Acórdão nº 06B202 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Fevereiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I A Santa Casa da Misericórdia de Fão Hospital e Lar de São João de Deus intentou, no dia 17 de Julho de 1998 contra a AA, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a declaração do seu direito de propriedade sobre identificada capela e a condenação da ré a remover dela o cadáver de BB sob pena de o fazer à custa dela pelo valor a liquidar em execução de sentença e indemnizá-la na quantia diária de 3 000$ entre 18 de Novembro de 1994 até à remoção e juros moratórios à taxa legal desde a data da citação.

Fundamentou a sua pretensão na circunstância de ser a proprietária da capela-jazigo, e de a ré ser a única herdeira do falecido e que a pedido dela, por terem celebrado um contrato-promessa de compra e venda de um prédio, aceitou sepultá-lo num gavetão da capela, sob a condição de ela o remover para local próprio no prazo entre 60 a 90 e que ela assim não procedeu.

A ré, em contestação, por um lado, arguiu a sua ilegitimidade ad causam, negou ter celebrado qualquer contrato-promessa, e afirmou ter sido levada a assinar documentos em branco cujo conteúdo exacto ignorava sob abuso do seu estado emocional após a morte do cônjuge.

E, por outro, afirmou terem-se gorado as negociações com a autora com vista ao internamento dela e do cônjuge abrangentes da doação de uma fracção predial em razão da não aceitação por ela da repartição da pensão mensal, altura em que abandonou as instalações do lar.

E, finalmente, referiu que a autora agia em abuso do direito em razão da diferença abismal entre o valor do imóvel e do recheio e valor das contrapartidas, e concluiu por pedir a condenação dela a indemnizá-la por litigância de má fé.

A autora, na réplica, afirmou que a quantia de 5 000 000$ correspondeu a dação em pagamento e, no dia 8 de Abril de 1999, foi concedido à ré o apoio judiciário na modalidade de dispensa de preparos e de custas.

Na fase da condensação do processo, foi a acção julgada improcedente por sentença proferida no dia 14 de Julho de 2000, que a Relação revogou, ordenando que o processo prosseguisse nas fases de instrução e julgamento, e, realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 7 de Março de 2005, por via da qual a ré foi absolvida do pedido.

Apelou a autora, e a Relação, dando parcial provimento ao recurso, condenou a ré a remover o referido cadáver sob pena de a autora o fazer a seu cargo pelo valor a liquidar em execução de sentença.

Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão não especifica os fundamentos de direito justificativos da decisão na parte em que julga procedente o pedido da sua condenação na remoção do cadáver, pelo que ocorre a nulidade prevista no alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil; - os factos provados não revelam a dificuldade da recorrida para sepultar outras pessoas ligadas por compromissos assumidos; - o cadáver não faz parte da herança, está subtraído ao tráfico jurídico por força do artigo 202º do Código Civil, pelo que o acordo que o envolva, incluindo a sua transladação, é inválido face ao disposto no artigo 280º daquele diploma e, consequentemente, não pode gerar obrigações; - a recorrida depositou o cadáver no quadro de uma obrigação natural, não podendo, por isso, exigir a remoção, pelo que também os fundamentos de facto do acórdão estão em oposição com a decisão, configurando a nulidade a que se reporta a alínea c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.

Respondeu a recorrida, em síntese de alegação: - a recorrida confunde o cadáver com a obrigação da sua remoção, não houve negócio em relação ao cadáver mas a assunção pela recorrente de uma obrigação que podia e devia cumprir, pelo que não há nulidade; - a recorrida era o cônjuge do falecido, pelo que tem o dever de remoção do cadáver em respeito de obrigações administrativas, não se tratando de obrigação natural ou de dever de ordem moral e social; - é uma obrigação não cumprida pela recorrente resultante de contrato válido, sem dependência da falta de espaço na capela-jazigo.

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II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. A capela-jazigo nº 1, sita no arruamento central, primeira à direita, do cemitério paroquial da freguesia de Fão, situa-se no melhor local do cemitério e é a mais valiosa e rica de quantas lá estão.

  1. Desde há mais de 50 anos que a autora vem possuindo a mencionada capela por si e em seu nome, cuidando dela, pintando-a, limpando-a e depositando nela os mortos, por forma de todos conhecida, sem soluções de continuidade, na convicção de que o faz como verdadeira proprietária.

  2. BB faleceu no dia 17 de Agosto de 1994, no estado de casado com a ré, de cujo funeral a autora se encarregou, e o seu cadáver foi depositado no gavetão nº 2 esquerdo da capela-jazigo mencionada sob 1.

  3. A ré escreveu à autora, no dia 18 de Novembro de 1994, uma carta do seguinte teor: "Venho por este meio comunicar a Vª Exª. que decidi optar por não efectuar a doação a essa Santa Casa e bem assim não efectuar o contrato relativo ao meu internamento no vosso lar". "...Deste modo, solicito que me remeta a minha conta discriminada relativa às despesas que essa Santa Casa suportou com o funeral do meu marido e bem assim com o meu alojamento, a fim de proceder à sua regularização no mais curto espaço de tempo. Por outro lado, solicito ainda um prazo de 60 a 90 dias para proceder à transferência do meu marido do vosso jazigo, porquanto tal prazo é necessário para as formalidades. Por tudo quanto fica dito e por se mostrarem sem interesse para a...

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