Acórdão nº 06B1110 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Abril de 2006

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução20 de Abril de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I "AA" e BB intentaram, no dia 16 de Outubro de 2000, contra o Empresa-A, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a declaração do seu direito de propriedade sobre identificado prédio, da caducidade do contrato de arrendamento com ela celebrado relativamente àquele prédio e a condenação da ré a restituir-lho e a pagar-lhe 4 950 000$ e a indemnização de 550 000$ mensais pela ocupação até à efectiva restituição.

Fundamentaram a sua pretensão na co-titularidade do direito de propriedade sobre o prédio, no contrato de arrendamento de parte dele pela renda mensal actual de 160 612$, celebrado com a ré por usufrutuário, no falecimento deste, na caducidade daquele contrato, na recusa dela da sua entrega desde 4 de Novembro de 1999 e na possibilidade de rendimento mensal de 550 000$.

Invocou a ré, além da ineptidão da petição inicial por virtude de os autores não haverem provado serem os proprietários do prédio, que a ser assim devia ter sido utilizada a acção de despejo, serem incompatíveis a causa de pedir e os pedidos, não constar do contrato a qualidade de usufrutuário do senhorio e não terem os autores sofrido qualquer prejuízo por sempre lhes terem pago as rendas.

Em reconvenção, para o caso de procedência da acção, com fundamento na omissão de informação pelo senhorio, pediu, a título principal, a condenação dos autores a restituir-lhe o valor das rendas pagas, a liquidar em execução de sentença, e a pagar-lhe o valor das obras realizadas no locado, no montante de 15 520 000$, e, a título subsidiário, a compensação a que se reporta o artigo 113º do Regime do Arrendamento Urbano. Os autores replicaram no sentido da improcedência das excepções, de se não confundir o prazo de desocupação do imóvel com o pedido de reivindicação, da irrelevância do não conhecimento da qualidade de usufrutuário do senhorio, serem partes ilegítimas na reconvenção por não terem responsabilidade pelo pagamento das obras mas sim a herança deixada pelo senhorio, dever a ré ser condenada por litigância de má fé por haver negado o recebimento da carta por via da qual lhe foi comunicada a caducidade do contrato por morte do senhorio.

Na fase da condensação, foram julgadas improcedentes as excepções invocadas pela ré e pelos autores, declarado serem estes últimos comproprietários do prédio, e o processo prosseguiu quanto à restante matéria.

No início da audiência foi decidida a não admissibilidade da reconvenção quanto às obras não incidentes no locado e à ampliação da base instrutória, do que a ré agravou.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 13 de Janeiro de 2004, por via da qual, por um lado, foi declarado o direito de propriedade dos autores sobre o prédio bem como a caducidade do referido contrato de arrendamento e condenada a ré a entregar-lhes as quatro salas do 1º andar do prédio.

E, por outro, a indemnizá-los no montante de € 957,28 por cada mês desde 3 de Novembro de 2001 até à restituição das salas, e os autores foram condenados a pagar à ré € 69 682,07 a título de indemnização relativa às obras e € 1 561,60 de compensação, nos termos do artigo 113º do Regime do Arrendamento Urbano.

Apelaram os autores e a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 14 de Outubro de 2005, declarou deserto o recurso de apelação e improcedente o recurso de agravo interpostos pela última e revogou a sentença na parte condenatória dos autores a pagar àquela € 69 682,07.

Interpôs o Empresa-A recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - apresentou tempestivamente as alegações no recurso de apelação, utilizando os dez dias complementares, porque transcreveu a gravação da prova que entendia necessários à sua pretensão e cuja reapreciação alteraria factos provados; - o acórdão omitiu, contra o disposto nos artigos 659º, nº 2, e 713º, nº 2, a discriminação dos factos provados, com o que inviabilizou a aplicação do regime jurídico no recurso de revista, pelo que está afectado da nulidade a que se reporta o artigo 668º, nº 1, alínea b), todos do Código de Processo Civil; - deverá ser julgada procedente a matéria do agravo e ampliada a base instrutória, de modo a ser discutida na acção porque as partes e a causa de pedir são as mesmas e a obrigação emerge do mesmo facto jurídico; - na réplica, os recorridos questionaram as obras e o seu custo e não quem as pagou, e a sua efectivação, custo e pagamento não são factos só passíveis de prova documental ou, designadamente, por documento fiscalmente válido, podendo sê-lo por testemunhas; - não havia fundamento para a Relação alterar a decisão da matéria de facto, por não ser caso manifesto o erro de julgamento relativo aos depoimentos gravados, e deu como não provados factos que deixou ficar consignados como provados; - fez mau uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712º do Código de Processo Civil e não levou em linha de conta que os depoimentos das testemunhas que indicou não contrariam a factualidade considerada provada e não provada; - não fez correcta subsunção dos factos que ela própria considera provados aos normativos legais aplicáveis, e há contradição entre esses factos e a absolvição dos autores da reconvenção relativa às obras; - está provado que as obras foram realizadas pela recorrente e que se destinaram a possibilitar o exercício do seu comércio e que o seu custo foi por si suportado, o que só por si implicaria a condenação dos recorridos no pedido reconvencional; - o acórdão recorrido violou os artigos 515º, 659º, 698º, 712º e 713º do Código de Processo Civil.

Responderam os recorridos em síntese de alegação: - as alegações da recorrente no recurso de apelação foram extemporâneas por ela não ter impugnado a matéria de facto e não cabe recurso de revista da decisão da Relação que julgou deserto o recurso de apelação da recorrente, mas de agravo; - o acórdão recorrido não é nulo, porque a lei permite a remissão para a sentença quanto aos factos provados e não tinha de discriminar os não provados; - não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão da Relação que admitiu parte do pedido reconvencional e o julgou improcedente por ser matéria do recurso de agravo; - não há fundamento para a ampliação da matéria de facto quanto ao pedido reconvencional, e não pode haver contradição entre factos provados e não provados e, ainda que a houvesse, tal não gerava nulidade por falta de fundamentação; - a decisão da matéria de facto pela Relação não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça e até é irrecorrível, nos termos do artigo 712º, nº 6, do Código de Processo Civil, confinando-se a sindicância do uso pela Relação dos seus poderes à legalidade do apuramento dos factos e não directamente à sua existência ou não.

- passou a ficar não provado que a ré tenha feito obras no hall de entrada do prédio e na porta de acesso ao edifício.

A Relação, por acórdão proferido no dia 14 de Fevereiro de 2006, decidiu não existir a nulidade invocada pela recorrente, sob o argumento de a lei permitir a remissão para os factos constantes da sentença apelada e não poder haver contradição entre o que foi e não foi declarado provado.

II É a seguinte a factualidade e a dinâmica processual que relevam no recurso:

  1. Factos declarados provados no acórdão recorrido:: 1. Os autores são comproprietários, em partes iguais do prédio urbano situado em Lisboa, na Rua de Santa Marta, nºs 31 a 31-A, B, C, D, e E, e Travessa do Enviado de Inglaterra, nºs 2, 4, 4-A e 4-B, inscrito sob o artigo 451º da matriz predial urbana da freguesia de Coração de Jesus, direito cuja aquisição derivada de legado se encontra registada, definitivamente, pela apresentação nº 28, de 5 de Abril de 2001, reportando-se os seus efeitos registrais a 19 de Dezembro de 2000.

    1. O imóvel tem a área coberta de 150 metros quadrados, é composto de casa de habitação, cocheira, lojas no rés-do-chão e no 1º andar e quintal, cujo local é considerado centro de Lisboa 3. Por disposição testamentária do anterior proprietário pleno, lavrada em 17 de Junho de 1981, o avô dos autores, AA, falecido a 12 de Junho de 1982, foi transferida a nua propriedade do referido prédio para os netos e o usufruto vitalício para o filho dele e pai daqueles, AA.

    2. Por escritura pública lavrada aos 13 de Maio de 1986, pela renda de 60 000$ - depois actualizada para 160 612$ - AA deu de arrendamento à ré, as salas B a E do 1º andar do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT