Acórdão nº 06P363 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Abril de 2006

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução20 de Abril de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal da Justiça: Proc. n.º 363/06-5 (1) I. RELATÓRIO 1. "AA" e BB foram submetidos a julgamento em Tribunal de Júri, na comarca de Portimão, pronunciados pela co-autoria, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos art.ºs 131.° e 132.°, n.ºs 1 e 2, als. a), b) e d), um crime de ocultação de cadáver, p.p. pelo art.º 254.°, n.º 1, al. a), e um outro crime de profanação de cadáver, p.p. pelo art.º 254.°, n.º 1, al. b), todos do C. Penal.

Por Acórdão de 11 de Novembro de 2005, o Tribunal de Júri decidiu condenar: A - AA: I- como co-autor material de um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos art.ºs 131.° e 132.° n.ºs 1 e 2 alínea b), ambos do C. Penal, na pena de dezoito (18) anos de prisão; II- como co-autor material de um crime de ocultação de cadáver, p.p. pelo art.º 254.º, n.º 1, al. a), do C. Penal, na pena de vinte (20) meses de prisão; III- e em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de dezanove (19) anos e dois (2) meses de prisão; B - BB: I- como co-autora material de um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos art.ºs 131.° e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), ambos do C. Penal, na pena de dezanove (19) anos de prisão; II- como co-autora material de um crime de ocultação de cadáver, p.p. pelo art.º 254.º, n.º 1, al. a), do C. Penal, na pena de vinte e um (21) meses de prisão; III- e em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de vinte (20) anos e quatro (4) meses de prisão.

Do restante que lhes era imputado foram os arguidos absolvidos.

2. No decurso da audiência em Portimão o Ministério Público requereu, "para completo esclarecimento dos factos, que se proceda ao visionamento em audiência da gravação vídeo da reconstituição dos factos elaborada no dia 25.09.2004". Dada a palavra aos defensores dos arguidos pelos mesmos foi dito que "os arguidos não prestaram declarações e a diligência realizada em sede de inquérito não tem valor probatório desacompanhada de outros elementos de prova produzidos em audiência, pelo que não deverá ser deferido o douto requerimento do Ministério Público".

O Tribunal proferiu então o seguinte despacho: "Por se entender que a reconstituição dos factos é um meio de prova legalmente admissível atento o disposto nos art.ºs 126.º e 127.º do CPP e por se entender que o mesmo pode afigurar-se útil para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, decide o tribunal de júri deferir o requerimento do Ministério Público".

Ambos os arguidos recorreram desse despacho por requerimento ditado para a acta e, no final dessa sessão, "foi visionada a gravação vídeo dos factos elaborada em 25.09.2004".

O recurso do arguido AA não foi motivado em tempo e, portanto, não foi recebido, mas o da arguida BB foi admitido a subir com o que viesse a ser interposto da decisão final.

E da motivação desse recurso interlocutório (por cuja decisão a arguida manifestou manter interesse no recurso do Acórdão condenatório - art.º 412.º, n.º 5, do CPP), concluiu a mesma do seguinte modo: 1° - Presumindo-se, em Direito, os Arguidos inocentes, e, determinando o Código de Processo Penal, as regras da produção de prova em Audiência de Discussão e Julgamento, jamais poderia ter sido, durante a Audiência de Julgamento, exibido o filme gravado durante o Inquérito, no qual o co-arguido AA participou em diligência de Inquérito, falando, quando, em sede de Julgamento, usando do direito que lhe assiste, não prestou quaisquer declarações.

  1. - A sede de produção da prova é o Julgamento, e o acto permitido pelo douto Tribunal "a quo" viola frontalmente o disposto no artigo 357° do Código de Processo Penal, acarretando, para além da nulidade do inadmissível acto, a nulidade de toda a Decisão, caso houvesse lugar a condenação, designadamente, por completa ausência de prova, e deficiente conclusão por parte dos Jurados, influenciados por acto nulo.

  2. - A exibição do impugnado filme não vale como prova, o Tribunal não o poderá considerar como tal, e a exibição de tal filme, contra as expressas regras processuais, fere de morte todo o Julgamento, que é de Tribunal de Júri, para além de que é de nulo valor, manifestamente.

  3. - Nos presentes autos, estão a ser julgados, em tribunal Colectivo COM INTERVENÇÃO DE JÚRI, os Arguidos BB, e AA, os quais, usando do Direito que lhes assiste, optaram por não prestar declarações no Julgamento em que são Arguidos, não sendo admissível reprodução de declarações do Inquérito.

  4. - O Tribunal de Júri é composto por três Juízes de Direito, e por quatro cidadãos, sorteados das listas de eleitores, os quais não têm formação jurídica, sendo compreensível que desconheçam as regras de produção da prova em sede de Julgamento, havendo que os proteger de qualquer vício na Decisão.

  5. - A Lei Processual Penal define as regras da produção de Prova, em Audiência de Julgamento, vedando reproduções, designadamente, de declarações de Arguidos, durante o Inquérito, quando as não prestaram em Julgamento.

