Acórdão nº 06B722 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução23 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Empresa-A intentou, no dia 13 de Setembro de 1996, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Empresa-B, a que sucedeu o Empresa-C, e Empresa-D, pedindo a declaração do seu direito de propriedade sobre os veículos automóveis nºs. RH e QS e o respectivo registo a seu favor e a condenação solidária delas a indemnizá-la pelo valor a liquidar em execução de sentença pelos prejuízos decorrentes da imobilização daqueles veículos, sob o fundamento de os haver comprado à segunda, de a esta ter pago o preço, de estarem registados em nome da primeira e na recusa desta na efectivação do registo a seu favor.

A ré Empresa-B afirmou a sua ilegitimidade por ser alheia ao contrato de compra e venda, ser este inválido, serem nulos os negócios invocados como causa de pedir pela autora em virtude de simulação, não haver ainda recebido o preço dos camiões da ré Empresa-D e que, por isso, não estava obrigada a emitir a declaração de venda dos camiões.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 1 de Maio de 2004, por via da qual foi declarado ser a autora dona e legítima possuidora dos referidos camiões e condenadas as rés a efectivarem os concernentes registos de propriedade em nome daquela.

Apelou o Empresa-C, e a Relação, por acórdão proferido no dia 4 de Outubro de 2005, absolveu-o do pedido, tal coma a Empresa-D, sob o fundamento de a apelada ter excedido os limites impostos pela boa fé.

Interpôs a Construtora Empresa-A recurso de revista, cingido à parte em que considerou ter havido abuso do direito, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - limitou-se a reclamar em juízo o seu direito à remoção dos obstáculos formais à plena usufruição dos bens que comprou e pelos quais pagou aquilo que entre vendedora e compradora foi considerado justo; - é alheia à má fé que tenha havido no contrato de compra e venda dos camiões celebrado entre a antecessora do recorrido e Empresa-D; - não é confundível o valor do crédito da recorrida locadora sobre Empresa-E com o valor comercial dos veículos no mercado, questão que não foi invocada na acção, de modo a saber se tirou ou não vantagem ilícita da aquisição; - os factos provados não indiciam que abusasse do seu direito, não podendo ser penalizada pelo eventual mau negócio de Empresa-B ou por esta ter sido induzida em erro por Empresa-D sobre as propostas que tinha para a aquisição das viaturas; - para lhe ser imputado abuso do direito importava saber qual o preço de mercado das viaturas, usadas, com várias centenas de quilómetros percorridos e se o preço pedido por Empresa-D à recorrente correspondia ao efectivo valor comercial das mesmas; - o acórdão recorrido gera extrema injustiça, porque se traduz em enriquecimento sem causa de Empresa-D e do recorrido, à custa do empobrecimento da recorrente, pelo que deve ser revogado por ter violado os artigos 334º e 473º do Código Civil.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Sever do Vouga desde 1982, Empresa-E, capital de 30 000 000$, sede e estabelecimento em Feira Nova, freguesia de Pessegueiro do Vouga, Município de Sever do Vouga, tendo como objecto a indústria de construção civil e obras públicas e o comércio de venda de imóveis e de materiais de construção desde 1982, cujos sócios, casados no regime de comunhão de adquiridos, são Ilídio Pereira de Bastos, com a quota no valor de 27 000 000$, e AA, com uma quota de 3 000 000$, cabendo a gerência apenas ao primeiro.

  1. Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Sever do Vouga a Empresa-A, com o capital de 5 000 000$, sede em Águeda, lugar da Corga, cujo objecto é a construção civil e saneamento básico e a compra e venda de propriedades, sendo seu director BB, cuja assinatura era suficiente para a obrigar.

  2. Entre Empresa-B e Empresa-E, esta representada pelo seu sócio-gerente BB, no dia 6 de Abril de 1989, a primeira na qualidade de locadora e a última na de locatária, foi celebrado um contrato de locação financeira mobiliária, com o nº 795/89/C, tendo por objecto o fornecimento à última de um veículo com a marca Volvo, com o peso bruto de 26 000 quilos, matrícula RH, preço de 13 000 000$, por 36 meses, a inicial de 3 250 000$ e as trinta e cinco seguintes de 369 395$ cada e valor residual de 780 000$.

  3. Entre Empresa-B e Empresa-E, esta representada pelo seu sócio-gerente BB, no dia 28 de Setembro de 1989, a primeira na qualidade de locadora e a última na de locatária, foi celebrado um contrato de locação financeira mobiliária, com o nº 2 266/89/C, tendo por objecto o fornecimento à última um veículo com a marca Volvo, com o peso bruto de 26 000 quilos, matrícula QS, preço de 14 325 000$, por 36 meses, a inicial de 3 581 250 000$ e cada uma das trinta e cinco seguintes no montante de 418 829$ e o valor residual de 859 500$.

  4. Foi ainda declarado pelos representantes de ambas as partes, quanto aos factos mencionados sob 3 e 4, que a não satisfação atempada de qualquer das prestações se considerava fundamento para a resolução dos contratos, nos termos da cláusula 12ª, do seguinte teor: - o contrato poderá ser resolvido por iniciativa do locador, sem qualquer outra formalidade, oito dias após a comunicação ao locatário, por carta registada com aviso de recepção, no caso de o locatário não pagar qualquer das prestações da renda ou não cumprir qualquer outra das cláusulas gerais ou particulares deste contrato; nos casos resolução referidos no número anterior, o locatário fica obrigado a restituir o equipamento ao locador e a pagar as prestações das rendas vencidas e não pagas, podendo o locador, em substituição do disposto no número anterior optar por exigir o pagamento integral das rendas vincendas e o valor residual, mantendo-se as obrigações de pagamento das rendas vencidas e não pagas, caso em que o equipamento passará a ser propriedade do locatário uma vez que cumpra todas as obrigações indicadas.

  5. Empresa-B remeteu a Empresa-E, no dia 12 de Agosto de 1991, uma carta registada com aviso de recepção, que a última recebeu no dia 14 de Agosto de 1991, do seguinte teor: "Verifica-se que V.Exªs não têm cumprido com o pagamento das rendas, apesar da insistência dos nossos contactos tendente à boa cobrança das mesmas. Nesta data o montante de dívida ascende a 14 049 410$, acrescidos de 2 043 697$ relativos a juros de mora. Assim, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 12º das cláusulas gerais dos contratos, somos a informar que, oito dias após a recepção desta carta, damos os presentes contratos por resolvidos sem necessidade de qualquer outra formalidade. Em consequência, decorrido esse prazo, deverão proceder à entrega dos equipamentos locados e pagar as importâncias abaixo discriminadas.

  6. A ré Empresa-B credenciou a ré Empresa-D para proceder ao levantamento das aludidas viaturas das instalações da Empresa-E, inserindo em papel timbrado a seguinte declaração: Empresa-B SA credencia a firma Empresa-D para proceder ao levantamento de 2 chassis Volvo, modelo N. 10-46 (6x4), matrículas RH e QS, equipamentos esses provenientes dos contratos de locação financeira nºs 795/89/C e 2266/89/C...

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