Acórdão nº 06P1383 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução06 de Julho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. A Comissão Nacional de Eleições deliberou a 31.1.2005, quanto aos processos de contra-ordenação n.º s 20/AL-2005/TJD, n.º 27/AL-2005/TJD e n.º 29/AL-2005/TJD (tratamento Jornalístico Discriminatório por parte da Televisão A - Realização de debate com alguns dos candidatos à eleição para a Câmara Municipal do Porto e de Lisboa - art. 49° e 212° da LEOAL), o seguinte (rectificado nos termos do despacho de 24.3.2006 do Presidente da respectiva Comissão): «Comissão passou à análise dos processos n°s 20, 27 e 29 que correram termos contra a TELEVISÃO A, bem como do respectivo projecto de decisão, o qual fará parte integrante da presente acta.

    Verificou, pois, a Comissão que a TELEVISÃO A, na qualidade de arguida, praticou três contra-ordenações através da violação prevista no artigo 49.°, punida nos termos do artigo 212.°, ambos da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (artigo 1°, n° 1 da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto), e com comportamentos semelhantes, a saber, tratamento jornalístico discriminatório às diversas candidaturas, no âmbito da eleição dos órgãos das autarquias locais.

    Em face disto, julgou-se não ser de aplicar um regime de contra-ordenação continuada, pela aplicação do artigo 30°, n° 2 do Código Penal, através do 32° do DL 433/82, tendo em conta, para além destes artigos, os seguintes acórdãos: - "Para a unificação de vários actos num só crime continuado é necessário, além do mais, uma certa conexão temporal. Sem esta não se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, por não ser de presumir uma menor reflexão sobre a acção criminosa anterior, facilitadora do repetido sucumbir" (Acórdão do STJ de 17.Fev.83); - I - Se tiver havido um só desígnio criminoso, o crime há-de ser necessariamente único, já que subsumível a um mesmo tipo criminal, ou seja, ofensivo de idêntico bem jurídico. II - Ao invés, se o comportamento do arguido revelar uma pluralidade de resoluções poder-se-ão pôr - e só então - as hipóteses de pluralidade de infracções ou de crime continuado. III - Tendo havido mais de uma resolução, a regra será o concurso real de crimes, constituindo a continuação criminosa uma excepção a aceitar quando a culpa se mostre consideravelmente diminuída, mercê de factores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas." (Acórdão STJ de 30.Jan.86).

    No entanto, tendo a TELEVISÃO A praticado três contra-ordenações, com violação do mesmo tipo legal, da mesma forma e através das mesmas infracções - tratamento jornalístico discriminatório -, mais entendeu o plenário estar perante um concurso de contra-ordenações, cujo regime vem previsto no artigo 19° do DL 433/82.

    Neste sentido, deve contar-se as infracções com uma coima única, cujo limite máximo resultará da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso Tendo em conta as várias circunstâncias em função das quais se aprecia e mais tendo em consideração a gravidade das contra-ordenações, a culpa, a situação económica e o benefício económico que a TELEVISÃO A retirou da prática das contra-ordenações, deliberou-se o seguinte: Processo n.º 20/AL2005/TJD: julgar provada a contra-ordenação ao artigo 49° da Lei Orgânica n° 1/2001, de 14 de Agosto, pelo que condenou nos termos do artigo 212° do citado diploma legal, a TELEVISÃO A ao pagamento de coima, pelo máximo, no montante de EUR 9.975, 96 e custas devidas.

    Processo n.º 27/AL2005/TJD: julgar provada a contra-ordenação ao artigo 49° da Lei Orgânica n°1/2001, de 14 de Agosto, pelo que condenou nos termos do artigo 212° do citado diploma legal, a TELEVISÃO A ao pagamento de coima, pelo mínimo, no montante de EUR 997,60 e custas devidas.

    Processo n°29/AL2005/TJD: julgar provada a contra-ordenação ao artigo 49° da Lei Orgânica n° 1/2001, de 14 de Agosto pelo que condenou nos termos do artigo 212° do citado diploma legal, a TELEVISÃO A ao pagamento de coima, pelo mínimo, no montante de EUR 997,60 e custas devidas.

    Em face de tudo quanto antecede, deliberou a Comissão aplicar uma coima única no valor de € 11.000 (onze mil euros) e custas devidas.

    A Televisão A impugnou judicialmente para este Supremo Tribunal de Justiça esta decisão sancionatória, concluindo na sua motivação: I. As decisões da CNE ora impugnadas são ilegais - e mais exactamente, inexistentes - por condenarem o «Partido Socialista», pessoa diversa daquelas que foram Arguidas nos processos supra referidos, e, com isso, por faltar, não só jurídica, como materialmente, quanto à Arguida em tais processos, decisão condenatória; II. As decisões da CNE ora impugnadas são ilegais na medida em que o artigo 212° da LEOAL, em que se baseiam, apenas prevê infracções praticadas em empresas proprietárias de publicação informativa: a. E de acordo, tanto com a legislação da comunicação social, como com a legislação eleitoral (incluindo a LEOAL), como com o próprio art. 212° é evidente que por esta expressão se refere imprensa escrita de carácter informativo; b. Pelo que não pode a referida disposição ser aplicada a empresas titulares de outros meios de comunicação social (como a rádio e a televisão), sob pena de se cair numa interpretação dos arts. 1° e 2° do RGCO de acordo com a qual é lícito incluir no âmbito de aplicação de uma norma sancionadora em matéria contra ordenacional casos que estão para além do quadro significativo demarcado pelo seu teor literal, e apenas correspondentes a um rebuscado sentido etimológico, a fim de prover a uma lacuna punitiva, interpretação que viola o art. 29° da Constituição.

    1. As decisões da CNE ora impugnadas são ilegais, na medida em que, por força do mesmo artigo 212° da LEOAL, a Arguida nos processos supra indicados nunca poderia ser responsabilizada pelas infracções nele previstas, uma vez que ela, como sociedade gestora de participações sociais, não é proprietária de qualquer publicação informativa (ou mesmo de qualquer outro meio de comunicação social).

    2. As decisões da CNE ora impugnadas são ilegais, na medida em que as decisões em matéria de selecção dos municípios objecto de debate e das candidaturas a convidar para os mesmos não traduzem um tratamento não igualitário: a. A igualdade não impõe só o tratamento igual do que é igual mas ainda o tratamento desigual, e em moldes de proporcionalidade, de situações desiguais - o que se aplica também à igualdade de tratamento das diversas candidaturas; b. É lícita, em função da necessidade de compatibilizar o princípio da igualdade de tratamento com outros valores constitucionais (como os princípios constitucionais da liberdade de imprensa e do direito à informação), a utilização de um critério jornalístico, não só no que respeita à selecção dos municípios objecto de debate, como ainda das candidaturas a convidar para os mesmos; c. E é-o especialmente em relação a programas televisivos e radiofónicos cuja natureza não seja estritamente informativa - estão neste caso os debates e entrevistas - que, para a própria CNE «gozam de uma maior liberdade e criatividade na determinação do seu conteúdo».

      1. Nos casos dos autos, não foram tomadas decisões individuais arbitrárias, mas antes assumido um critério jornalístico: o da representatividade das candidaturas nas autarquias a que os debates diziam respeito, medida pelos resultados nas eleições autárquicas anteriores (directamente, pela representação nas assembleias municipais, indirectamente, pela percentagem de votação obtida).

      2. Esse critério não é discriminatório, mas antes imposto pela necessidade de evitar: i. Que, pelo elevado número de intervenientes, se impossibilite um diálogo e exposição de posições de cada um deles, de forma minimamente ordenada e elucidativa inutilizando as virtualidades esclarecedoras dos debates e pondo em causa, não só a liberdade de imprensa, como o direito à informação (a informar e - também - a ser informado).

        ii. Uma conflitualidade previsível, o que determina que ele se meça por critérios objectivos indiscutíveis, de maneira a ser transparente e controlável, e se possa manter completamente inalterável em relação a todas as autarquias municipais seleccionadas para a realização de debates.

      3. Que assim é decorre, para além de toda a possível dúvida, do facto de a própria lei, quando colocada perante um problema análogo - o da subvenção a atribuir nos termos da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (Lei n° 19/2003 de 20 de Junho) - o resolver de forma em tudo semelhante (cfr,. arts. 17°, n°s 3 e 4), em solução perfeitamente compatível com o princípio da igualdade de tratamento das candidaturas.

      4. O entendimento oposto da CNE significa uma violação: i. Da liberdade de imprensa e do direito à informação (arts. 37° e 38° da Constituição), e tanto na perspectiva do direito a informar como na do direito a ser informado; ii. Do princípio legal (arts. 40° e 49° LEOAL) e constitucional da igualdade (arts. 13° e 113°, n°3, ai. b), da Constituição) de tratamento das candidaturas, na medida em que este impõe um «tratamento em moldes de proporcionalidade das situações desiguais» e, designadamente, não só permite como impõe que apenas se dê um tratamento jornalístico semelhante às situações dotadas de «um relevo jornalístico semelhante, atendendo aos diversos factores que para o efeito se tem de considerar)).

    3. As decisões da CNE ora impugnadas são ilegais pois, ainda admitindo que o critério jornalístico seguido era objectivamente discriminatório - e não o é -, não há prova da consciência do carácter discriminatório do critério. Pelo contrário, o modo como foi estabelecido e dado a conhecer com toda a transparência mostram a convicção oposta - o que determina a exclusão do dolo (nos termos do art. 8°, n° 2, do RGCO), estando excluída qualquer hipótese de sancionamento nos termos do art. 212° da LEOAL (cfr. art. 8°, n° 1, do RGCO); VI. Para além disso, no caso do processo n° 20/AL-2005/TJD: a. Falta ainda o dolo indispensável ao sancionamento, em virtude da ocorrência de uma troca bobines, sendo que a consideração de «um especial...

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