Acórdão nº 06P181 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução26 de Janeiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

11 Processo n.º 181/05, 5.ª Secção - decisão contra jurisprudência fixada Relator: Simas Santos 1.

O Ministério Público acusou os arguidos, com os sinais nos autos, imputando-lhes a prática, respectivamente, de 2 e 1 crime de emissão de cheque sem provisão dos art.ºs 23º e 24.º do DL 13004 de 12-1-1927, 11.º, n.º 1, al. a) do DL 454/91, de 28-12 e 313.º e 314.º, al. c) do C. Penal de.

Por despacho, o juiz do 2.º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa, recusou a aplicação dos art.ºs 335.º e 337.º do CPP, conjugados com o art. 119.º, n.º 1 do C. Penal de 1982, na interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 10/200º, e em consequência, declarou prescrito o procedimento criminal e cessada a contumácia, determinando o oportuno arquivamento dos autos.

Depois de diversas vicissitudes processuais, foi interposto pelo Ministério Público recurso extraordinário para o Supremo Tribunal de Justiça pedindo, com base na violação de jurisprudência fixada, a revogação da decisão.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público, que se pronunciou pela revogação do decidido recorrido, face à jurisprudência fixada.

Colhidos os vistos, teve lugar a conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.

2.1 E conhecendo.

Pelo acórdão uniformizador de jurisprudência de 19.10.00 (DR IS-A, de 10.11.00), estabeleceu este Supremo Tribunal de Justiça a seguinte doutrina: «No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal».

Ora, no acórdão recorrido, o Tribunal a quo decidiu contra tal doutrina, considerando-a contrária à Constituição.

2.2.

Podia o Tribunal a quo proceder assim? Dispõe hoje o art. 445.º do CPP - eficácia da decisão que resolver o conflito de jurisprudência - que: «(...) 3 - A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.» Até à Revisão de 1998, dispunha o n.º 1 do mesmo art. 445.º «sem prejuízo do disposto no artigo 443.º, n.º 3, a decisão que resolver o conflito tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto e constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais».

Temos, assim, que, a partir de tal reforma, os tribunais judiciais se podem afastar da jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, conquanto que fundamentem as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão (na terminologia do transcrito n.º 3 do art. 445.º na versão actual).

2.3.

Mas "podendo" fazê-lo, em que condições o devem ("podem") fazer? Desde logo, importa esmiuçar um pouco a sublinhada expressão "fundamentem as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão".

Com ela não se quis seguramente referir o dever geral de fundamentação das decisões judiciais (art.ºs 97.º, n.º 4, 374.º do CPP), antes postular um dever especial de fundamentação destinado a explicitar e explicar as razões de divergência em relação à jurisprudência fixada.

E como podem ser as razões dessa divergência? quaisquer razões, razões ponderosas, uma arreigada convicção ? 2.4.

A resposta a esta questão prende-se com a natureza da mudança operada pela falada Revisão de 1998 na eficácia dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência que é mister surpreender.

No capítulo do Código de Processo Penal (CPP) integrado pelos recursos de fixação de jurisprudência, encontram-se três expedientes diferentes: - Recurso para uniformização de jurisprudência (propriamente dito), destinado a resolver a questão de direito sobre a qual diverge a jurisprudência dos Tribunais Superiores (art.ºs 437.º a 445.º); - Recurso de decisão proferida contra jurisprudência uniformizada (art. 446.º); - Recursos no interesse da unidade do direito: - De uniformização de jurisprudência, a interpor para além do prazo de 30 dias, por determinação do Procurador-Geral (art. 447.º, n.º 1); - Para reexame da jurisprudência fixada, quando o Procurador-Geral da República tiver razões para crer que ela está ultrapassada (art. 447.º, n.º 2).

Com todos estes expedientes procurou o legislador responder à necessidade de uniformizar a jurisprudência perante discrepâncias significativas, acentuando a natureza do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de revista, por compreender a importância da igualdade na interpretação e aplicação da lei.

E fê-lo estabelecendo um sistema que se desenvolve em três planos: - Uniformização da jurisprudência; - Imposição dessa...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT