Acórdão nº 06S377 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2006

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução27 de Abril de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 19 de Julho de 2001, a Empresa-A, apresentou, nos Serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho de Braga, participação pelo acidente de trabalho sofrido, em 17 de Julho de 2000, por AA, quando este prestava a actividade de metalúrgico a favor de Empresa-B, que havia transferido a sua responsabilidade infortunística para a participante.

Na fase de conciliação, o sinistrado não aceitou o grau de incapacidade permanente parcial (IPP) para o trabalho que lhe foi atribuído em exame médico, e que era de 24%.

Havendo discordância apenas quanto ao grau de incapacidade fixado, o sinistrado, com o patrocínio do Ministério Público, requereu a submissão a exame por junta médica, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 138.º do Código de Processo de Trabalho, assim se dando início à fase contenciosa do processo.

Na sequência do exame por junta médica, os peritos médicos concluíram, por unanimidade, que o sinistrado se achava afectado de uma IPP de 15%, porém, o juiz de primeira instância entendeu que, «não obstante o resultado do exame por junta médica, não pode, agora, ser fixado um coeficiente de incapacidade inferior àquele que foi aceite pela seguradora [na tentativa de conciliação]», pelo que fixou o coeficiente de incapacidade permanente parcial do sinistrado em 24%.

  1. Não se conformando com a sentença que não considerou o resultado do exame por junta médica, a seguradora interpôs recurso de apelação, sustentando, em síntese, que tendo a junta médica emitido pronúncia, por unanimidade, no sentido de que o sinistrado se encontrava afectado de uma IPP de 15%, não podia o juiz de primeira instância desvalorizar em absoluto o resultado da junta médica, com o singelo argumento de que a seguradora aceitou o resultado do exame médico singular na tentativa de conciliação (IPP de 24%).

    A Relação, considerando que o exame por junta médica não enfermava de qualquer irregularidade, nem fora impugnado pelas partes, e que o resultado da peritagem médica foi obtido por unanimidade, julgou procedente o recurso, fixando a questionada incapacidade permanente parcial para o trabalho em 15%, nos termos do artigo 712.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte, do Código de Processo Civil, atribuindo ao autor uma pensão anual e vitalícia correspondente a esse grau de incapacidade.

    É contra esta decisão que agora se insurge o sinistrado, com o patrocínio do Ministério Público, mediante recurso de revista, ao abrigo das seguintes conclusões: 1.ª No presente recurso questiona-se se, numa acção emergente de acidente de trabalho em que, na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória, as entidades responsáveis pela reparação do acidente de trabalho declararam estar de acordo no pagamento do capital de remição correspondente a uma pensão vitalícia calculada com base na IPP de 24%, e só o sinistrado não esteve de acordo, por entender ter ficado afectado com mais gravidade na sua capacidade de trabalho, prosseguindo o processo para a fase contenciosa com requerimento de junta médica apresentado unicamente pelo sinistrado, pode fixar-se uma IPP inferior ao limiar mínimo em que todas as partes estavam de acordo e, com essa base, arbitrar uma pensão inferior àquela que as responsáveis pela reparação estavam dispostas a pagar; 2.ª A esta questão, no acórdão recorrido, respondeu-se afirmativamente, com fundamento na natureza indisponível dos direitos emergentes dos acidentes de trabalho; 3.ª Com todo o respeito, permitimo-nos discordar do acórdão recorrido, porque a natureza de direitos indisponíveis que, indiscutivelmente, revestem os direitos emergentes dos acidentes de trabalho é um reflexo da consagração do direito à justa reparação dos acidentes de trabalho como um direito fundamental dos trabalhadores (artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa); 4.ª Logo, sendo os direitos emergentes dos acidentes de trabalho direitos indisponíveis dos trabalhadores, daqui não resulta que o tribunal possa oficiosamente fixar um grau de incapacidade aquém do grau de incapacidade que o obrigado à reparação não contestou, no momento oportuno, segundo a lei processual aplicável, que, como se sabe, é a tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória; 5.ª Outra conclusão não pode ser extraída da leitura dos artigos 108.º e ss. e, em especial, do artigo 112.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, conjugado com o estatuído no artigo 135.º do mesmo código, onde se lê que, na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa; 6.ª Assim, se na fase conciliatória ficou definitivamente assente que o grau de incapacidade permanente de que estava afectado o sinistrado era, no mínimo, de 24%, porque, como se pode ler na sentença de 1.ª instância, «na tentativa de conciliação de fls. 158 a 160 a seguradora declarou aceitar o resultado do exame médico realizado nessa fase, onde foi atribuído ao sinistrado o coeficiente de incapacidade de 0,24», não devia a Relação, ao decidir o recurso interposto da mesma sentença, ter diminuído o grau de incapacidade para 15%; 7.ª Na verdade, o artigo 659.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, prescreve que, na elaboração da sentença o juiz deve tomar em consideração os factos admitidos por acordo (...) ou por confissão reduzida a escrito, 8.ª E o grau de incapacidade com o limiar mínimo de 24% estava assente por confissão judicial espontânea, com a força probatória prevista nos artigos 355.º, n.º 2, 356.º, n.º 1 e 358.º, n.º 1, do Código Civil, como vem sendo entendido pela jurisprudência; 9.ª Acresce que, o artigo 3.º do Código de Processo Civil prescreve que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes; 10.ª E o artigo 664.º do Código de Processo Civil estatui que, em regra, o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes; 11.ª Todavia, no acórdão recorrido, a Relação esqueceu que entre as partes não havia litígio em relação à questão do grau da incapacidade não ser inferior a 24% (as responsáveis pela reparação estavam de acordo com o grau de incapacidade fixado na fase conciliatória, não tendo pedido ao tribunal recorrido a sua diminuição)...

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