Acórdão nº 06S251 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução03 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 21 de Setembro de 2004, no Tribunal do Trabalho do Porto, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, pedindo que fosse declarada a ilicitude do seu despedimento e a condenação da ré a reintegrá-lo no seu quadro de pessoal, como professor do ensino superior, e a pagar-lhe as retribuições devidas em consequência do despedimento, bem como a quantia de 50.000 euros, a título de danos não patrimoniais, e juros de mora, desde a propositura da acção até efectivo pagamento.

Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré, mediante contrato de trabalho, com início em 1 de Outubro de 1989, para exercer funções de docente na Universidade Lusíada, com a categoria de professor auxiliar, o qual vigorou, sem interrupções, até 30 de Setembro de 2003, data em que o autor recebeu uma carta de despedimento, datada de 26 de Setembro de 2003 e subscrita pelo Director da Faculdade de Direito, imputando ao autor a violação flagrante do Regulamento Geral de Avaliação de Conhecimentos em vigor na Universidade Lusíada no respeitante à presidência dos júris das provas orais, e deste modo, «com perfeito conhecimento da ilicitude dos factos», a comissão de uma infracção disciplinar muito grave.

A ré contestou, por excepção e por impugnação, invocando a inexistência de qualquer despedimento, e que o contrato de docência cessou por iniciativa do autor, que se recusou, ilegitimamente, a leccionar a disciplina de Direito do Consumidor, no curso de Psicologia da Universidade Lusíada, e, também, que não se verificavam os pressupostos legais da pretendida indemnização por danos não patrimoniais.

A ré deduziu, ainda, pedido reconvencional, com o fundamento de que o autor foi director do Instituto Lusíada de Direito do Consumo e nessa qualidade cabia-lhe promover a realização de pós-graduações nessa área, o que nunca aconteceu, sendo certo que na qualidade de Presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo organizou vários cursos de pós-graduação em Direito do Consumo, exercendo, por este modo, actividade concorrente com a da Universidade Lusíada, e, bem assim, que o autor se recusou a leccionar a disciplina de Direito do Consumidor já depois de iniciado o ano lectivo, obrigando a Universidade a transferir a referida disciplina para o 2.º semestre, o que originou protestos dos alunos e evidentes danos na imagem da Universidade.

O autor respondeu e contestou o pedido reconvencional.

No despacho saneador, decidiu-se não admitir o pedido reconvencional deduzido, com base nos seguintes fundamentos: «A reconvenção, em processo laboral, está sujeita a requisitos mais rigorosos do que em processo civil; concretamente, está limitada aos casos previstos no artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho e no artigo 85.º, alíneas o) e p), da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.

No caso em apreço importa sublinhar que o pedido reconvencional deduzido pela R. nada tem a ver com o fundamento da acção; nesta invoca-se um contrato de trabalho que cessou de forma alegadamente ilícita, por a ré ter comunicado essa cessação fora do [...] condicionalismo legal e contratual; na reconvenção atribui-se conduta ao autor que terá originado a eclosão de danos na esfera jurídica da reconvinte; de igual modo - e agora considerando a exigência vertida na alínea o) do referido [artigo 85.º] da Lei n.º 3/99 - não se vislumbra interceder qualquer relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência do pedido reconvencional relativamente ao pedido formulado pelo autor.

Finalmente, nos termos da alínea p) do referido artigo 85.º da Lei n.º 3/99, é possível a reconvenção quando se pretenda operar a compensação, o que, manifestamente, não é o caso: a ré não declara pretender compensar o crédito que reclama do autor - pelos invocados danos patrimoniais e não patrimoniais - com os créditos peticionados pelo autor, que a ré não reconhece existirem.» 2. Inconformada, a ré agravou para a Relação, que confirmou o despacho recorrido, negando provimento ao agravo, sendo contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante agravo de 2.ª instância, em que formula as seguintes conclusões: a) O artigo 30.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho determina a admissibilidade da reconvenção quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento da acção e ainda no caso previsto na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99; b) A citada alínea p) refere-se não só aos casos de compensação, mas também aos referidos na alínea o) do mesmo artigo; c) A referida alínea o) indica como elemento de conexão relevante a relação de trabalho (e não os concretos factos invocados pelo autor); d) Daqui resulta que a reconvenção, em processo laboral, será admissível sempre que a causa de pedir da reconvenção seja conexa com a relação de trabalho que serve, ainda que mediatamente, de fundamento ao pedido do autor; e) Os pedidos reconvencionais formulados pela recorrente resultam, inequivocamente, da relação contratual estabelecida entre recorrido e recorrente, como aliás se reconhece no douto acórdão recorrido; f) Estão por isso reunidos os pressupostos legais para a admissibilidade da reconvenção; g) Sem prescindir, ainda que assim não se entendesse, «o facto jurídico que serve de fundamento à acção» é o contrato celebrado entre as partes e não a sua concreta [alegada] violação - com efeito, a existência de contrato é conditio sine qua non para a possível declaração judicial da sua violação, nos termos alegados, quer pelo recorrido, quer pela recorrente; h) Deste modo, mesmo abstraindo das alíneas o) e p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, sempre se deveria concluir, por interpretação sistemática do artigo 30.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, que a expressão «facto jurídico que serve de fundamento à acção» é o contrato de trabalho, ou melhor, a relação jurídica complexa dele emergente, e não a violação concretamente invocada pelo autor; i) A não se entender assim, concluir-se-ia forçosamente nunca ser admissível a reconvenção em processo laboral (excepto nos casos de compensação), conclusão manifestamente contraditória com a expressa admissibilidade da reconvenção plasmada no referido artigo; j) Conclusão tanto mais contraditória...

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