Acórdão nº 06P656 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução15 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I - Pelo Tribunal de Círculo de Matosinhos, foi o arguido, AA, condenado: - Como autor material de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 131.º, 22.º, 23.º e 73.º, do Cód. Penal, na pena de seis anos de prisão.

- Como autor de um crime de homicídio simples, consumado, p. e p. pelo art. 131.º, na pena de 13 anos de prisão.

- Como autor de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 275.º, n.º 3, do Cód. Penal, na pena de um ano de prisão.

Em cúmulo jurídico, na pena única de dezasseis anos de prisão.

Mais foi condenado no pagamento às demandantes BB e CC de uma indemnização fixada em € 222.500,00 (duzentos e vinte e dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal.

II - Recorreu para o Tribunal da Relação do Porto e este, em Acórdão de 30.11.2005, decidiu o seguinte: 1.º) Alterar a incriminação efectuada do crime p. e p. pelo art. 275.º, n.º 3, do Cód. Penal, pela qual o arguido foi condenado por detenção de arma proibida, para a do art. 6.º da Lei 22/97, de 27/06.

  1. ) Reduzir para 114.000,00 (cento e catorze mil euros) o quantitativo a atribuir para ressarcimento dos danos patrimoniais decorrentes de lucros cessantes originados pela morte do infeliz DD.

  2. ) No mais, julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.

III - Recorre ele agora para este Tribunal.

Conclui a motivação do seguinte modo: 1. Para a condenação pelo crime de homicídio na forma tentada, foi decisiva a convicção de que o alegado disparo foi efectuado a uma distância de três metros do EE.

  1. Da fundamentação dos factos, consta o depoimento da testemunha FF, que refere que o disparo foi efectuado a cerca de um metro; não havendo no texto da decisão qualquer menção a um disparo efectuado a uma distancia de três metros.

  2. O erro na apreciação da prova (testemunhal) é notório, porque perceptível pelo homem médio, decorre do texto da decisão e teve efeito condenatório, pelo que existe o vício previsto no artigo 410.° n.° 2 c) do Código de Processo Penal.

  3. Nesta conformidade, impunha-se ao Tribunal a quo decisão diversa sobre a existência do vício invocado pelo recorrente.

  4. Não sendo possível decidir da causa, deve o processo ser reenviado para novo julgamento, relativamente a esta questão, nos termos do artigo 426.° n.° 1 do Código de Processo Penal.

  5. O Tribunal a quo considerou que o arguido não agiu em legitima defesa putativa, porque não houve agressão por parte da vítima, que, a existir, não seria ilícita.

  6. Só que a legitima defesa putativa caracteriza-se, conforme alegou o recorrente e decorre da Lei, justamente, pelo erro sobre pressupostos que, se se verificassem, excluiriam a ilicitude.

  7. Assim, o sentido em que o Tribunal a quo interpretou o n.° 2 do artigo 16.° do Código Penal está errado, conhecendo da questão invocada à luz das regras da legítima defesa, tal como a prevê o artigo 32.° do Código Penal.

  8. Deve sim concluir-se que, pela aplicação do artigo 16.° n.° 1 e 2 do Código Penal, é de excluir o dolo, ficando ressalvada a punibilidade da negligência (n.° 3 do mesmo artigo).

  9. Sem prescindir, o arguido agiu sob compreensível emoção violenta, alegação que o Tribunal a quo julgou improcedente porque aferiu o carácter da emoção, bem como a sua aceitabilidade, na perspectiva do homem médio, esquecendo-se de tomar em consideração as limitações do arguido (físicas e de imputabilidade) que fazem parte da matéria dada como provada.

  10. Impunha-se, portanto, ao Tribunal a quo a aplicação do artigo 133.° do Código Penal.

  11. Entre os crimes de homicídio (consumado) e o de uso de arma proibida existe concurso aparente, que decorre de uma relação de instrumental idade. Donde, o uso (em si mesmo) da arma não deve ser punido.

  12. A aquisição e a detenção da arma devem ser punidas com pena não privativa da liberdade e, uma vez que esse tipo de sanção não foi aplicado, foi violada a norma do artigo 70.° do Código Penal.

  13. O princípio basilar da responsabilidade civil - artigo 562.° do Código Civil -, impõe que, quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o facto que originou a lesão.

  14. A culpa é elemento essencial do instituto da responsabilidade civil e, consequentemente, da obrigação de indemnizar. Por isso, uma das excepções previstas ao artigo 562.° do Código Civil, está relacionada com o grau de culpa do agente e essa excepção consta do artigo 494.° do mesmo diploma legal, que estabelece que o montante da indemnização - quer para ressarcir danos patrimoniais, quer danos não patrimoniais -, poderá ser inferior aos danos efectivamente causados, quando a actuação do agente for meramente negligente.

  15. Na fixação da indemnização, deve atender-se a juízos de equidade, ou seja, fazer adaptar a justiça às circunstâncias concretas do caso afastando a justiça meramente formal.

  16. Assim, na fixação por danos patrimoniais e danos não patrimoniais o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 494.° e 496.° do Código Civil, artigos 129.° e n.° 3 do artigo 16.° do Código Penal.

  17. Quanto aos danos morais da vítima DD, a prova produzida foi muito escassa. Não demonstraram as ofendidas que o mesmo tenha manifestado sofrimento, dor, pavor ou desespero. Por isso considerando as circunstâncias do n.° 3 do 496.° e 494.° do Código Civil, seguindo critérios de equidade deve o valor fixado de Euros 10.000,00 (dez mil euros) ser considerado manifestamente elevado e fixado em quantia não superior a Euros 5.000,00 (cinco mil euros).

  18. Os n.° 2 e 3 artigo 496.° do Código Civil remete, quanto ao calculo do dano morte, para os critérios do artigo 494.° do mesmo diploma legal. Assim, também no cálculo do dano morte se deve apelar a recursos de equidade e a todas as circunstância que foram levadas ao conhecimento do Tribunal. Também nesta sede, deverá o quantum indemnizatório ser fixado em quantia não superior a Euros 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), revogando-se a Decisão recorrida.

  19. Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelas ofendidas BB e CC, o recorrente submeteu à apreciação do Tribunal da Relação do Porto o montante fixado a este título. Esta questão foi devidamente motivada e consta das conclusões de recurso.

  20. O Tribunal da Relação do Porto não tomou conhecimento de tal matéria. violou, assim, a disposto na c) do n° 1 do art. 3790 do Código de Processo Penal - este vício constitui causa de nulidade do acórdão nos termos do referido artigo e do n.° 1.0 do artigo 120.°, ambos do Código de Processo Penal.

  21. A nulidade arguida torna o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto inválido e determina o reenvio do processo para novo julgamento - n.° 1 e 2 do artigo 122.° do Código de Processo Penal.

  22. Tal vício não pode ser reparado por forçado n.° 4 do artigo 414.° do Código de Processo Penal.

    Pronunciou-se o Sr. Procurador-Geral Adjunto da Relação do Porto pela improcedência do recurso.

    IV - Ante as conclusões das alegações, as questões que se nos deparam consistem em saber se: 1. Existe erro notório na apreciação da prova quanto ao crime de homicídio na forma tentada; 2. Tal erro determina o reenvio do processo para novo julgamento.

  23. O arguido agiu em legítima defesa putativa; 4. Agiu sob compreensível emoção violenta, impondo-se antes a condenação nos termos do art.º 133.º do Código Penal; 5. Entre os crimes de homicídio e de uso de arma proibida existe concurso aparente, com a consequente não punição deste; 6. A aquisição e detenção de arma devem ser punidas com pena não detentiva de liberdade.

  24. O tribunal " a quo " violou os art.s 494.º e 496.º do Código Civil e os art.s 129.º e 16.º, n.º3 do Código Penal, ao não atender ao grau de culpa para efeitos indemnizatórios.

  25. Deve ser reduzida a indemnização fixada pelo sofrimento havido antes de morrer pelo DD; 9. O dano de morte não deve ser ressarcido em quantia superior a 25.000 euros; 10. O Tribunal da Relação não conheceu da alegação sobre a diminuição do montante fixado a título de danos não patrimoniais sofridos pelas autoras BB e CC.

    V - Vem provada a seguinte matéria de facto: No dia 6 de Novembro de 2003, o arguido e GG dirigiram-se ao bar «...», situado na Rua...., em Matosinhos.

    Cerca das 3 horas e 30 minutos, o GG começou a discutir com EE, saindo ambos para a rua, agredindo-se mutuamente.

    Atrás deles saiu o arguido, empunhado a pistola que trazia com ele, da marca Tanfoglio, modelo GT 28, originalmente de calibre nominal 8 mm e destinada essencialmente a deflagrar munições de alarme, posteriormente adaptada a disparar munições com projéctil, de calibre 6, 35 mm Browning (25 ACP ou 25 AUTO na designação americana), sem número de série visível, fabricada por «Fratelli Tanfoglio», em Gardone, Brescia, Itália, apresentando a sua superfície metálica cromada as falsas inscrições «STAR CAL 6,35.

    No exterior do estabelecimento o arguido levantou o braço direito acima da cabeça, e empunhando essa pistola efectuou dois disparos para o ar, com a intenção de intimidar o EE.

    Depois, segurou a arma com as duas mãos, e gritou: «GG, sai da frente que eu vou fodê-lo» e de seguida, a uma distância de cerca de 3 metros, disparou na direcção do EE procurando alvejá-lo, o que só não conseguiu por motivos alheios à sua vontade.

    Seguidamente, um homem de identidade não apurada, vindo do bar "...", também ali situado, veio ao exterior e arrastou o EE para dentro desse estabelecimento, fazendo cessar o envolvimento físico entre este e o GG.

    Mas escassos instantes passados, o EE logrou libertar-se dessa pessoa, voltou para a rua e voltou a envolver-se fisicamente com o GG, mantendo-se ambos agarrados um ao outro.

    Enquanto isto o arguido mantinha-se com dita a arma empunhada.

    Nessa altura surgiu o DD que agarrou o arguido pelas costas, manietou-lhe os braços e tentou desarmá-lo, a fim de por termo à contenda.

    Por isso, o arguido e o DD empurraram-se agarrados mutuamente até ao outro lado rua onde...

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