  6. - A única matéria a considerar, deverá ser a que é discutida em sede de Julgamento, e as provas só são as admissíveis, sendo nulas todas as que contrariem as exigências do Código.

  7. - É da produção de prova, cuja única sede é o Julgamento, que deverão resultar as respostas, havendo que respeitar as regras processuais definidas no C.P.P..

  8. - É claro, e não oferece contestação, que eventuais declarações de Arguidos, em sede de Inquérito, não podem ser utilizados em Julgamento, não podendo ser reproduzidas, se os mesmos optaram por não prestar declarações, no exercício do Direito que a Lei lhes confere.

  9. - O douto Requerimento do Ministério Público ia no sentido de ser exibido um filme, no qual o co-arguido AA fala - declara - acerca da matéria objecto do Inquérito, e realizado durante aquela fase processual.

  10. - A Defesa, designadamente a ora Recorrente, opôs-se à exibição de tal filme, em Audiência de Discussão e Julgamento, o que, não tendo sido deferido, levou a que, de imediato, fosse interposto o competente Recurso para o STJ, que ora se motiva.

  11. - O douto Tribunal "a quo" ordenou a exibição do filme, realizado durante o Inquérito, que contém declarações de Arguido que, em Julgamento, optou por não prestar quaisquer declarações, violando a regra do artigo 357° do C.P.P..

  12. - Sabido que é que o co-arguido da ora Recorrente não prestou declarações em Julgamento, e nada requereu, nunca o douto Tribunal poderia permitir a exibição do filme, como fez, contrariando uma disposição legal, que não admite diferente interpretação, com o risco de influenciar os Jurados, que, de Processo Penal, não entendem.

  13. - Foi grave a violação do disposto no artigo 357° do C.P.P., porque bem sabe o douto Tribunal que tal nunca poderia ser admitido como prova, mas mais grave, ainda, porque, tratando se de um Julgamento com Jurados, poderiam estes, e esperemos que não, ser influenciados, e decidir contra as mais elementares regras de Justiça, produzindo uma Decisão NULA, com tudo quanto tal implica.

  14. - Facto é que, mesmo que não valha como prova, foi visionado o filme, os Jurados viram-no, e a ausência de formação jurídica, poderá levá-los a ignorar as regras, que, aliás, desconhecem, e concluir por uma culpa quando é completa a ausência de prova, e quando outra decisão que não a absolvição, jamais teria lugar.16° - Em Juízo, as regras impõem que só determinadas provas sejam admitidas, as válidas, aquelas que são admissíveis, e ESTA, não o é, certamente, pelo que está votada à nulidade, como nula será qualquer decisão que implique condenação.

  15. - Se os Juristas, becados, ou togados, e outros, o sabem, os Jurados, aqueles elementos do povo, sorteados das listas de eleitores, que não têm formação jurídica, poderão ser influenciados, e dar como provado o que nunca o poderia ser, contra as mais elementares exigências da produção da prova, assim inquinando todo o Julgamento.

  16. - Não valem os depoimentos indirectos, o "disseram-me", os que constam de depoimentos prestados por terceiros, a profissionais no exercício da sua profissão, nem declarações prestadas em Inquérito, por Arguidos, que, em sede de Julgamento, não prestaram declarações. Se os Jurados o não sabem, os Juristas sabem-no.

  17. - Não devia ter sido admitida a exibição do filme em questão, pelo douto Tribunal "a quo", e tendo-o permitido, violou o disposto no artigo 3570 nº 1 do Código de Processo Penal, cuja consequência é a inadmissibilidade de validação de tal, como prova, tendo, ainda, como consequência, a viciação da Decisão em sede de apreciação da matéria de facto por parte dos Jurados, e que, lamentando-se, acarretará a nulidade do Julgamento, para além da necessária absolvição dos Arguidos, a restituir à liberdade no dia da leitura do douto Acórdão a proferir.

    Termos em que, deve o presente Recurso merecer provimento, consequentemente se revogando o douto Despacho que admitiu a exibição do filme realizado em sede de Inquérito, com todas as demais e legais consequências.

    3. O Ministério Público na 1ª instância respondeu a esse recurso intercalar e concluiu do seguinte modo: 1 - A motivação do recurso não se mostra efectuada em obediência ao disposto no art.º 412º do CPP, pois que as conclusões não passam de mera reprodução da motivação, apenas tendo sido numerados os seus parágrafos; 2 - Não existiu violação do art.º 357º do CPP, pois que não se procedeu a qualquer leitura de declarações anteriormente prestadas pelos arguidos; 3 - O tribunal apenas visionou o auto de reconstituição em que participou um dos arguidos (que não a recorrente), acompanhado pela sua Ilustre defensora oficiosa e, assim, com todas as garantias de defesa; 4 - A prova por reconstituição não se confunde com prova por declarações, tendo objectivos e formulação distintos; 5 - Pelo que não foi violada a norma jurídica invocada, nem qualquer outra; 6 - As críticas que são feitas aos jurados são irrelevantes e inconsequentes, não passando de crítica a uma instituição prevista na Constituição, não sendo legítimo...

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