resulta da transmissão da sua propriedade "a impossibilidade de a A. obter a satisfação do seu crédito" II. Entende a recorrente que houve má fé dos devedores e da terceira adquirente no acto, porém, tal requisito só é exigido para os actos onerosos, como estabelece a 2ª parte do n.° 1, do artigo 612.° III. Os actos de liberalidade são tão desprezíveis para o tráfico económico que, independentemente da censurabilidade do respectivo comportamento, devem ser sacrificados perante a necessidade de assegurar o cumprimento das obrigações livremente assumidas ou impostas por lei.

  1. O negócio dos autos, apesar do seu nomen iuris de "compra e venda", tratou-se de um negócio gratuito porque celebrado com animus donandi ou beneficiandi, não existindo qualquer nexo de correspectividade jurídica entre o preço declarado (e o custeio das obras) e a transferência da propriedade do imóvel para os RR.

  2. A declaração pelo recorrido no seu depoimento (voltas 1363 até final do lado A e 0001, a 0379 do lado B da 1.ª cassete da audiência de 29/01/2004) de que "os mil contos não foi uma venda, foi uma doação", ainda que esclarecida com o facto de ter sido uma doação para a sua filha, corresponde a declaração confessória de que o negócio dos autos foi celebrado com animus donandi por banda de DD.

  3. O referido esclarecimento em nada infirma a existência de tal declaração confessório porquanto ao "vender" à filha, dizendo-lhe que desse o dinheiro à neta (com a qual o casal recorrido vinha gastando vultuosas quantias para debelar um problema de saúde), o falecido DD quis claramente beneficiar aquela. Aliás consta também confessado, que os mil contos nunca foram sequer entregues à neta, o que só vem confirmar a real vontade das partes desde o início.

  4. Sendo a recorrida filha única de DD, como consta outrossim comprovado nos autos, "vender para a compensar" não é argumento que, sob qualquer perspectiva, possa colher para justificar a declarada "venda". A única justificação da venda foi dificultar a posição da recorrente.

  5. Ocorreu erro na fixação dos factos materiais da causa com violação do disposto nos artigos 352° e 358° do Código Civil, pelo que nos termos do disposto no artigo 722º, n° 2 do Código de Processo Civil, deverá: a. Alterar-se o ponto 8 da matéria de facto para: "Por escritura pública celebrada em 19/12/91 no 16° Cartório Notarial de Lisboa, DD declarou vender o imóvel referido no ponto antecedente aos RK pelo preço de 1.000.000$00." b. Aditar-se o ponto 20 com a seguinte redacção: "Os mil contos declarados na escritura nunca foram entregues pelos RR. a DD, tendo sido intenção deste transferir gratuitamente a propriedade do imóvel para aqueles." IX. Estamos, assim, perante uma simulação, uma vez que se verificam os requisitos constantes do artigo 240.°, n.° 1, do Código Civil. Como tal, o negócio simulado é nulo, mantendo-se válido o negócio dissimulado se este tiver a forma legal bastante, assim procedendo a acção sem necessidade de verificar o requisito da má-fé.

    Sem prescindir ...

  6. Ao contrário do que aduzem os Venerandos Desembargadores, estão provados factos - para além existência do crédito da recorrente e de do acto resultar a impossibilidade de satisfação do seu crédito, - dos quais resulta a consciência do prejuízo causado à recorrente (consciência essa que, tratando-se de um processo interno, dificilmente pode ser afastada por testemunhas).

  7. Está provado o grau de parentesco entre o devedor e os terceiros adquirentes (pai e filha), que o bem foi vendido a um preço manifestamente inferior ao seu valor - por escritura pública outorgada em 19/12/91 DD procedeu à referida venda pelo preço de 1.000.000$00, quando nessa época o prédio valia mais de 20.000.000$00!!! - e que os outorgantes sabiam da existência do pedido de indemnização por parte da A. (ilação, aliás, tirada pelos Venerandos Desembargadores).

  8. Tem de subscrever-se na íntegra o voto de vencido do Venerando Desembargador Paulo Rijo - sob pena sob pena de retirarmos qualquer utilidade prática ao instituto da impugnação pauliana - que afirmou "que da matéria de facto apurada resulta evidenciada a existência de má~fé", porquanto não é crível que alguém numa situação semelhante...

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